Há cada vez mais talento na indústria dos videojogos em Portugal. Eventos como o PlayStation Talents e o festival IndieX sobressaem pequenas equipas com projetos interessantes feitos no país. Mas são poucos os nomes de individualidades que se tornam developers a tempo inteiro, subsistindo como profissionais por conta própria. Ora mantêm-se nos maiores estúdios a nível nacional ou são facilmente integrados nas multinacionais espalhadas pelo mundo. E David Amador é um exemplo de persistência numa indústria difícil de vingar sozinho.
Aos 38 anos, David Amador continua a manter-se independente, a criar videojogos de forma "discreta". Está a desenvolver um novo projeto nas suas horas vagas, mas para “pagar as contas” trabalha para qualquer empresa do mundo que necessite de fazer “ports” de jogos, ou seja, adaptar um título de uma plataforma para outra.
Tornou-se um especialista em adaptar jogos entre as consolas das três principais fabricantes (PlayStation, Nintendo e Xbox) devido à experiência acumulada em Quest of Dungeons, aquele que é o seu cartão de visita no estúdio que criou, a Upfall Studios. Um RPG que foi adaptado a todas as plataformas, com o trabalho maioritariamente feito por si. E isso permitiu-lhe ainda aceder às versões especiais de consolas para developers, as suas ferramentas que utiliza diariamente para trabalhar. Dessa forma, David Amador é bastante requisitado na indústria sempre que um estúdio, sobretudo indie, necessita de alargar os seus jogos a novas plataformas.
Tendia para a arte, mas o código tomou-lhe mais tempo
Voltando atrás no tempo, David Amador não terminou o seu curso de informática do seu período académico, mas desde muito jovem, quando recebeu a sua primeira consola percebeu que lhe dava mais gozo perceber como é que as coisas funcionavam, como o boneco andava da esquerda para a direita. Além disso, sempre teve uma tendência para desmontar coisas, para perceber os seus mecanismos. E estava longe de perceber que um dia iria seguir a área de programação, pois originalmente gostava mais do segmento artístico, o 3D e o 2D, sem pensar em código.
“Antes de ir para a universidade passava muito tempo a jogar e uma professora passou-me um CD de programação de Pascal, para que empregasse melhor o tempo útil frente ao computador”, salienta que esta foi a faísca para que entrasse no mundo do código, algo que gostou. Quando foi para a universidade escolheu engenharia informática, por ser o mais próximo que havia relacionado com videojogos. O seu plano era manter-se próximo dos jogos e programação porque gostava, mas ao mesmo tempo servia de plano B para sustentar-se, caso não conseguisse seguir uma carreira em videojogos. Ainda tirou alguns cursos de arte 3D, mas a programação acabou por tomar mais do seu tempo.
Relativamente ao início da sua carreira ligada aos videojogos, tudo começou quando tinha 24 anos, tendo abandonado o seu terceiro ano na universidade e entrou na Spellcaster em Setúbal. Trabalhava em desenvolvimento de jogos, mas também em software para a televisão. Esteve envolvido em Blitz and Massive do estúdio, seguindo-se Ant Swarm como programador. David Amador diz que esteve envolvido em outros projetos que também acabaram por não ver a luz do dia durante os quatro anos que esteve no estúdio.
Com a empresa encerrada por falência, refere que não tinha grandes projetos para colocar no currículo, uma frustração que acumulou durante os quatro anos no estúdio. Por isso, decidiu criar o seu próprio videojogo. O seu primeiro projeto chamou-se Vizati e concorreu ao programa XNA Pizzanight da Microsoft Portugal. Tratou-se de um jogo casual, inspirado em Bejeweled, destacando-se a física das suas peças. David Amador conseguiu vencer o prémio do melhor jogo.
Quest of Dungeons deu lucro e abriu portas profissionais
Vizati foi lançado comercialmente e salienta que foi bem-recebido na altura, mas em termos financeiros “não foi nada de espetacular”. Na altura entrou na onda de criar jogos para mobile, para iOS e Android, que custavam 99 cêntimos, nas primeiras experiências de monetização de gaming nestas plataformas.
Lançado há quase 10 anos no PC e diferentes consolas, Quest of Dungeons foi o jogo que mais tempo tomou na sua carreira profissional. “Sempre que ganhava receitas do jogo investia-o na adaptação a outra plataforma”. Quanto ao seu próximo jogo, nada ainda foi decidido e revelado, mas ao SAPO TEK confessou que estava a “brincar” com um protótipo de um Shop Simulator, uma loja de venda e construção de objetos.
"Sempre que ganhava receitas do jogo investia-o na adaptação a outra plataforma".
Atualmente, tem estrado a trabalhar como free lancer em contratos para fazer adaptações de jogos. Como tem a experiência e os respetivos dev kits, ferramentas essenciais para esse trabalho, tem vindo a apostar nestes contratos desde o final de 2019 e ao longo de toda a pandemia. Diz que gasta 90% do seu tempo a fazer portes e os restantes 10% a trabalhar no seu próximo projeto. Quanto a nomes, diz ter trabalhado em jogos como NexoMon, uma espécie de Pokémon, The Letter, Distraint e Nun Massacre, fazendo os respetivos ports para as diversas plataformas.
