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Ao contrário do que a comunidade científica acreditava, a explosão de aparelhos digitais com acesso à Internet, como consolas de jogos vídeo, telemóveis, automóveis e frigoríficos, não fez com que o número e endereços IP disponíveis atingisse o limite do protocolo IPv4, devido à sua capacidade de regeneração mediante a utilização de mecanismos adicionais.



Contudo, grande parte dos oradores na conferência organizada na passada terça-feira, dia 21 de Maio, pela Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) e pela Cisco Systemsportuguesa, exprimiram a sua opinião de que o número de endereços IPv6 vai sofrer um aumento exponencial nos próximos dois anos.



Paulo Malta, gestor de conta da empresa norte-americana especializada em equipamento de rede, foi um deles. Em entrevista ao TeK, salientou que "o mercado de consumo, nomeadamente através dos jogos online e dos telemóveis UMTS, poderá originar a massificação de endereços IPv6 em pouco tempo".



TeK: Em que é que consiste o IPv6?

Paulo Malta: O IPv6 (Protocolo Internet versão 6) é a nova geração protocolar ao nível da camada de rede da pilha, ou em inglês, stack) de protocolos TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), desenhado de forma a substituir a versão actual, o IPv4. O IPv6 está especificado numa série de documentos, nomeadamente em esboços e standards criados pelo IETF, que contaram com a participação activa da Cisco.



TeK: Porque razão é que foi desenvolvido, se já existia o protocolo IPv4?

P.M: Com o crescimento global e contínuo da Internet, tornou-se necessário acomodar um número crescente de tecnologias, aplicações, serviços e utilizadores. O IPv6 foi desenhado de forma a assegurar a possibilidade deste contínuo crescimento.

Outra das finalidades para que foi desenhado o IPv6 consiste na optimização do protocolo, fazendo com que os equipamentos que tratam o tráfego IP possam trabalhar de uma forma mais eficiente. Sendo de destacar que o protocolo IPv6 está preparado de origem com serviços de suporte à rede, tais como o IPSec (Internet Protocol Security) e a configuração automática do endereçamento IP.

Podemos então resumir a necessidade do aparecimento do protocolo IPv6 destacando os principais benefícios que este nos vem trazer: em primeiro lugar, permite um endereçamento alargado de forma a acomodar o futuro crescimento de utilizadores e dispositivos IP; depois, configura automáticamente o endereçamento IP; e em terceiro, inclui um suporte integrado de segurança no protocolo IP, o IPSec, com possibilidade de utilização de cifra.



TeK: Quais são as grandes diferenças entre ambos?

P.M: No que diz respeito às diferenças entre os dois protocolos, ou melhor, às melhorias introduzidas no protocolo IP através da versão 6, podemos identificar três áreas principais.

Enquanto que o IPv4 tem um espaço de endereçamento de 32 bits, correspondendo a cerca de 4,2 biliões de endereços, o IPv6 disponibiliza um espaço de endereçamento de 128 bits, isto é, 3x1038 endereços ou, de forma mais perceptível 6x1023 endereços por metro quadrado da superfície terrestre.

No que se refere à configuração automática, no IPv4 o sistema de atribuição automática de endereços é efectuado através do protocolo DHCP (Dynamic Host Configuration Protocol). No IPv6, além da existência do suporte de DHCP, os equipamentos terminais têm capacidade de interagir entre si e com os equipamentos de interligação, os routers, de forma a auto-definirem o seu endereçamento, libertando assim a necessidade de reconfiguração manual de endereçamento no caso de, por exemplo, existir uma mudança de fornecedor de acesso à Internet.

Para além disso, o protocolo de segurança disponibilizado no IPv6 é basicamente o mesmo que já existe ao nível do IPv4, só que no caso do IPv6 o protocolo IPSec está embutido como opção e permite uma implementação extremo a extremo.



TeK: Será que os endereços de Internet disponíveis criados com base no IPv4 correm mesmo o risco de se esgotarem?

P.M: O endereçamento disponibilizado pelo IPv4, que permite identificar os equipamentos e possibilitar, assim, a comunicação entre eles, estava-se a esgotar rapidamente e levou a que fossem tomadas medidas para resolver este problema, nomeadamente, o aparecimento de mecanismos de tradução de endereços como o NAT (Network Address Translation) e o PAT (Port Address Translation), que permitiu que o mesmo endereço fosse partilhado por vários dispositivos.

Os mecanismos que foram surgindo permitiram colmatar a escassez de endereços disponíveis e adiar o problema mas não o resolvem. É de referir que os mecanismos que foram sendo criados entraram em colisão com serviços que surgiram como prioritários, nomeadamente, o protocolo de segurança de tráfego IP, o IPSec.



TeK: Actualmente, quantos endereços baseados no protocolo IPv6 existem a nível mundial face aos que foram criados através do IPv4?

P.M: Não tenho valores exactos, mas posso adiantar que em termos relativos existem muito poucos endereços IPv6.



TeK: Qual a razão desse atraso na adopção do novo protocolo? Acha que os próximos dois anos vão representar um ponto de viragem nessa situação?

P.M: Conforme já referido, a utilização de mecanismos do tipo do NAT permite adiar o problema e por conseguinte a adopção do IPv6. É difícil fazer previsões, pois tudo depende do crescimento do número de utilizadores e dispositivos conectados à Internet. O mercado de consumo, nomeadamente através dos jogos online e dos telemóveis UMTS, poderá originar a massificação de endereços IPv6 em pouco tempo.



TeK: E em Portugal, qual é a situação?
P.M: A FCCN e algumas universidades estão a utilizar o IPv6 em alguns grupos de trabalho e investigação. Existem também alguns fornecedores de acesso à Internet a realizarem testes com o protocolo. Eu diria que estamos a terminar a fase dos projectos piloto e prestes a ter iniciativas no sentido da sua disponibilização de um modo mais alargado em ambientes de produção plena.



TeK: Qual a sua opinião sobre a acção da FCCN neste âmbito?

P.M: A FCCN tem tido um papel bastante activo na divulgação do IPv6, através do suporte do protocolo na sua rede e mais recentemente através da criação do GigaPIX IPv6 que permite a interligação dos vários ISPs directamente em IPv6.



TeK: Que tipo de acções é que a Cisco tem tomado, a nível internacional e nacional, para o desenvolvimento do protocolo IPv6?

P.M: De entre as várias acções que temos levado a cabo destaco a presença de vários engenheiros da Cisco nos diversos grupos da Internet Engineering Task Force (IETF) que estão a trabalhar neste tema; a disponibilização, há cerca de cinco anos, de uma versão beta do nosso sistema operativo - Cisco IOS - de modo a permitir a implementação da 6Bone, uma rede experimental virtual para transporte de dados em IPv6.

Em Junho de 2001, lançámos também a primeira versão comercial do Cisco IOS com funcionalidades para IPv6, com o respectivo suporte, formação e documentação. Participámos ainda em vários projectos-chave como o Surfnet-5 e o 6NET.




Miguel Caetano