As aparentemente inofensivas aplicações de acompanhamento do ciclo menstrual põem as mulheres em risco. A recolha dos dados serve para planear uma gravidez, facilitar a identificação de potenciais problemas e até para monitorizar a época da menopausa. Mas os dados estão efetivamente seguros?

Um estudo exaustivo desenvolvido em conjunto pelo King’s College London (KCL) e pela University College London (UCL) examinou as políticas de privacidade e os selos de segurança dos dados de 20 das mais populares aplicações no Reino Unidos e nos EUA. As apps foram descarregadas da Google Play e, ao analisá-las, os investigadores identificaram um conjunto de más práticas de gestão de dados. Algumas das apps não têm sequer a opção de “eliminar dados”.

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O ciclo menstrual de centenas de milhões de utilizadoras pode interessar a fabricantes de produtos de higiene pessoal, o que não é necessariamente mau. Mas outros dados são mais sensíveis, como o caso de abortos, espontâneos ou não.

Veja na galeria imagens de apps incluídas do estudo:

Embora as aplicações de saúde feminina sejam vitais para a gestão da saúde das mulheres em todo o mundo, os seus benefícios são atualmente prejudicados por questões de privacidade e segurança”, disse a autora principal do estudo, Ruba Abu-Salma, do King's College London.

Acrescenta que “as aplicações de saúde feminina recolhem dados sensíveis sobre o ciclo menstrual, a vida sexual e o estado de gravidez das utilizadoras, bem como informações de identificação pessoal, como nomes e endereços de correio eletrónico”.

A investigadora alerta que “a má gestão ou a fuga de dados sobre a saúde reprodutiva pode ter consequências terríveis, sendo a chantagem, a discriminação e a violência algumas das piores”.

Partilha de dados com governos é um dos riscos

Os dados relativos à saúde reprodutiva são particularmente sensíveis nos EUA, na sequência da decisão do Supremo Tribunal, de 2022, que anulou o direito constitucional ao aborto. Nas últimas semanas, renasceu nas redes sociais nos EUA uma discussão sobre se deve ou não apagar as apps de acompanhamento do período, após a sugestão do potencial candidato à presidência do país, Donald Trump, de que os estados poderiam começar a monitorizar a gravidez das mulheres.

O aborto foi legalizado nos EUA após uma decisão judicial de 1973, frequentemente referida como o caso Roe v Wade. Em 2022, o tema das apps foi alvo de intensa discussão nas redes sociais no rescaldo da notícia que apontava para a reversão da decisão judicial Roe v Wade de 1973, que se confirmou e que voltou a tornar o aborto ilegal em 22 estados.

Ainda em 2022, o grupo Electronic Frontier Foundation (EFF) alertou que “as mulheres que utilizam aplicações de controlo do período devem certificar-se de que sabem como estão os seus dados a ser utilizados”. Em causa estava que algumas das apps partilhavam dados e havendo receio de que esses dados poderiam ser usados para punir aquelas que procurassem abortar.

Voltando ao estudo, os dados pessoais armazenados pelas aplicações podem mostrar pormenores sobre a atividade sexual, a contraceção e a data de paragem e início da menstruação. Algumas pedem informações sobre abortos ou abortos espontâneos.

O estudo conclui que “em muitos casos” os dados das mulheres podem ser objeto de acesso por parte das autoridades policiais ou de segurança. Apenas uma aplicação aborda explicitamente nas suas políticas de privacidade a sensibilidade dos dados menstruais no que diz respeito à aplicação da lei e envidou esforços para proteger os utilizadores contra ameaças legais.

As aplicações de saúde feminina estão também a ser objeto de uma investigação por parte dos reguladores no Reino Unido.

Alguns indicadores revelam que o mercado da tecnologia centrada na mulher deverá valer 75 mil milhões de dólares em 2025, o que justifica o interesse no tema.