No seu dia-a-dia diz que recebe deadlines para as adaptações feitas aos seus clientes, muitas vezes diretamente com os publishers, outras com os developers. Explicando o seu trabalho, diz que vai trabalhando em diversas coisas ao mesmo tempo, vai enviando builds aos clientes e passa tempo em reuniões de ponto de situação. “Por vezes tenho o port do meu lado, depois mando para fazer testes”. No dia da entrevista refere que estava com um problema num jogo que estava a funcionar bem na Switch, mas na PS4 estava visualmente todo "partido". Depois de enviada a versão, recebe uma lista da equipa de QA com os bugs a corrigir. Afirma que há o eterno conflito entre os deadlines impostos pelas editoras, com a necessidade de polir os jogos por parte das developers.
Ainda sobre Quest of Dungeons, afirma ter ficado surpreendido com a receção geral muito boa dos jogadores. “As pessoas diziam que se entretinham a jogar e davam-me feedback do jogo, perguntando-me quando seria lançado o próximo jogo”. O mais importante é que Quest of Dungeons não só fez o “break even” nas receitas, como ainda gerou lucro ao developer português.
O estado da indústria de desenvolvimento em Portugal
Questionado sobre como vê atualmente a indústria de desenvolvimento em Portugal, David Amador não tem dúvidas em apontar que está melhor do que estava quando começou. “Comecei numa altura em que havia poucas pessoas. Agora há muito mais informação, é mais viável”. Ainda assim, é da opinião que se houver oportunidade, se deve emigrar, seja de uma forma física ou remotamente. “Ou pelo menos ter em mente que se for necessário é preciso mudar”.
"As pessoas diziam que se entretinham a jogar e davam-me feedback do jogo, perguntando-me quando seria lançado o próximo jogo."
Acredita que em Portugal já se contrata, mas que no estrangeiro existem mais opções. “Normalmente os projetos não duram apenas meses, mas anos, por isso, se já haver uma equipa, pode demorar muito tempo até que se volte a contratar, pois podem não o fazer a meio de um projeto”. E afirma que há cada vez mais pessoas a trabalhar remotamente em empresas grandes, que estão mais dispostas a isso. Mas em Portugal também acredita que já é uma profissão viável, dando o exemplo da Miniclip que emprega muitos profissionais portugueses.
Mas é da opinião que é mais fácil entrar para a indústria porque há mais informação e cursos, assim como motores que ajudam nos processos. No entanto, acredita que os jogos também se tornaram muito mais complexos e competitivos.
Uma questão colocada constantemente aos estúdios indie é se esta nova tendência de jogos disponíveis em serviços como o Game Pass ou PS Plus são bons para a indústria indie. “Conheço pessoas que têm os seus jogos no Game Pass e neste momento é bom para os indie, porque quando são negociados valores garantidos que fazem o break even dos jogos”. Assim, no mínimo recebem o dinheiro que investiram no videojogo de retorno, e ainda ganham a visibilidade e a possibilidade de vender cópias a outros jogadores que não utilizam estes serviços.
"Conheço pessoas que têm os seus jogos no Game Pass e neste momento é bom para os indie, porque quando são negociados valores garantidos que fazem o break even dos jogos".
Ainda assim não tem a certeza do futuro e sobre os hábitos do consumidor. “Dizem que não compram jogos porque já não vale a pena, havendo uma inundação do mercado, que criam hábitos no consumidor de deixar de comprar títulos para assinar serviços”. Salienta que depois, quem não conseguir entrar neste circuito de serviços, dificilmente vai conseguir depois vingar. Afirma que para já, o retorno financeiro dos jogos indie nos serviços está a ser bom para os produtores, “mas se todos entrarem vai tornar-se o Spotify de jogos e as receitas vão descer drasticamente”. Acredita, porém, que os jogos têm sido bem curados e que até experimentou títulos que de outra forma nunca os iria conhecer ou jogar se os tivesse de comprar.
Atualmente a comunidade de jogadores manifesta-se diretamente às produtoras através das redes sociais. E estas já têm um grande peso nas decisões das empresas de certos assuntos relacionados com os videojogos. Recentemente houve polémicas sobre as datas de lançamento de God of War Ragnarok ou a direção artística de Return to Monkey Island, levando a mensagens de ódio direcionado aos trabalhadores das empresas.
David Amador diz que existe um maior receito agora, porque embora sejam uma minoria, estes causam “barulho”, causando transtornos. “Tão depressa dizem que não ligam ao feedback, como depois dão ouvidos a coisas que não era suposto darem”. Acredita também que se perde um pouco a identidade daquilo que os developers querem fazer ao dar ouvidos à comunidade. Ficou particularmente admirado com a agressividade da manifestação feita com o caso de Monkey Island, destacando que uma coisa é dizer que não gosta e não comprar, outra são as reações radicais que foram referidas. “Imagine-se na altura um The Legend of Zelda: Wind Waker neste contexto…”
Quanto a planos para o futuro, gostaria de lançar a curto/médio prazo lançar o seu próximo jogo. Prefere manter-se como produtor indie, a não ser que surgisse alguma grande proposta de uma empresa que gostasse. Mas o objetivo é mesmo lançar o seu próximo jogo. Mas deixa também a dica a futuros developers: “criar um portfolio é muito importante, mesmo que sejam com projetos pessoais. E ganha-se muita experiência numa empresa, porque existem muitas pessoas à nossa volta com especializações distintas”.
Destaca ainda que participar em Game Jams e outros projetos servem também para mostrar às empresas, por muito pequenas que sejam, que existe vontade de trabalhar. Mesmo sem trabalhar num projeto AAA, servirá para mostrar a habilidade em trabalhar no Unity ou Unreal. “Ao mesmo tempo que se procura trabalho, deve-se sempre estar ativo e a fazer projetos”.
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