http://imgs.sapo.pt/gfx/218584.gifAna Paiva e Marco Vala integram o grupo de investigadores portugueses do INESC-ID, através do GAIPS (Grupo de Agentes Inteligentes e Personagens Sintéticas), que lideraram um dos mais ambiciosos projectos de computação afectiva realizado a nível europeu e mesmo mundial. Tiveram a seu cargo a gestão de um grupo de sete, para em dois anos e meio tentarem colocar o tema no mapa de investigação da Europa.

O projecto Safira materializou esse desejo. O que se pretendeu foi olhar a computação afectiva de várias perspectivas abarcando não só os personagens sintéticos 3D e a forma de os tornar mais credíveis do ponto de vista emocional, mas também numa perspectiva dos interfaces. Em poucas palavras tentou-se perceber até que ponto as emoções são importantes no processo de raciocínio destas personagens, da forma como eles observam a informação que se passa no mundo virtual, lidam ela e a transformam em coisas visíveis para os utilizadores.

Uma das aplicações desenvolvidas no âmbito do projecto foi o jogo FantasyA. Este permite que o utilizador interaja com os personagens através de um boneco(o Sentoy).




Na próxima terça feira realiza-se no campus do IST no Tagus Park a apresentação oficial do Safira, mas o TeK antecipou esta mostra com a entrevista aos responsáveis do projecto.


TeK: De que forma podemos definir computação afectiva e quais são os seus objectivos?

Ana Paiva/Marco Vala:
A computação afectiva tem como objectivo dotar os computadores de capacidades muito próprias dos humanos. Tem a ver com uma selecção de acções mais inteligente que uma simples procura, baseadas em emoções. Procuramos inspirar-nos na forma como nós humanos funcionamos e tomamos decisões, criando algoritmos computacionais que se baseiam nessa faceta. Isto atalha a linha de inteligência artificial, uma área muito vocacionada para a racionalidade, para tornar algoritmos racionais.

Com os desenvolvimentos da neurociência, em que se mostra que o aspecto emocional dos humanos é extremamente importante, começou-se a olhar para a forma como este tipo de selecção de mecanismos pode também influenciar a forma como nós construímos programas. A computação afectiva lida com isso. Tenta olhar para as emoções na construção de sistemas computacionais, inspirada na forma como nós humanos tomamos decisões e a forma como interagimos com a máquina.




TeK:O que motivou o projecto Safira?

A.P./M.V.:
Divulgar o tema da computação afectiva no contexto da investigação europeia foi um dos nossos principais objectivos. Esta é uma questão recente, do ponto vista da investigação na área da informática, a nível mundial.
Sobretudo a partir de 1997 começaram a desenvolver-se alguns trabalhos nesta área nos Estados Unidos e em pequenos focos na União Europeia, mas não havia uma investigação de fundo que lidasse com o tema.




TeK: Foi o primeiro projecto desta área realizado no âmbito da Comissão Europeia?

A.P./M.V.:
Sim, de facto o Safira surgiu numa altura em que não existia ainda nenhum grande projecto nesta área, dentro da Comissão Europeia acabando por decorrer dentro do 5º Programa Quadro, mesmo não sendo um projecto com uma forte componente empresarial.
Todos os parceiros são de investigação e o seu objectivo máximo era de facto colocar a computação afectiva no mapa da Europa, em termos de investigação.




TeK: Quantos parceiros reuniu o Safira?

A.P./M.V.:
Um total de sete parceiros o INESC-ID (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores), a ADETTI (Associação para o Desenvolvimento das Telecomunicações e Técnicas da Informática) , o DFKI (Centro de Inteligência Articificial), o FhG, o ICSTM (Imperial College of London), o ÖFAI (Instituto Austríaco de Inteligência Artificial) e o SICS (Instituto Sueco de Ciências da Computação)




TeK: Que metas foram traçadas?

A.P./M.V.:
Um projecto desta envergadura obrigou a que fossem traçadas metas largas. Tendo como base esse objectivo olhámos para os personagens sintéticos e procurámos uma forma de os tornar mais credíveis, do ponto de vista emocional. No fundo procurámos uma abordagem da computação afectiva sob várias perspectivas: dos interfaces e do ponto de vista das personagens sintéticas - o facto de estas serem emocionais, terem expressões. Em última análise tentámos perceber até que ponto as emoções são importantes no processo de raciocínio das personagens, da forma como eles observam a informação que se passa no mundo virtual, lidam ela e a transformam em coisas visíveis para nós utilizadores.




http://imgs.sapo.pt/gfx/218585.gifTeK: E de forma tentaram realizar esse trabalho?

A.P./M.V.:
Para o INESC o trabalho fez-se a dois níveis: na vertente de interacção do utilizador com uma aplicação, neste caso através do FantasyA - um jogo de computador desenvolvido para o projecto onde a interacção (com os personagens sintéticos) não é uma interacção directa, já que a única coisa que o utilizador consegue fazer é mudar, através do SenToy (um boneco recheado de componentes electrónicos que permite transportar para o jogo o toque do utilizador)[na imagem], o seu estado emocional. Tentámos também perceber até que ponto, caso o personagem fosse autónomo e decidisse ele próprio as acções que iria realizar, esse tempo de interacção não seria interessante e não tornaria o jogo, desta perspectiva, mais interessante.




