Por vezes, surgem situações inesperadas que alteram completamente rumo da vida. Em 2015, Catarina Oliveira descobriu, durante uma viagem ao Brasil, que tinha uma mielite transversa, uma inflamação na medula espinal, que a colocou numa cadeira de rodas. No entanto, a condição não a parou.

Através da Internet, começou a partilhar com o mundo as suas experiências de adaptação a esta nova realidade. Embora originalmente não tivesse a ideia de criar um projeto online, o interesse foi aumentando ao longo do tempo, motivado pela crescente ambição de desconstruir preconceitos contra pessoas com deficiência e de lutar pela acessibilidade.

A sua atual “casa” no mundo online é o Instagram, onde conta com 18,4 mil seguidores, e ainda antes tinha feito uma passagem pelo YouTube, no canal C Feliz, com o seu primeiro vídeo a ser publicado em 2017.

Uma “Espécie rara sobre rodas”: foi assim que a conhecemos no Instagram. À primeira vista, um nome curioso, mas ao SAPO TEK, Catarina explica que a escolha não foi por acaso.

A criadora de conteúdo portuense de 32 anos recorda que, quando saia de casa, fosse para ir a uma esplanada, à discoteca, ao cinema ou a um centro comercial, sentia que todos os olhares recaíam sobre si, como se fosse uma espécie rara. A expressão passou a ser usada nas suas publicações e Stories, tanto que até os seus amigos aderiram, levando-a a mudar o nome da conta na rede social.

Na sua página não há “papas na língua” e os memes também fazem parte. Há também momentos mais sérios, onde aborda temáticas muitas vezes vistas pela sociedade como tabus ou sobre as quais não há uma consciencialização, assim como espaço para ouvir novas perspetivas de outras pessoas que têm deficiências através de sessões ao vivo.

O feedback que tem vindo a receber ao longo dos últimos anos é muito positivo, e a criadora de conteúdo sente que está “efetivamente a desconstruir algumas ideias que haviam pré-concebidas, alguns estereótipos e estigmas que existem relacionados com a pessoa com deficiência”.

"A sociedade olha para nós de uma forma muito diferente e isso tem de ser mudado”

Catarina sente que o seu trabalho está a conseguir chegar tanto às pessoas que não têm deficiência, que acabam por se aperceber “que têm determinadas atitudes e pensamentos capacitistas”, como àquelas que a têm.

“Tenho conversas muito produtivas com pessoas que cresceram com deficiência e que agora começam a desconstruir coisas que assumiam como dogmas nas vidas delas e que na verdade não são bem assim”, diz Catarina Oliveira

Neste contexto, Catarina considera que o facto de ter sido uma pessoa que não cresceu com deficiência lhe deu uma outra perspetiva. “Realmente, a sociedade olha para nós de uma forma muito diferente e isso tem de ser mudado”.

“Eu sei que há muitas pessoas com e sem deficiência que não se identificam com a minha forma de me expor ou de falar”. Embora admita que nem todos têm de concordar com o que diz, Catarina Oliveira quer que o seu Instagram seja um espaço de troca construtiva de ideias, onde “é preciso parar para ouvir o outro”.

Mesmo assim, surgem por vezes comentários discriminatórios ou preconceituosos. Um caso mais recente aconteceu-lhe no TikTok, onde também publica alguns vídeos que depois até coloca no Instagram. “Estava a falar sobre discriminação e alguém comentou algo do género «por amor de Deus, como se vocês [pessoas com deficiência] tivessem direito a alguma coisa»”.

No seu Instagram é possível encontrar alguns dos casos mais flagrantes de comentários deste género dirigidos a ela ou a outras pessoas. Tal como indica nas publicações que acompanham as imagens, o intuito não é atacar quem os fez, mas sim pôr a nu as realidades vividas por múltiplas pessoas.

Quando menciona nas suas publicações que as pessoas com deficiência não devem ser vistas como um “exemplo de superação em tudo”, Catarina Oliveira recebe comentários que até podem não “ser feitos por mal”, mas que são reveladores de uma mentalidade capacitista.

“Há pessoas que me dizem «que exagero, é só porque tu me inspiras» ou «acho que és uma guerreira, porque realmente tens de ter muita força para estar em cima de uma cadeira de rodas». “Não somos super-heróis porque estamos simplesmente a viver. Somos pessoas mais resilientes, mas é porque não há acessibilidade”.  

