Centenas de emails de empresas e organizações várias pediram nos últimos dias o consentimento dos utilizadores para continuaram a enviar mensagens de correio eletrónico. Umas mais originais do que outras, algumas fora das regras e outras com cuidados desnecessários, o volume de mensagens foi sentido quase como um ataque pelos utilizadores que se queixaram, e em muitos casos optaram por não reagir, nem com o desejado Sim, nem com um definitivo Não. E agora, o que fazer?
Miguel Gonçalves, CEO da E-goi, admite que o impacto nas bases de dados de email marketing é muito grande. “Para quem já tinha consentimentos e fez re-confirmação, conhecemos casos em que perderam 99% da sua lista”, explica, apontando várias razões, como o facto de terem deixado tudo para o fim, das pessoas já não abrirem emails com este tema, ou porque a própria mensagem não levava claramente à ação, ou o formulário de nova inscrição ter problemas de conceção. “Então quando juntamos tudo, os resultados são catastróficos”, alerta o responsável por uma das plataformas de mail marketing mais usadas em Portugal.
Quem já seguia uma linha de conduta de boas práticas no contacto por email, e que fazia um bom trabalho, nem teria de passar por este processo de pedir confirmação. “Temos visto muita coisa que tem como ponto de partida princípios errados” explica Daniel Pereira, diretor da APPM - Associação Portuguesa dos Profissionais de Marketing e diretor da MindSEO ao SAPO TEK. A nível de necessidade de permissão o RGPD vem mudar muito pouco e mesmo as regras do “double opt in” já existem há vários anos. “O que [o RGPD] obriga é que as empresas sejam claras e transparentes”, justifica.
O problema é que muitas empresas “não estão a fazer um bom trabalho”, como admite Daniel Pereira, sublinhando que é uma opinião pessoal que ainda não foi debatida na direção da APPM. “Há muitas empresas a fazer asneiras […] muitas vão continuar”, explica, dizendo que há também muito mau trabalho de assessoria, porque há juristas a definir modelos e não entendem de operações, nem de tratamento de dados ou de segurança.
E quem quer cumprir a nova regulamentação, como pode recuperar de forma séria as listas de contactos para email marketing? “Simples, vão ter que investir mais do que nunca na angariação de novos contatos, online e offline”, afirma Miguel Gonçalves, que diz que “mesmo assim, é um investimento fundamental já que o marketing direto e relacional é muito mais rentável do que a publicidade de uma forma geral, ou do que depender de plataformas de terceiros como é o caso dos seguidores/fãs Facebook a quem as mensagens das empresas cada vez chegam menos à atenção das pessoas”.
Como conselhos para as empresas o CEO da E-goi adianta que “é fundamental implementar convites online e offline para uma inscrição totalmente transparente mas também simples e eficaz, passando a comunicar com frequência, conteúdos de qualidade e muito pertinentes para o público-alvo”. E há que assegurar que o email tem “um layout “simples”, poucos assuntos diferentes no mesmo email, adaptado ao mobile (responsive), com um claro call to action (ex. botão CTA), e sempre com facilidade para que a pessoa possa exercer os seus direitos de acesso/retificação e oposição ao tratamento de dados”.
No limite da legalidade… ou um pouco mais além
Questionado pelo SAPO TEK sobre se podemos concluir que muitas empresas e organizações estavam a abusar dos clientes, Miguel Gonçalves não é taxativo e diz que a maior parte dos convites à re-inscrição já eram de organizações a quem tinha sido dado o consentimento. E que mesmo que não fossem aplicadas as melhores práticas na relação com o cliente, em termos de transparência quanto aos dados guardados, isso não poderia ser enquadrado como fraude.
Mas houve abusos, e Daniel Pereira faz uma distinção entre as bases de dados que foram sendo construídas com base em consentimento tácito, ou outras formas de recolha de dados pessoais, de forma amadora, e os casos onde a ilegalidade faz parte do processo. Os “amadores” podem ter-se apercebido do problema que tinham em mãos com a mediatização do caso, mas os que têm bases de dados ilegais estão conscientes disso mesmo, e provavelmente não vão parar de as usar. “Se tiveram a noção de que nada acontece vão continuar com os mesmos processos. Podem ficar de pé atrás, mas avaliam o risco e continuam”, refere.
O facto da legislação não estar ainda finalizada, faltando a lei de regulamentação do RGPD para aplicação em Portugal, é também uma das críticas apontadas por Daniel Pereira a este processo. “Há muito ruído, não se sabe o que vai acontecer”, refere.
Da mesma forma o CEO da E-goi não se mostra muito crente quanto ao fim da fraude. “Sobre a fraude, tenho muitas dúvidas que o RGPD venha ajudar a combater, pois o regulador só pode actuar sobre quem tem porta aberta o que normalmente não é o caso de quem comete fraude intencionalmente, como é o exemplo do phishing”, refere.
A “perseguição” aos utilizadores para darem um OK e terem os seus dados incluídos numa lista de contactos deverá prosseguir nos próximos dias e semanas. Apesar de já se sentir uma diminuição significativa de envios “é natural que existam empresas mais atrasadas neste processo, e ainda estão a planear este tipo de envios, e ainda há as outras que já começaram mas ainda estão a enviar lembretes para a re-inscrição”, avisa Miguel Gonçalves.
Então como devem os consumidores proceder? A jurista Carina Branco sugere que cada utilizador tire algum tempo para responder às solicitações recebidas, e que escolha claramente se Sim ou Não quer continuar a ser contactado, exercendo assim o seu direito e não deixando o assunto no “limbo” que pode permitir novas insistências.
Nota da Redação: Foi feita uma correção no penúltimo parágrafo. Última atualização às 21h29
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