A identificação digital foi o tema de um workshop promovido pela APDC - Associação Portuguesa das Comunicações que reuniu intervenções sobre o panorama nacional, ao nível da legislação e das intenções do Governo, e perspectivas internacionais.




José Manuel Valença, professor da Universidade do Minho, um dos oradores do evento, apresentou um modelo que vem desenhando para suportar um projecto deste tipo, que procura contornar as questões que fazem bloquear a generalidade dos projectos nesta área e que se prendem com a possibilidade de um acesso pouco selectivo aos dados do cidadão. A generalidade dos projectos em desenvolvimento implica a centralização de dados numa super base de dados, que identifica o cidadão com um único número, de acordo com os modelos em desenvolvimento.




O modelo desenhado por este professor, e já do conhecimento do Governo, bebe nas experiências internacionais para tentar contornar os principais receios suscitados pelo modelo tradicional, o acesso indiscriminado dos serviços públicos a todos os elementos da personalidade jurídica do cidadão e a sua classificação com um simples número.




Porque esta é uma ideia associada ao Cartão Único e à criação de uma entidade digital, que permita ao cidadão identificar-se e assinar, o professor frisou a importância de desenvolver esforços intensos de informação ao cidadão sobre as suas garantias e direitos, perante a introdução de um Cartão Único, pois considera que as dúvidas da opinião pública poderão matar qualquer iniciativa neste sentido. José Valença lembrou que desde 1974 que existem projectos para utilização de smart cards pelos Governos, que na sua maioria ficaram pelo caminho. O exemplo mais recente da controvérsia levantada por um projecto deste tipo vive-se no Reino Unido.




No seu modelo, o professor propõe um cartão que ao invés de transportar toda a informação relevante do cidadão, na sua relação com a Administração Pública, "tenha um conteúdo constituído por chaves criptográficas, o que não permite reconstituir a personalidade jurídica do cidadão".




Neste modelo o Cartão Único não disponibiliza quaisquer dados pessoais, mas apresenta-se como uma porta de entrada para a Administração Pública que guarda apontadores para as bases de dados dos serviços que o cidadão procura. Na presença destes apontadores cada serviço, de forma independente, consegue decifrar determinado utilizador sem ter acesso a dados que não precisa. Tendo em conta estas características o "cartão pode mesmo ser desmaterializado e usadas cópias de autentificação", explicou o professor.





"Não é necessário atribuir um número único ao cidadão", garante José Valença, acrescentando que o conteúdo electrónico do cartão é basicamente constituído por duas chaves principais, que permitem a assinatura electrónica e a identificação. "O princípio da independência institucional que o cartão deve garantir faz com que possa ser usado para fins públicos e privados", frisa também o professor.




Recorde-se que o programa do Governo prevê um piloto de Cartão Único já no próximo ano. Para operacionalizar a medida seriam necessárias alterações à legislação que viessem a permitir a atribuição de um número único ao cidadão - pois caso o Governo decidisse optar pelo modelo escolhido em vários países (nórdicos, por exemplo) a legislação actual não o permite - e a combinação de dados sensíveis e não sensíveis num mesmo cartão, acedido por vários serviços da administração Pública, defendeu no encontro o advogado Fernando Resina da Silva. O mesmo responsável considerou, no entanto, que um modelo como o apresentado pelo professor universitário seria mais simples de implementar, do ponto de vista das alterações à legislação, que seriam menores.




O professor explicou ainda que a implementação do seu modelo implicaria a criação de autoridades certificadoras destes certificados de cidadania, uma autoridade emissora e uma outra reguladora.




José Valença vê a operacionalização do seu modelo num piloto que envolva os principais órgãos da Administração Pública de uma determinada região, que pode aproveitar o seu projecto de Cidades e Regiões Digitais para desenvolver o teste. O professor considera que este período deverá servir para iniciar a integração de serviços, testar interoperabilidade, montar um sistema de emissão e distribuição de certificados de cidadania, testar formas de recolher a informação necessária ao cartão e criar um serviço de help desk para o cidadão. A acompanhar o piloto deverá estar um esforço intenso para informar as populações e eliminar os seus receios relativamente à centralização de dados, frisou.




Tanto quanto se sabe, o Governo não tomou ainda uma decisão sobre o modelo de suporte ao piloto previsto para 2006. O professor confirmou, no entanto, que o seu modelo já foi ouvido por alguns membros da equipa de José Sócrates.



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