Será que, mesmo com toda a digitalização acelerada pela pandemia, os bancos tradicionais vão perder a sua relevância num panorama onde existem soluções tecnológicas cada vez mais apelativas, em especial, às camadas mais jovens da sociedade? A questão esteve no centro do debate que reuniu responsáveis da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Santander e Millennium BCP na edição de 2021 do Building the Future que o SAPO TEK está a acompanhar.

Maria José Campos, Executive Board Member e Chief Operating Officer (COO) no Millennium BCP afirma que o setor bancário tem de ser pragmático. “Nós vemos as big tech com movimentos já muito reais e com parcerias com bancos e que escolhem ocupar um lugar B2B. Este é um negócio de baixas margens, de grande escalabilidade e um modelo que privilegia muita eficiência”, explica, acrescentando ainda que este caminho não será “decerto viável para um banco de média dimensão”.

É verdade que as big tech têm vantagens, como a questão do open banking, mas a reponsável acredita que os bancos vão poder manter um modelo de relação direta com os clientes num espaço digital e que o mesmo “pode ser mais forte do que é hoje” se focarem as suas atenções em ações que tragam mais valor para a vida das pessoas. Começar a ver todos os processos do ponto de vista do cliente é essencial para o setor, embora Maria José Campos indique que ainda haja um longo caminho a percorrer.

Building the Future 2021
Maria João Carioca (CGD), Maria José Campos (Millennium BCP) e Isabel Guerreiro (Santander) na sessão “(Ban)Queen's gambit”, moderada por Catarina Cardoso (Diretora-Geral da Associação Portuguesa de Bancos).

Um banco tradicional pode oferecer o mesmo que os players digitais? De acordo com Isabel Guerreiro, a escolha de criar a partir do zero soluções totalmente digitais relaciona-se com a sua agilidade, a qual torna processos de experimentação mais rápidos e mais acessíveis a nível dos custos.  É por este motivo que, por vezes, os bancos precisam de criar soluções autónomas que permitam adquirir esta inovação “fundamental para a evolução do modelo de negócios”.

Mas, a responsável do Santander afirma que, aqui, a questão que se coloca nem é tanto servir os clientes que não optariam por definição pela banca tradicional. “[Os clientes] querem ser servidos de uma forma digital”, assim “o futuro pertence aos bancos que sejam capazes de misturar a agilidade e esta nova forma de olhar para os assuntos” própria dos ditos “nativos digitais”, mas que tenha todo o conhecimento e experiência da base de clientes que o banco tradicional tem. “Esta mistura será a chave do sucesso”.

Como avançaram os bancos por entre os desafios da pandemia?

Segundo Maria João Carioca, Executive Board Member da CGD, além das alterações relacionadas com a adaptação ao “novo normal” e às realidades do trabalho à distância, um dos principais desafios que o banco enfrentou com o prolongar da pandemia foi o “keeping the lights on”, pois os planos de negócio não estavam a prever que a crise de saúde pública se estendesse tanto. No entanto, a responsável afirma a situação está a ser superada, permitindo manter o banco a funcionar e, através da transformação digital, “acelerar um conjunto de operações vistas como o futuro da banca”.

Em linha com a responsável da CGD, Maria José Campos realça ainda que, ao contrário do que aconteceu em outras crises no passado, “os bancos fizeram parte da solução”, demonstrando que podem estar do lado dos clientes mesmo à distância e com soluções digitais preparadas para dar resposta às novas necessidades e a uma maior adesão.

No caso do Millennium BCP, o banco que já tinha registado um crescimento acima dos 35% no âmbito do digital, uma marca que voltou a ser superada, inclusive nas faixas etárias mais difíceis de fazer este arranque, acima dos 65 anos”.

Os resultados de aproximação entre o banco e os clientes estão a ser positivos, tendo em conta os indicadores de utilização digital, e afirmam-se como um “ótimo ponto de partida”, nas palavras da responsável, para a “corrida” que vai ter de ser feita no pós-pandemia.

Para a COO, a pandemia também veio fazer sobressair a resiliência do setor bancário. Por exemplo, num espaço de semanas, o Millennium BCP conseguiu por milhares de colaboradores a trabalhar em casa, em modelos de trabalho onde existiam anteriormente experiências muito localizadas e que passaram para a generalidade dos serviços centrais, sem esquecer a cibersegurança de toda a operação.

Mesmo com as desvantagens do contexto da pandemia, foi possível constatar um novo ritmo mais rápido e ágil nas operações. Através do digital, “notámos um novo standard de velocidade, mesmo estando a trabalhar no modelo remoto”, enfatiza, acrescentando que vai mesmo ficar patente para todo o setor bancário.

Segundo Isabel Guerreiro, a pandemia permitiu mesmo colocar o pé no acelerador da transformação digital da banca, desbloqueando um conjunto de obstáculos, assim como de possibilidades que só estavam previstas para os próximos anos.

Do lado do Santander, ocorreram três alterações fundamentais num espaço de semanas: uma adoção massiva dos canais digitais, com níveis acima dos 50%; um ponto de inflexão para a adoção dos pagamentos digitais e contactless; e, do ponto de vista interno, uma forte digitalização da workforce.

A Head of Digital Europe do banco realça que uma grande alteração interna a nível cultural, porque a pandemia “removeu as barreiras típicas à transformação [digital]”, com “a capacidade de fazer mais e mais depressa” a ser revelada.

O SAPO TEK está a acompanhar o Building the Future e pode ver outras notícias da conferência aqui.

Nota da redação: A notícia foi atualizada com uma correção em relação à função desempenhada por Maria José Campos no Millennium BCP.