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Pelo segundo ano consecutivo, o Prémio Científico da IBM distinguiu o trabalho de um investigador do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR) do Instituto Superior Técnico, desta vez na área das comunicações móveis, nomeadamente em técnicas de processamento de sinal, visando resolver alguns problemas que se colocam com a saturação da capacidade destas redes. João Manuel de Freitas Xavier foi o premiado deste ano, tendo recebido na passada semana o prémio das mãos do presidente da República.
O trabalho distinguido na 13ª edição deste prémio da IBM tem o título "Identificação Cega de Canais com Múltiplas Entradas e Múltiplas Saídas Baseada em Estatísticas de Segunda Ordem e Fontes Coloridas: Teoria, Algoritmos e Análise de Desempenho", que o próprio autor identifica como extenso e pouco decifrável, e é resultado de um trabalho desenvolvido durante vários anos na continuidade da tese de mestrado defendida por João Xavier em 1997 e da tese de Doutoramento concluída em Dezembro de 2002.
Para explicar melhor as motivações que estiveram por detrás do desenvolvimento deste campo de investigação e o potencial de aplicação desta análise às comunicações móveis, João Xavier respondeu a algumas questões do TeK.
TeK: Pode explicar melhor o âmbito do trabalho, os seus objectivos e a sua aplicação nas comunicações móveis?
João Xavier: O título do trabalho é um bocado extenso e pouco decifrável "Identificação Cega de Canais com Múltiplas Entradas e Múltiplas Saídas Baseada em Estatísticas de 2ª Ordem e Fontes Coloridas". O problema central provém de uma questão que é conhecida na literatura mais especializada como o problema da limitação do espectro radiofrequência disponível. O espectro de radiofrequência disponível para comunicação numa determinada célula é finito e, como nas arquitecturas actuais cada utilizador consome uma fracção desse recurso de comunicação, é previsível que ao ritmo que as comunicações estão a evoluir, e a procura para comunicação de dados e multimédia que são cada vez mais volumosas, a breve prazo [não sei quantificar o que é este breve prazo] se vá dar uma saturação desses recursos disponíveis. Numa linguagem mais simplista, podemos dizer que todo o espectro seria ocupado e não haveria espaço para acomodar novos utilizadores.
TeK: Está a falar em novos utilizadores em comunicação simultânea?
J.X.: Exactamente o que disse. Uma vez que, actualmente, os utilizadores estão separados e cada um goza de uma zona do espectro ou então estão activos em janelas temporais disjuntas, nas arquitecturas actuais eles nunca estão sobrepostos. A tentativa de acomodar novos utilizadores, quando esta estratégia conduz à saturação da arquitectura, é deliberadamente permitir que dois utilizadores distintos estejam activos na mesma banda de frequências e na mesma janela temporal.
Isto levanta é um problema a jusante, no receptor. Agora, pela primeira vez, e isto é que é novo, o receptor vê os utilizadores misturados nos dois domínios, o que não acontecia antes. E o problema que se coloca ao receptor é o problema da separação - dar-lhe uma mistura, ou várias misturas para trabalhar.
TeK: O seu trabalho versa então a separação dessas comunicações e não a gestão do espaço pela sobreposição dos utilizadores...
J.X.:Não, essa solução é muito bem conhecida já há vários anos. A investigação centra-se em como resolver o problema no receptor para fazer de modo eficiente a separação. Há várias técnicas e a contribuição no trabalho é propor uma técnica para separação.
Qual é a vantagem desta técnica face às outras? Esta permite identificar o canal a partir de estatísticas de segunda ordem e é uma técnica não iterativa.
Para um engenheiro esta situação de identificação acontece por estarem vários utilizadores activos e transmitirem os sinais numa estação de base, que agora se supõe equipada com um agregado de antenas, em que em cada uma observa-se a tal mistura, que será necessário separar. Existe um sistema, vamos chamá-lo canal de propagação, que separa os utilizadores dos sinais emitidos dos sinais recebidos. Se o receptor conhecesse esse canal, esse sistema, o que fazia era sintetizar o canal inverso. Concatenava os sinais recebidos com o canal inverso e de algum modo revertia todo o processamento e recuperava a situação inicial em que eles estão separados. Esta estratégia faz perfeitamente sentido, o problema aqui é que muitas vezes o receptor desconhece o canal, esse tal canal de mistura.
Portanto, o problema central será identificar o canal que misturou os sinais porque assim que o receptor tiver acesso a esta informação consegue sintetizar o canal inverso e separar.
