Sem reconhecer mérito à Lei do Cibercrime que amanhã é discutida, Rui Seabra, presidente da Ansol (Associação Nacional para o Software Livre) acredita que esta põe em causa a Segurança Nacional e que criminaliza a liberdade de expressão, pune a escrita, investigação e difusão de software e criando uma samizdat.

Numa analogia com a Biologia, o presidente da associação diz que esta lei não terá efeitos benéficos no combate ao cibercrime e apenas servirá para prejudicar o desenvolvimento de anti-corpos como forma de atacar uma "bactéria".

A associação já enviou aos grupos parlamentares propostas de alteração que corrigem estas falhas e que espera sejam utilizadas amanhã.

[caption]Rui Seabra, presidente da Ansol[/caption]

TeK - O que muda nesta proposta face à lei de 91?

Rui Seabra - Esta proposta de lei pretende actualizar uma lei que não levava em conta certos cenários, nomeadamente em termos de interligações em rede e da cooperação internacional.

Contudo criminalisa a liberdade de expressão (proibindo a autores de software que escrevam determinados programas) e a investigação (proibindo a difusão de determinados programas) na área da segurança informática por falta de salvaguardas e de uma ingenuidade.

Respeitando esta lei, apenas os criminosos terão ferramentas de segurança, as forças de autoridade terão a ilusão de ter meios, os cidadãos perderão ferramentas de segurança e os autores de software poderão ver-se atirados para a clandestinidade.

Não faz sentido transformar cidadãos em criminosos em vez de se punir os criminosos.

TeK - Considera que esta proposta de lei cobre as necessidades neste sector ou é pouco ambiciosa?
R.S. -
Há dois sectores envolvidos aqui, o das forças de autoridade e o dos autores de programas informáticos.

Parecendo que cobre as necessidades do sector das forças de autoridade, na realidade mina-o a prazo por levar ao desprovisionamento de ferramentas na área do combate ao crime.

Por outro lado, ao probir um autor de software de o escrever e de o difundir está a atacar um princípio fundamental de liberdade de expressão, sem qualquer justificação prática.

Portanto não só não cobre as necessidades de ninguém, como na verdade tem um efeito pouco saudável.

TeK - Quais os principais "méritos" da nova proposta de lei?
R.S. -
A proposta peca demasiado na falta de racionalidade e equilíbrio para lhe ser reconhecido mérito. É como se apenas tivessem escutado as forças de autoridade para lhes aumentar os poderes.

TeK - E quais as principais "falhas"?

R.S. - Utiliza uma linguagem tão vaga e perigosa que corre o risco de ilegalizar a escrita, investigação e difusão de software na área da segurança.

Em vez de punir a utilização criminosa, pune a escrita, investigação e difusão, criando uma samizdat (http://pt.wikipedia.org/wiki/Samizdat).

TeK - Qual o impacto que a nova lei - se aprovada nestes termos, terá no combate ao cibercrime em Portugal?

R.S. - Não terá nenhum impacto positivo no combate ao cibercrime porque os criminosos (black hatters neste caso) vão simplesmente tornar-se ainda mais underground.

Terá um impacto negativo ao colocar em risco o desenvolvimento de ferramentas de segurança, e porá em causa o eco-sistema que permite a melhoria da segurança dos sistemas operativos e outros programas de computador.

Ou seja, prejudica o desenvolvimento de anti-corpos como forma de atacar uma bactéria.

TeK - Portugal não foi muito rápido a adoptar esta legislação. Qual o impacto deste atraso?
R.S. -
Nenhum. Cibercrime não passa de um nome pomposo para algo que sempre existiu, crimes, e que desde que existem computadores podem ser feitos através de um computador. Sempre se puderam matar pessoas com martelos e serras, mas nem por isso surgiu uma lei da serralharia-o-crime. Porque é que os computadores são diferentes?

TeK - A questão do mandado judicial tem sido uma das mais polémicas. Acredita que seria benéfico que a polícia pudesse interceptar sistemas informáticos sem mandado judicial?

R.S. - Isso nunca seria benéfico para ninguém, e seria um verdadeiro atentado contra as liberdades civis.

Segundo a proposta de lei que lemos, a polícia pode interceptar e confiscar sistemas informáticos sem mandado judicial mas terá de informar à posteriori uma autoridade judicial (juíz). Entretanto se o mal for feito, onde está na lei a defesa dos cidadãos inocentes quando forem vítimas de abuso?

Se a resposta é "ir à lei geral" a minha pergunta é porque é que para umas coisas se faz de uma forma, e para outras de outra? Só porque tem computadores envolvidos? Não faz sentido.

TeK - E em relação ao aumento da pena para crimes informáticos contra o
Estado, parece-lhe que se justifica ? ou esta medida deveria aplicar-se em outros casos?
R.S. -

O que a lei diz não é "contra o estado" mas se «atingir de forma grave ou duradoura um sistema informático que apoie uma actividade destinada a assegurar funções sociais críticas, nomeadamente as cadeias de abastecimento, a saúde, a segurança e o bem-estar económico das pessoas, ou o funcionamento regular dos serviços públicos».

Penso que as consequências de alguns dos serviços descritos serem grave ou duradouramente perturbados são muito negativas, pelo que eventualmente fará sentido serem mais penalizadas.

Fátima Caçador

Veja ainda outras opiniões que o TeK publicou hoje relativas à lei do Cibercrime e o artigo Lei do Cibercrime: a renovação desejada ou uma ameaça?