Acordo Ortográfico: desafios e oportunidades
Carlos Amaral *

[caption]Carlos Amaral, Administrador da Priberam[/caption] De acordo com a Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de Maio, o Acordo Ortográfico de 1990, que tanta controvérsia tem gerado, já se encontra em vigor em Portugal embora esteja previsto um período de transição de 6 anos (no Brasil esse período é de apenas 2 anos).

Para quem ainda tinha dúvidas relativamente à aplicação efectiva do Acordo Ortográfico em Portugal, estas foram desfeitas com o anúncio público, feito a semana passada, de que o Diário da República seria escrito segundo o AO já a partir do próximo mês de Janeiro.

Os dados estão pois lançados e, concordando ou não com as alterações introduzidas pelo AO, gradualmente a Imprensa Nacional - Casa da Moeda (que edita o Diário da República), os jornais, as editoras e, de uma maneira geral todos quantos escrevem em Português, vão necessitar de ferramentas de revisão já que poucos serão aqueles que irão ler o texto do AO ou os manuais práticos já publicados sobre o mesmo, preferindo confiar no discernimento dos correctores ortográficos.

O maior desafio que se coloca às empresas que desenvolvem este tipo de produtos é a inexistência de obras de referência ou vocabulários normativos que definam a nova grafia de algumas palavras. O texto legal prevê a elaboração desses vocabulários pelas academias mas tudo indica que o AO vai entrar em vigor antes de aqueles estarem disponíveis. Um outro aspecto que introduz uma complexidade adicional no desenvolvimento de ferramentas de auxílio à escrita é o facto de para várias palavras passarem a ter mais de uma grafia válida.

Além da actualização dos recursos linguísticos (léxicos, dicionários, etc.), todos os programas que envolvam o processamento da linguagem natural em português terão que ser alterados nomeadamente para suportarem as grafias alternativas e para desambiguarem entre duas palavras que passam a ter a mesma grafia mas funções e significados diferentes: por exemplo, "ato" do verbo "atar" e "ato", nova grafia da palavra "acto".

Também os motores de pesquisa deverão ser actualizados por forma a permitirem a indexação e consulta de informação produzida antes e depois do AO. Sendo impensável que se vá converter tudo o que está escrito para o AO, tem que se garantir que, por exemplo, uma pesquisa por "atos processuais" localize tanto os documentos que incluem aquela expressão (produzidos segundo o AO) como os que incluem a grafia anterior "actos processuais". Também os motores de reconhecimento de fala deverão passar a produzir texto segundo o AO. Os programas de OCR que recorrem a um léxico de português para melhorar a sua precisão, devem ser actualizados sob pena de produzirem resultados piores quando tiverem que reconhecer textos segundo o AO.

Como se pode concluir desta enumeração de algumas áreas em que a adopção do AO vai obrigar a alterações mais ou menos complexas, as oportunidades são variadíssimas. Pensando apenas na actualização das ferramentas de verificação automática a que todos nos habituámos por estarem disponíveis nas aplicações mais utilizadas, nomeadamente nos editores de texto e de correio electrónico, esta terá que ser feita seguramente em centenas de milhares de computadores utilizados diariamente em Portugal, no Brasil e no resto do mundo (sendo este um número conservador).

Se até aqui havia pessoas que não sentiam a necessidade de um corrector ortográfico, a entrada em vigor do AO vai torná-las também potenciais utilizadoras deste tipo de ferramentas pelas dúvidas que se irão colocar relativamente às alterações introduzidas.

Finalmente, pode ainda surgir um mercado de conversores para o AO com bastante potencial. Pense-se na importância de uma ferramenta deste tipo para uma editora escolar com umas dezenas de títulos que têm que ser rapidamente adaptados para o AO como está a acontecer no Brasil, ou para um fabricante de equipamentos que, de um momento para o outro, tem que converter todos os manuais de utilizador para o AO. Um programa que faça a conversão automática dos textos existentes para o AO, além de permitir poupar muitas horas de trabalho, é a única forma de garantir que nenhuma palavra ficou com a grafia antiga e que o texto resultante não contém incoerências, nomeadamente em termos das grafias alternativas.

Apesar do destaque dado aos desafios e oportunidades que o AO cria a quem trabalha na área do processamento da linguagem natural em português, na generalidade todos os programas, sites, etc. terão que ser actualizados no que toca a menus, diálogos, mensagens, conteúdos, sistemas de ajuda, instaladores, etc.

*Administrador da Priberam, empresa que desenvolve o FliP.