
Por Miguel Oliveira (*)
Desde as origens da civilização, certas matérias-primas definiram o poder económico e a soberania das nações. O ouro moldou impérios, o petróleo alimentou revoluções industriais e a eletricidade impulsionou o desenvolvimento tecnológico do século XX. Agora, na era digital, a Inteligência Artificial (IA) surge como o recurso essencial que determinará o futuro das nações.
A Europa, historicamente pioneira em inovação científica, enfrenta um momento crítico: precisa reconhecer a IA como um bem estratégico e posicionar-se de forma autónoma nesta nova revolução industrial. Mais do que um avanço tecnológico, a IA deve ser vista como uma matéria-prima, a infraestrutura fundamental sobre a qual se construirão os processos vitais da economia e da sociedade.
Tal como o petróleo abasteceu a industrialização e a eletricidade permitiu a expansão das telecomunicações e da indústria moderna, a IA está destinada a ser a espinha dorsal dos setores estratégicos do futuro: saúde, educação, segurança, defesa e economia digital. Esta nova fase não se trata apenas de automatizar tarefas, mas de reestruturar a forma como tomamos decisões, gerimos informação e criamos valor económico.
Os países que controlam a IA não detêm apenas poder económico, mas também definem as regras do jogo da economia global. O monopólio da Big Tech americana e a ascensão das empresas chinesas são exemplos claros de como a IA se tornou uma ferramenta geopolítica. A Europa, se quiser manter sua soberania tecnológica, precisa investir maciçamente no desenvolvimento de modelos próprios, infraestrutura computacional e regulação que favoreça o crescimento interno.
Os novos modelos de IA, como o GPT-4o, o DeepSeek e outros já não se limitam a gerar respostas com base em padrões estatísticos. Eles começam a incorporar processos mais sofisticados de raciocínio, próximos do que Daniel Kahneman descreveu como "Sistema 2": mais analítico, mais reflexivo e menos propenso a erros impulsivos. Mas essa evolução tem um custo: exige mais capacidade de processamento e, consequentemente, mais tokens para sustentar tempos de raciocínio mais longos.
Sem uma produção maciça, própria e independente de tokens, a Europa continuará dependente de terceiros para alimentar estes modelos, comprometendo a sua capacidade de desenvolver sistemas de IA que sejam mais precisos, menos propensos a alucinações e alinhados com os seus valores e prioridades estratégicas. Produzir tokens não é apenas uma questão técnica, mas sim uma necessidade fundamental para garantir autonomia e competitividade neste novo cenário tecnológico.
A Europa precisa ainda de garantir que a IA que desenvolve esteja alinhada com os seus princípios e valores. A regulamentação da União Europeia (EU) sobre IA já dá um passo nesse sentido, ao enfatizar transparência, responsabilidade e direitos humanos. No entanto, é essencial que a Europa não apenas regule, mas também lidere a inovação, promovendo um ecossistema robusto de investigação e desenvolvimento, capaz de gerar avanços e conhecimento científico que beneficie todos.
Não podemos cair na armadilha de uma regulação excessiva que sufoque a sua própria capacidade de avanço. A regulação deve caminhar lado a lado com a inovação. Um olhar excessivamente restritivo pode minar o nosso desenvolvimento tecnológico e deixar o continente ainda mais dependente de soluções estrangeiras. A aposta deve ser na regulação inteligente, que equilibre proteção e crescimento, garantindo que a IA se desenvolva de forma responsável sem comprometer a competitividade global.
Ouro, petróleo, eletricidade. Cada uma destas matérias-primas moldou uma era. Agora, é a vez da Inteligência Artificial. A diferença é que, desta vez, não basta extrair ou comprar o recurso: é preciso desenvolvê-lo, refiná-lo e garantir que seja utilizado segundo os valores que queremos preservar.
A Europa tem o talento, a história e a responsabilidade de liderar esta transformação. O desafio é tanto técnico, como económico, como civilizacional. O caminho que tomarmos agora definirá se seremos meros consumidores da revolução da IA ou os arquitetos do futuro digital.
(*) Coordenador do Programa PsicologIA na Transformação Social da Ordem dos Psicólogos Portugueses
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