A idade é um número, mas é também a soma de todas as experiências e a Quidgest é um bom exemplo de como uma empresa tecnológica que nasceu ainda no tempo das disquetes e do sistema operativo MS-DOS soube “surfar” as várias ondas da tecnologia e preservar o foco na sua missão, mantendo-se 100% portuguesa mas trabalhando de Portugal para o Mundo.

A assinalar por estes dias os 37 anos, depois de ter fixado a data de aniversário a 10 de maio para “resolver” a questão de um acerto de dias entre o registo e o início da atividade, a Quidgest conta com mais de 100 pessoas e mantém na liderança os fundadores, que continuam na empresa. Criada em 1988, tem resistido à onda de fusões e aquisições de tecnológicas portuguesas dos últimos tempos, e de que são exemplos recentes a PHC e a Claranet.

Cristina Marinhas e o João Paulo Carvalho partilharam, em entrevista ao SAPO TEK, memórias dos primeiros tempos da Quidgest, que nasceu “incubada” no escritório de uns amigos quando ainda não se falava em startups. “O contexto em que criámos a Quidgest é semelhante à de outras tecnológicas que nasceram nos anos 80 e que são referência”, explica João Paulo Carvalho, Co-fundador e Senior Partner. Na altura ainda a Internet era uma rede reservada aos académicos e os primeiros computadores usados para desenvolver as soluções de gestão eram Amstrad, como recorda Cristina Marinhas, CEO da Quidgest e também co-fundadora.

Veja algumas das imagens dos 37 anos da empresa

A aposta na tecnologia de geração automática de software através de inteligência artificial generativa, com a plataforma Genio, e no talento dos seus colaboradores fazem parte dos ingredientes de sucesso da empresa, e da fórmula para a longevidade. “Conseguimos ultrapassar sucessivos choques tecnológicos e continuar a ser uma empresa competitiva, pioneira em várias áreas e capaz de oferecer serviços de elevada qualidade e valor aos nossos clientes”, destaca João Paulo Carvalho que recorda a visão de antecipar as ondas de transformação do low-code, aplicações web, transformação digital e Inteligência Artificial Generativa.

“Algumas tendências conseguimos prever com muita antecedência, o que nem sempre é valorizado pelo mercado, realça João Paulo Carvalho. “Gostava de dizer que temos um reconhecimento especial por termos apostado desde cedo na Inteligência Artificial mas isso só é valorizado por quem nos acompanha há muito tempo”

Independência e aposta na visão de negócio

Manter-se 100% portuguesa, independente e com domínio total sobre a estratégia e a tecnologia desde o início, é quase uma singularidade no mundo da tecnologia em Portugal.  A Quidgest nunca foi vendida, absorvida ou integrada em grupos económicos, e não é por falta de propostas.

Cristina Marinhas conta como a empresa foi sempre conseguindo capitalizar-se e reinvestir os lucros para crescer e sustentar o desenvolvimento da I&D, sem nunca “dar um passo maior do que a perna”. O núcleo de acionistas trabalha na empresa e não é remunerado pelo capital, mas sim pelo seu trabalho, e a Quidgest nunca recorreu a investimento externo.

Em 37 anos os co-fundadores admitem que houve períodos de maior crescimento e outros de algum abrandamento, como aconteceu durante a pandemia de COVID-19, mas este ano a expectativa é que as receitas se fixem entre os 12 e os 15 milhões de euros, um intervalo pensado para “acomodar” alguns projetos que estão em perspetiva. “É um intervalo grande, mas os nossos projetos são de grande valor e complexidade, por isso basta um ou dois para cair na parte inferior ou superior deste intervalo”, explicam.

Numa altura em que algumas tecnológicas portuguesas que ainda se mantinham independentes acabaram por ser compradas, e fundidas em empresas internacionais a Quidgest resiste, orgulhosamente independente. E por isso tem uma história que é diferente da PHC que este ano integrou a Cegid, que já tinha comprado a o Grupo Primavera, ou a Claranet Portugal que foi integrada na NOS, ou a Bold e a Singularity compradas pela Devoteam.

“Somos abordados com frequência” admite João Paulo Carvalho, mas até agora o tipo de investimento e propostas não foram aliciantes. “Estamos bem assim”, defende Cristina Marinhas, sublinhando porém que as propostas são sempre avaliadas. E o que seria necessário para uma proposta irrecusável? O alinhamento com a visão de futuro da tecnologia e das equipas são dois elementos destacados.

