Os assistentes virtuais podem ser usados para ajudar a encontrar a melhor receita para o jantar, o melhor programa para um fim-de-semana no Algarve, ou um bom resumo de informação sobre um autor para aquele trabalho escolar. Mas podem também ser uma ferramenta poderosa para ajudar profissionais em várias áreas, se tiveram por base informação rigorosa e forem validados pelas fontes certas.
É isso que permite o sistema de apoio à decisão médica da Dioscope, que ajuda a “digerir” os protocolos clínicos que os profissionais de saúde devem seguir quando atendem e medicam os doentes, remetendo a consulta de informação para interações com um chatbot que fornece indicações, à medida que o médico valida sintomas.
“Ao dia de hoje, os protocolos dos hospitais estão 'perdidos' numa pasta partilhada no hospital, sem possibilidade de acesso remoto por parte das equipas”.
A plataforma da Dioscope tem ajudado a resgatar essa informação, tornando-a acessível a todos os profissionais de saúde no momento em que precisam dela. O sistema tem hoje mais de 100 protocolos clínicos de base, de 18 especialidades, usados por médicos de mais de 30 hospitais e 40 centros de saúde. Mas a parceria com as unidades de saúde hoje já vai muito para além do sistema de apoio, explica Tomás Pessoa e Costa, fundador e CEO da startup, que é também médico. “No nosso último curso de formação médica contínua, que partilhámos com o Serviço Nacional de Saúde, tivemos mais de 2500 médicos inscritos. Isto era inimaginável quando começamos o projeto”, destaca o empreendedor.
Esta área da formação online foi precisamente o início da história da Dioscope que Tomás Pessoa e Costa apresenta como uma “plataforma de educação médica com um objetivo muito claro: queremos que não existam barreiras físicas à partilha de conhecimento”. Hoje o conceito não é difícil de assimilar, mas há seis anos quando o projeto nasceu, antes da pandemia, o cenário era muito diferente.
“Nessa altura a ideia de ter um médico, referência em determinada área, a gravar uma aula que podia ser vista por milhares de colegas durante largos meses, era irreal”. A Dioscope acredita que teve um papel precursor para que os médicos pudessem “estudar - conteúdos adaptados à nossa realidade portuguesa - como, quando e onde quisessem”.
Pelo caminho, a pandemia ajudou a provar a validade da ideia e depois dela, já com mentes mais abertas para o formato, o negócio cresceu. A plataforma de ensino digital é essencialmente baseada em vídeos e casos clínicos. O software de criação de protocolos clínicos veio depois e marcou o início da colaboração com o SNS, que hoje envolve também já a oferta na génese da Dioscope. “Em muitos hospitais e centros de saúde com quem trabalhávamos existia uma grande necessidade em assegurar formação médica contínua aos seus profissionais, e por isso acabámos por alargar a nossa parceria”, explica Tomás Pessoa e Costa.
“Deixámos de fazer só algoritmos para tratar de toda a educação digital do hospital: com acesso a cursos e protocolos Dioscope, mas também com possibilidade de [as unidades] criarem os seus próprios conteúdos”.
Para que esta opção fosse viável, a plataforma de cada hospital é independente e no-code. Qualquer médico com treino e devidamente autorizado pode criar os seus próprios conteúdos. Todos os conteúdos criados podem ficar reservados para uso naquela unidade de saúde e são propriedade intelectual dos médicos e unidades. Na versão aberta da plataforma, há conteúdos e algoritmos com protocolos clínicos construídos por médicos portugueses, a pedido da Dioscope.
Pelo caminho, a startup destaca o apoio da Microsoft, da Casa do Impacto, da Fundação AGEAS e de outros parceiros, que permitiram angariar os recursos necessários para criar estas plataformas privadas. Os projetos com o SNS são gratuitos para todos os hospitais e centros de saúde. “A Dioscope foi criada por médicos do SNS, sabemos as dificuldades que atravessa, e assumimos desde o início que esta era a nossa forma de retribuir o que o SNS nos tinha dado”, destaca Tomás Pessoa e Costa.
Um estudo de impacto ainda em curso, mas já com a participação de mais de 2000 médicos e ambição de vir a ser publicado numa revista internacional, apurou que para mais de 96% destes utilizadores a plataforma veio melhorar a sua capacidade de diagnóstico e tratamento, a articulação entre centros de saúde e hospitais e tem um impacto positivo na saúde dos doentes.
Entretanto, o assistente de apoio à decisão médica da Dioscope foi evoluindo. Numa fase inicial só permitia a customização dos protocolos de decisão por hospital. Neste momento está a ser já preparado para a customização por especialidade médica dentro de cada hospital, que vai permitir a criação de plataformas próprias para os serviços.”Para os serviços de oncologia, por exemplo, estão a ser criadas três, ao abrigo de um concurso internacional que a Dioscope ganhou”. Na prática isto significa que cada uma dessas equipas médicas passa a ter o seu próprio sistema de ensino digital. Podem criar os seus próprios cursos, protocolos, ou restante material de apoio de forma descentralizada e segura.
Nas duas vertentes do negócio, a Dioscope conta com mais de 400 médicos a produzirem conteúdos para a plataforma e para os cursos que organiza. Entre as curiosidades do projeto não está só o facto de ter “puxado” muitos médicos para um ambiente mais digital, mas também o facto de ter fomentado a partilha de conhecimento. Muitos dos conteúdos criados na versão privada da plataforma são partilhados pelos autores na versão aberta, muitos ganham uma escala de utilização não prevista.
Um exemplo desta colaboração é o algoritmo de referenciação em DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica), criado para uma articulação entre centros de saúde e hospitais fosse mais eficiente, exemplifica o fundador da Dioscope. O algoritmo foi feito pelo diretor de serviço de Pneumologia do Hospital de Santarém, a startup dinamizou a divulgação. “No último ano este mesmo algoritmo teve mais de 6000 visualizações. É um impacto que só conseguimos através do digital”.
No horizonte da startup está o plano de escalar a solução para outros mercados. A empresa já tem alguma presença nos PALOP e operação em Itália e quer reforçar essas apostas. Em Portugal, o plano é cimentar as parcerias com o SNS, “ajudando estas unidades na grande reorganização em ULS que está em curso” e contribuindo para mostrar que “em Portugal, e no nosso SNS, conseguimos desenvolver projetos tão bons como os melhores da Europa”.
Este artigo faz parte do especial Ideias que podem mudar vidas: 5 projetos de startups portuguesas para mudar a saúde que vale a pena conhecer
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