José Valverde, diretor executivo da AGEFE - Associação Empresarial dos Sectores Eléctrico, Electrodoméstico, Fotográfico e Electrónico - falou ao TeK. A associação não foi consultada pelo partido Socialista para o desenho do projeto de Lei sobre a cópia privada apresentado pela mão da ex-ministra da cultura Gabriela Canavilhas, mas apresenta argumentos fortes para pedir uma visão diferente do problema.



A AGEFE alerta para os impactos negativos que a proposta de reformulação da Lei nacional pode ter para a economia, considerando que o modelo proposto pelo PS não é benéfico para os consumidores nem para a indústria. Também dúvida que o seja para os artistas.



A associação acredita que se a proposta avançar vai criar desemprego e levar a um aumento no preço dos produtos a que forem aplicadas as taxas propostas, que pode variar entre os 20 e os 40%.



TeK: A AGEFE tem criticado o modelo que o projeto de Lei do PS defende para a cópia privada. Na sua opinião quais são as lacunas mais graves?
José Valverde:
Aquele projeto de lei é politicamente inoportuno e inadequado, injusto para o consumidor e desconforme face à jurisprudência comunitária. Ao que acrescem as repercussões desastrosas que teria na economia e no emprego - sobretudo nas PME.

A grande mistificação que vem sendo feita pelos defensores deste tipo de modelo tem sido procurar confundir a cópia privada com a pirataria e com os downloads ilegais. A grande lacuna é a inexistência de qualquer estudo credível que quantifique minimamente o prejuízo que os titulares de direitos sofrem com a cópia privada. Isto é, quando se grava música de um CD que se comprou, e pelo qual se pagaram os direitos de autor, para um outro CD virgem, para podermos ouvir a música no carro ou num dispositivo portátil quando passeamos.

O que está na origem daquele modelo é o argumento de que com atos deste tipo os consumidores estão a prejudicar os autores. Ora, tal argumento carece de demonstração, tanto mais quanto é hoje uma evidência que o consumidor - que é quem sempre pagaria as taxas - utiliza os equipamentos e suportes de gravação sobretudo na produção e armazenagem de conteúdos da sua própria autoria. Basta pensarmos no que cada um de nós tem armazenado no seu telemóvel ou, em sua casa, em cartões de memória.

[caption]José Valverde - AGEFE[/caption]

TeK: Um dos argumentos que a associação tem apresentado para discordar da proposta do PS é o facto de estar em preparação uma nova diretiva europeia sobre esta matéria. Defendem que Portugal deveria esperar por Bruxelas?
José Valverde:
Neste momento, em que está a decorrer até ao verão um processo de mediação sobre a matéria ao nível da União Europeia, no seguimento do qual a própria Comissão pretende lançar uma iniciativa legislativa, ainda em 2012, qualquer outra solução carece de sentido.
É por isso mesmo que consideramos que aquele projeto de lei é claramente inoportuno.


TeK: Há várias formas de endereçar esta questão na Europa e fora dela. Qual vos parece ser a linha mais acertada?

José Valverde:
Uma solução harmonizada ao nível europeu que, contrariamente ao que sucede neste projeto de lei, contemple um sistema que seja adequado à era do digital em que vivemos, e seja justo para os consumidores.

TeK: Pode especificar melhor?
José Valverde:
Encontrar o sistema mais adequado em concreto é o objectivo do processo de mediação em curso e, como já referimos, está directamente relacionado com a quantificação do prejuízo sofrido pelos autores. Uma coisa porém é certa, um sistema do tipo daquele que o projecto lei prevê seria a forma mais ineficiente de o fazer.
Como foi demonstrado num estudo realizado em 2010 pelo professor José Luís Ferreira, da ENTER-IE Business School de Madrid, os sistemas convencionais dão origem a um desperdício económico de 51,7 cêntimos por cada euro que cobram.
Aquele estudo chega também à conclusão de que sistemas alternativos como a aplicação da compensação no preço da obra original, ou a partir de um Fundo do Orçamento do Estado (como acontece na Noruega e, a partir de agora, em Espanha) permitem compensar os detentores de direitos de forma muito mais eficiente.

Porém também há quem entenda, como o governo britânico atual, que no preço de venda da obra original já se prevê que no âmbito do seu uso privado, por razões de comodidade e preservação, ocorra a realização de um número razoável de cópias (“fair use”).

Assim, devemos aguardar pelo processo de mediação da Comissão Europeia, que deverá criar as condições para uma iniciativa legislativa harmonizada e abrangente neste domínio em 2012.

TeK: A AGEFE alerta para as consequências negativas que uma revisão do quadro legal no sentido definido pela proposta do PS pode impor. Consegue avançar com estimativas que quantifiquem essas perdas potenciais?
José Valverde:
Qualquer estimativa neste domínio seria sempre aleatória. O certo é que estamos a falar de um mercado que, com base nos dados da GfK Temax, estimamos ser da ordem dos 1.600 milhões de euros, e que às PME do sector seria impossível concorrer com a concorrência desleal que o mercado paralelo geraria.
Sendo impossível fazer uma estimativa quantificada, julgamos que ninguém terá dúvidas que naquelas circunstâncias seria muito significativo o número de PME e de postos de trabalho que ficariam em causa.

TeK: Na venda de produtos que impacto pode ter a nova taxa?
José Valverde:
A aplicação das taxas, dependendo dos produtos ou suportes, implicaria acréscimos de 20%, 30%, 40% ou mais (mesmo muito mais a curto/médio prazo se tivermos em conta a lei de Moore) dos respetivos preços de venda ao público. E só por ignorância ou má-fé se pode dizer que estes aumentos nos preços não seriam pagos pelo consumidor.
Contudo, não é o montante ou o tipo de taxa que aqui está em causa, mas sim a injustiça da oneração dos produtos. Tal como aconteceria a cada um de nós se fosse multado injustificadamente, seria a injustiça da multa e não seu valor que nos revoltaria.



TeK: E no que se refere à compensação dos artistas. Acredita que a nova lei pode melhorar as compensações que lhes são destinadas?

José Valverde:
Como já referimos para se poder compensar é necessário que se conheça o prejuízo, apurado de forma credível.

Nessa avaliação, é também necessário ter em conta que a cópia privada veio impulsionar fortemente novas formas de exploração económica da obra por parte dos autores, gerando um montante relevante de receita com atividades complementares como concertos, merchandising, publicidade, etc.

Daí que haja quem defenda que, feito o balanço entre prejuízos e benefícios da cópia privada, o saldo para os autores é negligenciável ou mesmo inexistente ("fair use").
Por outro lado, também não se pode ignorar que os autores têm hoje ao seu dispor meios de gestão direta dos seus direitos (DRM), e de controlo sobre a própria viabilidade de cópia das respetivas obras, podendo mesmo não a permitir.

Concluindo, reiteramos, só o balanço com rigor de todos estes aspetos nos poderá dar indicações quanto à justiça da existência de uma compensação pela cópia privada destinada aos titulares de direitos.

Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Nota da Redação: Foi corrigido o nome da associação.