Na análise da evolução do mercado português, o Co-fundador e Senior Partner reconhece que o cenário das empresas tecnológicas em Portugal evolui entre dois grupos, as que têm produtos próprios e as empresas de serviços, e alerta para o risco de uma redução do papel de Portugal como centro de desenvolvimento de tecnologia e inovação. “na Europa temos de pensar em investir nas áreas que dão retorno”, sublinha, avisando que apesar de defender uma valorização e apoio ao que é nacional não é adepto do protecionismo.

Team Building da Quidgest
Team Building da Quidgest créditos: Quidgest

A tecnologia portuguesa compete muitas vezes em situações desfavoráveis”, admite, destacando que “precisamos de igualdade de oportunidades”. Para João Paulo Carvalho, “somos competitivos a nível mundial e temos a capacidade de desenvolvimento e a adaptação a novas tecnologias” mas muitas vezes as soluções nacionais acabam por ser preteridas face a outras plataformas internacionais, e excluídas à partida em concursos públicos.

Há muito que o mercado natural da Quidgest não se centra em Portugal e a empresa tem desenvolvido projetos nos quatro continentes, com países como a Alemanha, Jamaica, Angola, São Tomé ou Timor-Leste, entre outros. Em alguns chegou a ter escritórios mas trabalha também num modelo de parcerias para transferência de conhecimento.

A Inteligência Artificial generativa híbrida e o impacto no desenvolvimento de código

Os dois entrevistados reconhecem o papel que a aposta da Quidgest na modulação e geração automática de código teve no desenvolvimento da empresa. A plataforma Genio começou a ser desenvolvida no início dos anos 90 e destacou-se pelo conceito de modulação e da tecnologia de inteligência artificial. Ainda muito antes do atual interesse pela IA generativa, a plataforma já aplicava os conceitos e João Paulo Carvalho realça a importância da IA Generativa híbrida, que segue regras de negócio que evitam as temidas alucinações dos modelos.

“Estamos constantemente a focar a IA Generativa e híbrida, por oposição ao Machine Learning, com a combinação dos modelos neuronais e simbólicos”, explica João Paulo Carvalho, com a utilização de padrões que permitem acelerar o desenvolvimento das soluções.

Esse é um elemento distintivo da plataforma Genio face a outras plataformas de desenvolvimento de low-code ou no-code, e o co-fundador sublinha que permite o desenvolvimento software de forma muito mais barata e rápida do que os assistentes de código de IA. “Pelas nossas contas, para validar o código desenvolvido pelos assistentes de código, com verificação humana, não são suficientes 6 iterações até ter o código correto”, destaca, lembrando que há um limite para o que se pode fazer com o GPT, circunscrito a blocos de 128k.

Os custos são uma variável também importante nesta avaliação, sendo que João Paulo Carvalho defende que o Genio consegue ser 10 vezes mais rápido. “Em um mês gerámos 1,7 terabytes de código e o custo de o fazer no modelo mais eficiente era de 12,8 milhões de dólares, mesmo que fosse gerado só de uma vez”, afirma.

E como vê a evolução da tecnologia de IA Generativa com os saltos que tem dado desde o anúncio do ChatGPT da OpenAI? “Estamos preparados para evoluir para o futuro e aproveitar a IA Generativa que não é uma ameaça […] estamos prontos para integrar as novas tecnologias nos nossos processos”, sublinha João Paulo Carvalho.

Confiança para o futuro

Para além da plataforma Genio, a Quidgest também está preparada para o futuro, mesmo que isso não passe pela continuidade dos fundadores na empresa. O potencial visto com a IA e a capacidade da empresa “surfar” as várias ondas tecnológicas, traz confiança na evolução do negócio mesmo com os desafios macro económicos e geopolíticos a que as empresas estão sujeitas, incluindo a guerra de taxas entre a Europa e os Estados Unidos.

Na entrevista os dois fundadores da empresa apontam o reconhecimento dos clientes e os projetos que desenvolve como um bom exemplo de que a aposta na tecnologia e modelo de negócio é acertada, mas avisam para a importância de fazer uma reflexão estratégica sobre a forma como o sector está a evoluir e a sustentabilidade que é importante para manter a Europa competitiva, um tema que será abordado em setembro na conferência anual Q-day.

Questionado pelo SAPO TEK em relação a um futuro sem os fundadores para a Quidgest, João Paulo Carvalho mostra confiança para e garante que “a empresa não são os fundadores, são as pessoas que cá trabalham”.

“Apesar da muita diversidade das soluções que temos e dos clientes de referência, a empresa funciona com unidades de negócio com autonomia, o que nos permite atingir os elevados patamares de faturação e uma presença global”, destaca.

A Quidgest está capitalizada, tem competências e uma estrutura que funciona, o futuro não está minimamente condicionado pela capacidade financeira ou propriedade intelectual”, realça o co-fundador.