E, é vantajoso se o canal for identificado não directamente a partir dos sinais recebidos mas das estatísticas de segunda ordem desses sinais. Para explicar as estatísticas de segunda ordem de uma forma simples - embora isso distorça o seu significado - pode dizer-se que se o sinal fosse um texto de várias páginas, a estatística de segunda ordem seria o sumário, está claro que não são conceitos equivalentes...
Mas, a vantagem de ter um receptor que identifica o canal com base nas estatísticas de segunda ordem é mais ou menos intuitivo com base nesta analogia: ele manipula uma dimensão muito mais reduzida de informação e pode ser mais rápido.
A contribuição do trabalho é um algoritmo de identificação do canal com base em estatísticas de segunda ordem.
TeK: Esta questão da limitação do espectro que é a base do seu trabalho não será resolvida com as tecnologias de comunicação de terceira geração?
J.X.: A própria tecnologia nunca pode expandir o espectro. O que acontece é que o 3G pode funcionar numa banda do espectro mais alargada, mas se uns estão a funcionar lá, outros não podem estar. O espectro é finito, está limitado.
TeK: Esta investigação é então aplicável a todas as tecnologias de comunicação de dados e voz wireless, seja GSM, GPRS, UMTS ou Wi-Fi?
J.X.: É aplicado a essas tecnologias no sentido em que todas elas se deparam com o problema de limitação de espectro. Podem umas deparar-se com esse problema mais cedo do que outras, mas inevitavelmente vão encontrar esse ponto de saturação.
TeK: E qual é a possibilidade de incorporação desta investigação na tecnologia actual de comunicações móveis. Vê alguma forma de aplicação directa?
J.X.: Quanto a isso ainda estamos um pouco distantes, mas isso acontece na investigação em geral. Ao desenhar esta técnica nós tivemos uma certa preocupação com os pormenores da implementação...
Estou um bocado hesitante na resposta porque sei, enquanto engenheiro, que há uma grande distância entre aquilo que é escrito, a teoria, e a prática. Mas vou ser simplista e dizer que nós - eu e o orientador do trabalho - tivemos preocupações na sua implementação. Por exemplo, se quiséssemos caminhar para a implementação desta técnica, o impacto a nível dos transmissores era pequeno porque a técnica envolve uma colaboração entre o transmissor e o receptor e o processamento é feito pelos dois. Mas, a maior modificação seria no receptor porque actualmente os sinais não estão misturados nos dois domínios. Para separar 5 utilizadores precisava de pelo menos 6 antenas, ou seja para separar "n" utilizadores, teoricamente são necessárias na estação de base "n"+1 antenas. Não me pergunte qual é o número "n" porque não me dediquei a esse trabalho, é outro campo muito complexo identificar o número de utilizadores.
Gostava de realçar ainda que existe uma técnica de acesso múltiplo, o CDMA, e que quem está familiarizado sabe que já existe a sobreposição no domínio temporal e espectral, mas esta técnica desenvolvida no meu trabalho pode ainda sobrepor-se ao CDMA.
TeK: Terminado este trabalho, vai continuar a investigação neste domínio?
J.X. : Eu sou investigador aqui no ISR e pretendo continuar nesta linha de investigação, de comunicações móveis, e, quem está ligado a esta área sabe que é um mundo fascinante, com imensos tópicos e várias linhas para explorar.
Até agora tenho estado mais situado na área do processamento de sinal e espero continuar por aqui. Uma investigação à qual quero continuar a dedicar-me é a exploração de um cenário em que um transmissor tem mais de uma antena, porque já está provado que isso traz ganhos teóricos na comunicação e agora temos de concretizá-los.
TeK: Parece-lhe que existem já boas condições em Portugal para fazer investigação neste campo?
J.X. : A pergunta formulada assim tem sempre a resposta de que nunca existem boas condições. Mas, vou ser sincero. Eu estou integrado no Instituto de Sistemas e Robótica e, como poderá verificar, e é o que eu sinto, o ISR constitui uma plataforma estável e que providencia as condições necessárias e suficientes para a investigação. Este mérito é devido à direcção do ISR, que nos isola um pouco das flutuações, dos orçamentos, etc.
Eu enquanto membro do ISR não tenho grandes razões de queixa. Durante o doutoramento tive também oportunidade de visitar a Universidade de Carnagie Mellon e verifiquei que em comparação as qualidades que temos aqui são óptimas, e o mesmo é reconhecido por bolseiros de outros países que nos visitam em programas de intercâmbio.
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