Ao longo do seu percurso enquanto criadora de conteúdo e ativista pela acessibilidade, foram vários os momentos que a marcaram. De acordo com Catarina, um deles até aconteceu muito recentemente, com a sua participação na nova campanha da Veet.

“Eles chegaram a mim através do Instagram, por isso começo a reparar que o meu trabalho tem outra expressão. É uma campanha que não está ligada diretamente com a deficiência e chamaram alguém com deficiência: é isso que me interessa”, enfatiza.

“Quero que as pessoas com deficiência estejam em todas as áreas: eu não tenho problema algum com a minha deficiência, não a pretendo esconder. Quero muito falar sobre temas de acessibilidade, mas não quero que me chamem só para falar da minha história. Gosto que me chamem como representatividade”.

Catarina afirma que há mensagens que recebe no Instagram e que a marcam sempre. A jovem conta casos de seguidores que, depois de verem as suas publicações, alertaram outros da importância de não impor a sua ajuda a pessoas com deficiência. “Isso para mim é ver a mudança na prática”.

A mudança também acontece na perceção que algumas das suas seguidoras com deficiência têm em relação ao seu próprio corpo. “Lembro-me perfeitamente de uma mensagem que recebi de uma mulher com deficiência a dizer-me «eu nunca usei lingerie na minha vida e nunca vi o meu corpo como merecedor disso. Vi a tua foto e vou encomendar uma». São coisas que se calhar podem parecer simples, mas que me emocionam imenso”.

Da nutrição ao desporto: Quem é Catarina fora do mundo online?  

A criadora de conteúdo descreve-se como alguém com uma grande paixão pelo estudo e que “quando se apaixona por um assunto adora saber mais”. É verdade que o seu percurso académico nem sempre foi linear, e, enquanto estava no segundo ano do curso de Medicina apercebeu-se de que não se estava a sentir verdadeiramente realizada.

Entre trabalho num bar da baixa do Porto, congelamento de matrículas e a inflamação na medula, a jovem decidiu, por fim, que a Medicina não era mesmo aquilo que queria para a sua vida. A ideia de seguir Nutrição surgiu numa conversa com uma amiga e o interesse foi crescendo.

“Resolvi arriscar e foi a melhor coisa que fiz. Foi um curso que me completou imenso e estou agora a fazer o meu estágio à Ordem dos Nutricionistas.  Foi uma mudança que não foi fácil, mas aconselho a todos a não terem medo de, pelo menos, questionarem se estão realmente bem”.

O desporto tem também um papel de destaque na sua vida, tanto antes e como depois de estar numa cadeira de rodas. Durante os seus tempos no Centro de Reabilitação do Norte, a jovem experimentou modalidades adaptadas como voleibol e andebol. Mais tarde chegaram o remo, a canoagem e o ténis, uma modalidade à qual se ia dedicar até a pandemia de COVID-19 chegar, além de crossfit que ainda pratica atualmente.

Uma "espécie rara sobre rodas" na TV? É uma ambição

Olhar para o futuro do projeto nem sempre é fácil e Catarina confessa que o planeamento é certamente uma área que gostava de melhorar. “Sou mais imediatista. Penso nas coisas e quero fazê-las logo”. Aliás, durante o confinamento, notou que o processo de criação de conteúdo não tão era tão fluido.

“Quando se está na rua, cria-se mais conteúdo, porque estão sempre a aparecer coisas novas. Às vezes acontece-me apanhar uma situação na rua e faço um vídeo ou lembro-me de anotar alguma coisa que vi. Em casa, tens de te enriquecer de outra forma mais digital”.

Além disso, Catarina afirma que “gostava imenso” de exercer a sua profissão como nutricionista, contudo sabe que não vai ser só isso que vai querer fazer. Recentemente, até abriu com uma amiga uma nova marca de hambúrgueres veganos, onde trata das questões nutricionais do projeto.

Uma coisa é certa: a longo prazo, a página no Instagram veio para ficar e o seu objetivo é continuar a desenvolvê-la e a chegar a cada vez mais pessoas. Ter o seu próprio programa é também uma das ambições de Catarina, num formato com convidados onde pudesse transpor as temáticas que aborda na rede social e, quem sabe, talvez um dia o “Espécie rara sobre rodas” chegue mesmo à TV.

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