TeK: Quais os objectivos do jogo?

A.P./M.V.:
Tentámos fazer com que utilizador se identificasse com o jogo e com o boneco (SenToy), identificando-se também com o personagem. Para isto funcionar é necessário que o utilizador também consiga perceber o que se está a passar no ecrã e que tipo de emoções o seu Avatar (personagem sintético) está a sentir. Isto introduz uma nova componente do projecto a expressão de emoções nos personagens sintéticos. Não só o utilizador tenta influenciar o personagem como terá também de perceber o que se está a passar no jogo. Que reacções autónomas este personagem vai tendo e de que forma, influenciando o personagem para uma ou outra emoção fazendo evoluir do jogo, isto redunda em determinado tipo de acções, importantes para controlar o jogo e atingir os objectivos pretendidos.




TeK: Que resultados foi possível obter com este trabalho?

A.P./M.V.:
Foi criada uma plataforma que permite, por exemplo, ajudar uma empresa a construir uma aplicação afectiva. Essa plataforma tem várias componentes que ajudam na construção da tal aplicação afectiva.




TeK: É possível aplicar os resultados noutras áreas?

A.P./M.V.:
Usando esta plataforma foram também criadas várias aplicações (como o jogo FantasyA). Fizemos outra aplicação na área da arte interactiva e uma outra na área do comércio electrónico: quando queremos vender algo o aspecto emocional também é importante e o nosso personagem ajusta-se ao estado emocional dos utilizadores.




TeK: Já explicaram que a investigação foi o principal propósito do Safira mas é legitimo pensar que alguns dos resultados poderão ser comercializados?

A.P./M.V.:
A utilização de arte já foi testada por uma grande quantidade de utilizadores com grande sucesso. Ao nível do jogo, embora não tenhamos para já intenções de o vender acreditamos que poderá vir a ser comercializado. A ideia do boneco foi muito bem sucedida. Temos feito várias demonstrações e de facto a aceitação tem sido muito boa. No caso do jogo, em si, embora os jogadores tivessem gostado muito de o jogar, notámos que muitas coisas não eram entendidas, pelo que uma aplicação prática teria de contemplar algumas alterações.




TeK: Quantas pessoas já tiveram contacto com o jogo?

A.P./M.V.:
Na fase final testaram este jogo trinta pessoas embora o grupo, numa fase posterior já o tenha levado Suécia, Dinamarca, Portugal e Canadá, sempre com demonstrações práticas.




TeK: Mas gostariam de concretizar esse objectivo?

A.P./M.V.:
Gostariamos mas se olharmos para o panorama mundial verificamos que a indústria dos jogos é já mais lucrativa que a indústria do cinema. É uma parada muito alta. Para se conseguir entrar neste tipo de jogo é preciso lutar com outras armas. É também uma área onde as editoras já têm muita força e muitos dos projectos, que na sua génese até são ideias interessantes, por não encontrarem o parceiro certo acabam por morrer à nascença. De qualquer forma o grupo acredita que daqui a alguns anos o público em geral estará mais preparado para este tipo de jogos e nessa altura poderão surgir novas oportunidades.




TeK: Mas, já existem já aplicações práticas da tecnologia desenvolvida no Safira?

A.P./M.V.:
A Autor está a actualizar a tecnologia num outro projecto comunitário, também financiado pela CE, o Victec. Acreditamos que a tecnologia de base pode ser utilizada num vasto número de aplicações. Já o jogo exigiria uma componente de trabalho bastante grande para que pudesse avançar para o mercado. Está nos nossos horizontes a médio/longo prazo mas seria necessário investir bastante.




TeK: Em que consiste este projecto da Autor?

A.P./M.V.:
Este projecto também usa personagens sintéticos mas trata-se de um software para lidar com situações de agressão e problemas de comportamento nas escolas. Tem como objectivo fazer com que estas crianças percebam o que é um comportamento aceitável para uma escola. Tem muito a ver com a noção de empatia. Pretende fazer com que os utilizadores/crianças criem uma certa empatia com os personagens. É uma história, interactiva, composta por crianças agressoras e vítimas e o papel do utilizador tenta ajudar a vítima ao longo da história. O que se pretende é que estas crianças vítimas de agressão compreendam o que têm de fazer numa situação idêntica.




TeK: O INESC apresentou novas propostas à Comissão no mesmo âmbito do Safira?

A.P./M.V.:
Fizemos uma proposta para um projecto de grande dimensão onde estavamos com a British Telecom e outros parceiros de peso, um projecto do tipo Integrated. Infelizmente não foi aprovado, ficou no primeiro lugar da reserve list. Para já estamos apenas (no âmbito do 6ºPQ) numa rede de excelência, também na área da computação efectiva.

Cristina Alexandra Ferreira