O desenvolvimento de videojogos em Portugal está de boa saúde e recomenda-se. A ideia transpareceu claramente do evento organizado pela Microsoft no final da semana passada, o Game Dev Camp, que contou com mais de 400 participantes e cujas inscrições esgotaram rapidamente, mas está também patente nas experiências que os vários intervenientes do sector partilharam com o TeK.

Esta semana dedicamos atenção especial ao sector e depois de um artigo sobre o potencial do mercado vamos publicar uma montra sobre quem dá cartas no mundo dos videojogos em português e cinco curtas entrevistas a players do mundo dos jogos de consolas e telemóveis.

A primeira já está online e contou com as respostas de Miguel Vicente, Audience Marketing Manager da Microsoft Portugal, que funciona como ponto de contacto para os programadores e profissionais de TI na empresa, gerindo vários programas de incentivo a esta comunidade.

Hoje publicamos as respostas de Ivan Barroso, designer de jogos, professor da ETIC e investigador nesta área, com um livro publicado sobre a História dos Videojogos, que recorda outros períodos de produção intensa em Portugal e alguns bons exemplos, mas admite que a facilidade de produção de aplicações se tem mostrado favorável à entrada no mercado de mais estúdios.

[caption]Ivan Barroso[/caption]
TeK: Sei que tem acompanhado de perto a evolução da história dos videojogos. Como vê a evolução nos últimos anos em Portugal?

Ivan Barroso:
Nos últimos anos o crescimento de Portugal tem sido quase alucinante. A título de exemplo, neste momento, entre 2010 e 2014 já fizemos mais jogos do que na última década, não só em termos de quantidade, mas também em qualidade. Estamos provavelmente a viver o terceiro boom da produção em Portugal. Depois da euforia nos anos 80 no Spectrum, a exaltação do mercado mobile e online no início do milénio, estamos agora talvez a viver uma nova Era.

TeK: Portugal começa a ter condições para se tornar um player importante nesta área, ou pelo menos ter um cluster bem reconhecido ou ainda falta massa crítica?

Ivan Barroso:

Portugal nunca teve falta de massa crítica em termos de desenvolvimento de jogos. Onde falhamos foi na comunicação e distribuição. Nos anos 80, 90 e até mesmo no início do milénio, a não ser que o nome do jogo estivesse em português, ou os autores tivessem assinado o jogo, raramente sabia-se que os jogos eram portugueses, e muito dificilmente chegavam a ter reconhecimento na comunicação social portuguesa (quanto mais a internacional).

Neste momento, já temos empresas a reconhecer a importância do marketing num projeto, e prova disso, é que os jogos têm ganho destaque em vários pontos da imprensa. Tanto por cá, como no panorama internacional. Basta ver os esforços exemplares da Bica Studios, Wingz Studio, GS78 e a Nerd Monkeys

TeK: Parece-lhe que é preciso focalizar mais investimento para apoiar as empresas e startups que desenvolvem?

Ivan Barroso:

O investimento é sempre necessário, seja em financiamento, apoio logístico, comunicação ou marketing. Senão vamos ter sempre startups que não tem sustentabilidade no mercado, resultando na sua rápida saída do mesmo. Seja porque não tiveram retorno financeiro, ou por serem aliciados a sair do país onde podem trabalhar em projetos com condições melhores. Os casos da Flying Turtle, Seed Studios ou Clueless ideas são notórios. Estúdios com títulos qualitativos e até premiados, mas que sem os apoios necessários, saíram do mercado.

TeK: E formação específica nesta área? Existe talento suficiente para esta massa crítica?

Ivan Barroso:

Talento sempre houve. Desenvolvemos muitas tecnologias inovadoras ao longo dos anos, fosse na produção de hardware no tempo do Timex Sinclair, a criação de rotinas para jogos no Spectrum, até as novas formas de abordar o online, como no Undercover 2: Merc Wars. Exemplos não faltam. Mas, precisamos de ligar o talento na produção dos videojogos, com a comunicação, distribuição e marketing. Senão por muito bons que sejam os projetos, se ninguém souber da sua existência, todo o talento demonstrado é irrelevante.

TeK: Os jogos móveis contribuíram para facilitar o acesso a uma rede mundial onde se pode rentabilizar mais rapidamente o investimento ou as consolas continuam a “mandar”, sobretudo com a nova geração?

Ivan Barroso:

Evidentemente que ter um título publicado numa consola é mais sonante que um no mercado mobile. Mas, o mercado mobile é sem dúvida nenhuma o melhor local onde se começar. As condições são mais favoráveis às startups, o custo para entrar nas diversas lojas é mínimo, e as ferramentas de desenvolvimento são de fácil acesso. Aliás, muitos estúdios em Portugal começaram no mobile, e neste momento estão a desenvolver títulos para outro tipo de suportes. Basta ver o exemplo da Immersive Douro, David Amador/Upfall Studio e Tio Atum.


Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

Fátima Caçador