A Hidra de Lerna é um animal da mitologia grega com corpo de dragão e com várias cabeças de serpente. Rezam as lendas que por cada cabeça cortada voltava a nascer outra no seu lugar, tornando a luta contra o monstro num combate desigual e infindável.

A História tem ensinado que por muitos milhares de anos que passem, o "filme" acaba por se repetir noutros moldes - ainda que no caso da Hidra, tudo se desenvolva num universo fantasioso -, mas isso não invalida que a Hidra sobreviva e se tenha adaptado aos tempos modernos.

Olhar para a pirataria em Portugal é olhar para o animal da mitologia grega: há vários sites de partilha de ficheiros ilegais que são ceifados, mas no seu lugar aparecem novos e em alguns casos o encerramento de uns leva à multiplicação de outras alternativas.

Em Portugal existem elementos que tomam o lugar do também mítico Hércules e que tentam derrubar o monstro feroz que a pirataria tem revelado ser para autores, produtores e editores - pelo menos na perspetiva da ACAPOR e MAPiNET.

"Estamos a falar de roubo. Eles tentam justificar o injustificável". Estas são as sentenças que para o presidente do Movimento Cívico Anti Pirataria na Internet derrubam qualquer argumento que possa ser apresentado pelos gestores dos sites quando esgrimem a defesa contra as acusações informais e jurídicas.

Alguns gestores das páginas piratas estão em desacordo com esta perspetiva. "Custa-me ver muitos sites deste género fecharem, custa-me muito mais ainda ver o meu projeto com mais de dois anos de existência acabar de um dia para o outro, mesmo tendo eu noção que não estou a cometer nenhuma ilegalidade", contou ao TeK uma pessoa ligada à gestão do PiratatugaFilmes.

O alojamento do site em países estrangeiros onde a lei é permissiva, a localização do domínio além fronteiras e com direito a proteção de privacidade, e o argumento de que apenas indicam links e não alojam na realidade os conteúdos pirateados são motivos mais do que suficientes para o PiratatugaFilmes estar confiante de que vai continuar em atividade.

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No caso do site PutFilm, antigo Tuga-Filmes, houve inclusive um advogado que garantiu aos gestores da página que tudo estava legal e que não precisavam de recear a intimação da ACAPOR, que exigia o fecho do site até 19 de março passado. Hoje ainda continua online, mas a equipa sofreu uma redução de 50% com medo de represálias.

Da defesa para o ataque, a equipa do PutFilm contou ao TeK que "é preciso lutar contra este tipo de associações" que "só serve para dar dinheiro aos associados das mesmas, os sites em Portugal apenas reorganizam a informação". "Se alguém tivesse que ser punido", acrescenta o PutFilm, "eram aqueles que distribuem em primeira mão os ficheiros na Internet".

O PDCLINKS também falou ao TeK e partilha o mesmo conceito de não ilegalidade: um agregador de links para uso pessoal e sem fins lucrativos que se encontram de forma livre na Internet, é crime?

Os gestores do PDCLINKS não quiseram envolver-se em questões judiciais mas têm o sentimento de que se o caso fosse para a frente, não daria em nada. Ainda assim, a decisão de fecho do site é irreversível mas consideram "provável" que elementos das comunidades que têm fechado "juntem-se e criem novos projetos".

Uma das pessoas responsável pelo site PiratatugaFilmes considera que as ações da ACAPOR e MAPiNET são lamentáveis e que são feitas de forma "nada limpa", sobretudo no que diz respeito às "ameaças banais aos responsáveis e familiares aos sites de partilha".

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O presidente da ACAPOR, Nuno Pereira, diz que as investigações realizadas aos gestores dos sites são feitas de forma legal e muitas das vezes contemplam dados que são encontrados em perfis de redes sociais disponíveis para toda a Web. "Por vezes é o simples descuido que os identifica e noutros casos vão deixando um grande rasto na Internet", contou ao TeK o líder da associação.

Esta é a mesma estratégia usada pelo MAPiNET, que conta ainda com o apoio de várias denúncias anónimas de internautas portugueses que vêem nas ações das associações que representam os autores e editores uma luta justa contra o roubo da propriedade alheia.

As duas entidades voltam a ter um ponto em comum: ambas consideram que as suas ações vão além das obrigações e que o Estado português e secretaria de Estado da cultura continuam demasiado à margem do problema da pirataria. Nuno Pereira e Paulo Santos partilham da opinião que se as autoridades quisessem a identificação de gestores e o fecho de sites de partilha, esta era uma missão facilmente alcançável.

A ACAPOR refere ainda que os contactos que realiza aos sites e aos gestores dos mesmos são feitos num sentido "pedagógico" e o simples facto de ficarem offline já é suficiente. O MAPiNET também preferia uma solução mais pacífica e diz que ao contrário do que tem sido acusada, "nada tem contra a liberdade, mas sim contra o mau uso da mesma".

O entendimento entre os "Hércules" e a Hidra parece para já fora de questão. Enquanto as diferentes perspetivas vão amealhando apoiantes de um lado e do outro, as cabeças da serpente vão tombando e nascendo quase ao mesmo ritmo que as cartas com intimações do MAPiNET e da ACAPOR vão sendo enviadas.

Sites de partilha de ficheiros ilegais há muitos e só a ação de um deus com poder e soberania - o Estado português e as respetivas tutelas - pode resfriar de forma significativa os ânimos que têm andado exaltados.


Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico