A Meta fechou a CrowdTangle, a ferramenta de análise que ajudava dezenas de milhares de investigadores, jornalistas e a sociedade civil a compreender como a informação se disseminava no Facebook e no Instagram. A ferramenta foi encerrada nesta quarta-feira, enquanto investigadores criticaram o fecho da plataforma a poucas semanas das eleições marcadas para os EUA, Brasil, Austrália.
O CrowdTangle era um recurso “inestimável” para aqueles que estudavam a plataforma da Meta, disse Brandi Geurkink, diretora-executiva da Coligação para a Investigação Tecnológica Independente, ao Engadget. “O facto de o CrowdTangle estar disponível gratuitamente e para uma tão grande variedade de pessoas que trabalham em jornalismo e investigação de interesse público significa que era uma ferramenta inestimável.” O CrowdTangle era utilizado por jornalistas e investigadores “para acompanhar a proliferação de teorias da conspiração e discursos de ódio em tempo real nas redes sociais da Meta”, detalha a AFP, num artigo publicado aquando do anúncio de encerramento da ferramenta, há quatro meses.
Para substituir o CrowdTangle, a Meta disponibilizou um novo conjunto de ferramentas, o Meta Content Library, para dar aos investigadores acesso a dados sobre publicações públicas no Facebook e no Instagram. A Content Library está disponível para as organizações que fazem parte de um programa da Meta para verificação de conteúdo online por terceiros, explica a AFP. Mas, além de não apresentar as mesmas funções que a predecessora, a ferramenta não estará amplamente disponível para organizações jornalísticas, explica a agência noticiosa.
Ao contrário do acesso generalizado ao CrowdTangle, na nova plataforma de “acesso abrangente ao arquivo completo de conteúdos públicos do Facebook e do Instagram”, outros investigadores têm de proceder a uma candidatura detalhada, através do Inter-university Consortium for Political and Social Research (ICPSR), na Universidade do Michigan, e passar por um processo de verificação para poderem aceder aos dados.
São elegíveis “investigadores, afiliados a uma instituição académica ou outra organização, instituto ou organização não-universitária, que atuem como entidades sem fins lucrativos e que tenham a investigação científica ou de interesse público como objetivo principal ou atividade central”, explica a Meta no site da nova ferramenta.
“Num ano em que quase metade da população mundial é chamada a votar, cortar o acesso ao CrowdTangle limitará severamente a monitorização independente destes dados”, disse Melanie Smith, diretora de pesquisa do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês), à AFP.
A Meta adquiriu a CrowdTangle em 2016 e durante anos incentivou jornalistas, investigadores e outros grupos da sociedade civil a utilizarem esses dados. O Facebook deu, inclusive, formação a académicos e redações, e destacou projetos de investigação que se baseavam no conhecimento adquirido através da ferramenta. O CrowdTangle ajudou investigadores a detetar problemas como “interferência estrangeira, assédio online e incitação à violência”.
No entanto, em 2020, ano de eleições nos EUA, a Meta começou a mudar de postura, explica o Engadget. Nessa altura, um repórter do New York Times criou um bot automatizado no Twitter chamado “Facebook Top Ten”, utilizando os dados do CrowdTangle para partilhar as principais páginas do Facebook com base no "engagement". Mas, a Meta argumentou que o engagement (número de vezes que uma publicação recebe gostos, compartilhada ou comentada) não é uma representação precisa do alcance total de uma publicação na rede social. A partir de 2021, a Meta começou a publicar os seus próprios relatórios sobre os conteúdos mais vistos na plataforma.
Já este ano, os executivos da Meta sugeriram que o CrowdTangle nunca se destinou à investigação. “Foi criado com um objetivo completamente diferente”, disse o presidente dos Assuntos Globais da Meta, Nick Clegg.
Um dos críticos da decisão de encerramento do serviço a três meses das eleições norte-americanas foi o próprio fundador do CrowdTangle, Brandon Silverman. O empreendedor explicou que inicialmente o CrowdTangle era uma ferramenta de organização da comunidade, mas que rapidamente se tornou num serviço “para ajudar os editores a compreender o fluxo de informação no Facebook e nas redes sociais de uma forma mais ampla”.
Antes do encerramento da ferramenta, a fundação Mozilla apelou à Meta para manter a plataforma “utilizada por dezenas de milhares de jornalistas, vigilantes e observadores eleitorais para monitorizar a integridade das eleições em todo o mundo” em funcionamento até janeiro de 2025. Numa carta aberta, a fundação Mozilla explicava que o encerramento da ferramenta, pouco antes das eleições nos Estados Unidos, no Brasil e na Austrália e no rescaldo das eleições na Índia, na África do Sul e no México, punha em causa o controlo pré e pós-eleitoral.
Comissão Europeia questiona decisão de encerramento do CrowdTangle
Em comunicado, Bruxelas dá conta de que "enviou hoje à Meta um pedido de informações, ao abrigo da Lei dos Serviços Digitais", pedindo que, na sequência da descontinuação do CrowdTangle na passada quarta-feira, "forneça mais informações sobre as medidas que tomou para cumprir as suas obrigações de dar aos investigadores acesso a dados publicamente acessíveis na interface em linha do Facebook e do Instagram", como exigido pela nova legislação europeia.
Bruxelas questionou também a tecnológica norte-americana sobre "os seus planos para atualizar as suas funcionalidades de monitorização de eleições e discursos cívicos". "Especificamente, a Comissão solicita informações sobre a biblioteca de conteúdos e a interface de programação de aplicações da Meta, incluindo os seus critérios de elegibilidade, o processo de candidatura, os dados a que se pode aceder e as funcionalidades", adianta a Comissão Europeia.
A Meta tem de fornecer as informações solicitadas até 6 de setembro de 2024 e, com base na avaliação das respostas, a Comissão Europeia determinará as próximas etapas, que poderão incluir medidas provisórias e decisões de incumprimento. Em caso de ausência de resposta, a instituição pode emitir um pedido formal através de uma decisão e, dessa forma, aplicar sanções pecuniárias compulsórias, como multas.
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