A saudade
Por Pedro Aniceto*
A década de noventa tinha apenas começado. Estávamos ainda no turbilhão NeXT, com a vida útil desta linha computadores a tentar o seu lugar ao sol no mercado. A introdução da NeXT em Portugal, à semelhança de quase todos os países europeus não tinha sido fácil e deixara marcas profundas nas estruturas que vendiam Apple, em algumas delas causando feridas que dificilmente viriam a sarar. Quando Steve Jobs deixou a Apple, e apesar da estrutura de Cupertino começar a ser volumosa e a deixar a pele inicial, ainda havia relações directas e pessoais entre Steve e o seu canal de distribuição.
Os negócios faziam-se pessoalmente, os contactos eram praticamemte informais. É absolutamente banal e normal que isso suceda numa estrutura quase familiar, mesmo que começando a ser transnacional. Sim, Steve não era ainda uma personagem mítica e inacessível, podia pegar-se num telefone e discutir uma encomenda com o próprio cérebro da companhia. Na maior parte dos países da Europa, foi assim que se começou uma rede de revenda que viria, como sabemos, a transformar-se numa máquina de guerra gigantesca e que não dá mostras de parar de crescer.
Quando se dá a saída de Steve Jobs da Apple dá-se também um movimento migratório de alguns desses revendedores e distribuidores. Jobs desafiava os seus canais a segui-lo, era natural, e mais natural era não admitir traições ou jogos duplos. Por mim, ou contra mim e tudo se afigurava já próprio do seu carácter inflexível. A estrutura humana que em Portugal representava a Apple decidiu seguir Steve Jobs, desfez-se da empresa e apostou nos produtos NeXT, criando uma nova empresa e iniciando outro caminho que não o percorrido até ali.
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Honrando o seu desafio, Steve Jobs haveria de reforçar ainda mais as relações pessoais com as pessoas dessas estruturas que acreditaram cegamente que na NeXT haveria de nascer outra Apple e que tudo surgiria com naturalidade. Afinal de contas, Steve Jobs era o garante de que tudo iria correr pelo melhor, embora a História, velha caprichosa, viesse a baralhar e a dar de novo...
Jobs não faltou ao prometido. Haveria de, em ocasiões diversas apoiar os seus amigos que lhe continuaram leais, ao mesmo tempo que combatia comercialmente a própria companhia que fundara. Envolveu-se pessoalmente em apoios diversos a projectos de Educação, doando computadores a Universidades portuguesas em quantidades e valor que eram assombrosos para a época.
Notava-se a gratidão ao mesmo tempo que se semeava aquilo que, pensava ele e pensávamos todos nós, haveria de ser o campo onde se colheria o sucesso posterior.
A derradeira prova de gratidão e lealdade pelos seus amigos portugueses haveria de a fornecer mais tarde. Vítima de um infausto acidente doméstico, o CEO do representante português faleceria em 1991. Numa manhã de sol envergonhado, um Steve Jobs vestido de casaco de cabedal e jeans, cabelo ainda comprido e os seus proverbiais óculos de aros redondos apresentou-se sem qualquer alarido ou anúncio prévio no cemitério do Lumiar, em Lisboa para um derradeiro adeus ao seu amigo. E do mesmo modo discreto como disse "Presente!", foi-se embora, sem mais nenhum gesto ou contacto com qualquer dos presentes na cerimónia.
Cabe-me agora a mim, dizer-te adeus. E agradecer-te. Sem mais.
* Blogger e especialista em produtos Apple. Foi gestor de produto na Interlog, o primeiro representante da Apple em Portugal, e editor da revista iCreate Magazine Portugal. Hoje é marketing manager da Taboada & Barros, com duas lojas Apple em Portugal.
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