A Fundação Linux está a assinalar este ano o vigésimo aniversário do Linux. Em 20 anos as conquistas do sistema operativo open source são muitas e estendem-se a mais áreas do que a maioria das pessoas pensa.

Gustavo Homem aceitou o desafio do TeK para escrever um artigo de opinião sobre os principais marcos do sistema operativo e o seu futuro.

20 anos de Linux - O Polvo
Por: Gustavo Homem (*)

I’m doing a (free) operating system (just a hobby, won’t be big and professional like gnu) for 386(486)
AT clones. This has been brewing since april, and is starting to get ready. […] Yes – it’s free of any
minix code, and it has a multi-threaded fs. It is NOT protable (uses 386 task switching etc), and it
probably never will support anything other than AT-harddisks, as that’s all I have :-(.

Linus Torvalds, 25 de Agosto de 1991

O toque de humildade com que foi apresentado em 1991 não deixava antever os anos que se seguiriam.
Com apenas 20 anos de idade, o recém nascido de 1991 e menino prodígio de 2003 [1] transformou-se
num fenómeno global. Forte na flexibilidade, na portabilidade, na robustez mas ainda mais nos amores
e nos ódios (como aliás se irá confirmar nos comentários que inevitavelmente se seguirão ao artigo)
falamos de um caso de sucesso que por umas ou outras razões não deixa ninguém indiferente. E se a
mascote adoptada na época foi um pinguim talvez tivesse sido mais visionária a escolha de um polvo
dado o crescimento multi direccional que se veio a constatar, com tentáculos em todo o tipo de
indústrias. A verdade é que um simples hobby de verão se espalhou por todo o mundo e alastrou às
mais diversas organizações sendo hoje nada menos de que um sistema que interliga o planeta e que
todos usamos diariamente. Surpreendente?

[caption]imagem 1[/caption]

É simples... cada pesquisa no Google, cada conversa no Gmail, cada compra na Amazon, cada like no
Facebook e cada deslizar de dedo num smartphone / tablet Android é uma utilização de Linux. Os bits
que circulam no seu router residencial ou empresarial fazem-no provavelmente sobre Linux, como o
fazem ao atravessar muitos dos equipamentos de rede dos ISPs, websites, servidores de email, serviços
VoIP e e as base de dados mais respeitadas do mercado (Open Source e proprietárias...). O kernel de
Linux, com diferentes distribuições em seu redor, está presente em analisadores de som, máquinas de
manutenção automóvel, equipamentos médicos, televisões, set top boxes, computadores de cálculo
científico, pontos de vendas e hardware industrial diverso [2]. O tek.sapo.pt acaba agora mesmo de lhe
servir a página web deste artigo... por via de um servidor Linux.

[caption]imagem 2[/caption]

Se houvesse um kill switch que permitisse desligá-lo o mundo parava de imediato e demoraríamos anos
a recuperar da perda. Goste-se ou não o Linux está em toda a parte e, ainda que de forma subtil, tornou-se
uma peça fundamental para toda a tecnologia. Mas como pode esse polvo que a todos alcança
conseguir ser tão discreto?

Na realidade a maior parte dos utilizadores finais só toma contacto directo com o sistema operativo que
“veio com o computador” aceitando que tudo o resto funciona "automagicamente" sem necessidade de
apurar detalhes. Pois, no presente contexto estamos precisamente a falar de tudo o resto... ou quase
tudo.

O mercado dos computadores pessoais é o único em que a presença de Linux ainda é reduzida. Dir-se-ia
- aliás há quem insista em dizê-lo – que apenas os utilizadores muito avançados o gostam de ver
instalado em PCs e portáteis e que o resto do público não o escolhe. Mas a verdade é que esta não é
uma escolha do consumidor. Esse raramente é chamado a escolher. Esta é principalmente uma escolha
dos fabricantes de computadores pessoais, que têm como meta vender os seus produtos dando menor,
ou nenhum, ênfase ao sistema operativo. Em caso de dúvida deixa-se o default. Estranho ou não, é
plausível pensar que a escolha do sistema operativo para todos os consumidores do mundo seja feita
não por estes, mas por uma mão cheia de pessoas em posições-chave nas empresas que fabricam
hardware...

Apesar disso, e da licença extra que a maioria dos consumidores individuais paga sem opção a uma
multinacional americana, a instalação via download é uma realidade importante: a Canonical declara
ter 20 milhões de utilizadores Ubuntu número que espera multiplicar por 10 em 4 anos. Em Portugal, a
Caixa Mágica tem 50 000 utilizadores (não incluindo os do projecto Magalhães).

[caption]imagem 3[/caption]

Ao contrário do que se passa com os utilizadores individuais, para as empresas não é difícil adquirir
Linux pré-instalado numa variedade de equipamentos presentes no mercado desde servidores, a
computadores portáteis e desktop. Nem é difícil integrá-lo nos mais diferentes projectos. E para muitas
empresas esta é de facto a escolha mais inteligente por várias razões. É lá que se encontram
frequentemente sistemas Linux, de forma mais ou menos visível, em tarefas da maior importância.

Chegados aqui, e porque 20 anos são só o começo, é preciso não esquecermos as diferentes crises de
identidade, depressões e problemas de bullying por que este sistema, enquanto adolescente, foi
passando. Tudo isso deve ser falado abertamente. Falo do flop do United Linux, da trapalhada da SCO,
das ameaças de patentes de software, da multiplicidade de distribuições [3] que tardaram a consolidar-se,
das intermináveis flame wars, de alguma falta de pragmatismo, de vários anos de fraca comunicação
e da mentalidade canivete suiço que tanto atrasou a optimização do desktop para os utilizadores mais
comuns [4]. A educação liberal e extremamente aberta da criança, muito habitual nos sistemas Open
Source, conduziu a que mais do que seguir orientações esta fosse aprendendo com os próprios erros.
Ora, isto leva tempo, muito tempo. É preciso que, uma vez ultrapassados, os problemas não sejam
esquecidos e, acima de tudo, que não voltem.

O que esperar dos próximos 20 anos? A palavra é certamente crescimento: mais EUR e mais dólares a circular na economia Linux. Produtos mais eficientes e com maior incorporação da economia local.
Mais empregos Linux. A quebra do monopólio do desktop tradicional em favor de uma maior
diversidade de dispositivos de nova geração onde o Linux terá um papel forte. E - esperamos nós - a
mesma estabilidade que até agora nos permitiu fornecer os serviços mais fiáveis e os produtos mais
robustos.

O polvo Linux já está um pouco por toda a parte e continuará a crescer a bom ritmo. Mas isso depende
de todos nós. Servirá – se tudo funcionar ao nível nos últimos 20 anos - para garantir os melhores
serviços possíveis na ponta de cada tentáculo. No nosso próprio interesse - económico e tecnológico -
devemos trabalhar a sério para que muitas dessas pontas se entrelacem no nosso país.

(*) director técnico da Angulo Sólido e presidente da ESOP

Referências:
[1] – IBM “prodigy” advertisement: http://www.youtube.com/watch?v=4Gf6hq8J_DQ
[2] – Linux discreto, um exemplo: http://blog.angulosolido.pt/2009/01/linux-discreto.html
[3] – O paradoxo da escolha: http://blog.angulosolido.pt/2008/08/o-paradoxo-da-escolha.html
[4] – Ubuntu, fui eu que inventei: http://blog.angulosolido.pt/2008/05/ubuntu-fui-eu-que-inventei.html

Nota da Redacção: Todas as imagens foram fornecidas por Gustavo Homem, incluindo a utilizada no destaque.

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