Um ano depois de se tornar numa das moedas oficiais de El Salvador, a Bitcoin não conseguiu alimentar, na medida da expectativa, os planos otimistas do Governo do país. Não há dados oficiais sobre a utilização no país da moeda oficial, mas os números que alguns organismos internacionais têm conseguido apurar revelam pouca adesão.
As mudanças na localidade pensada para ser a primeira cidade do mundo com uma economia dinamizada pela criptomoeda, apoiada num regime fiscal diferenciado para empresas daquela área, também são poucas. Como constata uma reportagem da Reuters que esteve no local, há pouco mais que algumas novas lojas locais instaladas junto à praia, à espera do turismo que devia ter crescido.
A vila na costa do pacifico, à beira do vulcão Conchagua, devia já ter entrado em obras profundas para a construção de um aeroporto e outras infraestruturas que permitissem acolher as novas empresas e negócios que viessem a fixar-se na cidade, mas ainda não há obras em curso.
O facto da bitcoin ter perdido mais de metade do seu valor, face à cotação mais alta do último ano (passando de 47 mil dólares para os atuais 19 mil dólares) não tem ajudado à concretização do sonho do presidente Nayib Bukele, que viu na moeda digital uma oportunidade para dinamizar o investimento no país, fomentar as transferências dos emigrantes e atrair turismo.
O Governo, que investiu milhões na moeda, continua a sublinhar que este é um investimento a longo prazo e garante que o plano já atraiu investidores, reduziu comissões bancárias a zero e promoveu a inclusão financeira.
A introdução do bitcoin como moeda oficial trazia a expectativa de aumentar o valor das remessas de dinheiro dos emigrantes para o país, que através do sistema bancário normal são altamente taxadas. Estas remessas são uma componente importante da economia local e representam mais de um quarto do PIB de El Salvador.
Dados do banco central de El Salvador revelam que entre setembro de 2021 e junho de 2022 só 2% dos 6,4 mil milhões de dólares, que entraram no país desta forma foram transferidos a partir de carteiras digitais.
Os números de várias entidades internacionais mostram mais algumas coisas, entre elas, que o país aumentou ainda mais o risco de incumprimento e dívida externa e está a financiar-se a preços mais elevados. A compra de mais de 2.000 bitcoins a valores muito superiores aos atuais terá o seu impacto na avaliação de risco do país.
Um estudo do National Bureau of Economic Research, dos Estados Unidos, confirmou também que só 20% dos salvadorenhos que descarregaram a aplicação da carteira digital criada pelo Governo (Chivo) continuaram a usá-la, depois de gastar o crédito de 30 dólares que o Governo deu a cada pessoa que aderisse à digital wallet.
Os mesmos dados indicam que o número de downloads da aplicação em 2022 é residual e que, mesmo no ano passado, a maioria ocorreu no mês em que foi lançado o projeto, setembro. O mesmo relatório sublinhou que a bitcoin não é usada de forma significativa porque as pessoas "não a compreendem, não confiam nela, não é aceite pelas empresas, é muito volátil e envolve taxas elevadas".
Esta conclusão contraria o que determina a própria lei local, que prevê a aceitação de pagamentos em bitcoin em qualquer ramo de serviços. Mas os 1.800 inquiridos no estudo dizem que o número de lojas que aceitam a moeda rondará os 20%.
Entre aqueles que aceitam pagamentos com bitcoin, a adesão também parece ser residual, a avaliar pela experiência do comerciante de rua com quem a Reuters falou nesta reportagem. O lojista registou apenas duas vendas em bitcoins desde setembro do ano passado, que somaram um valor equivalente a 8 dólares.
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