Por Paulo Valério (*)

De modo semelhante às línguas que lutam por ser preservadas, também algumas das nossas linguagens de programação mais antigas estão a desaparecer lentamente. Mas, tal como o Mirandês, que deu origem a muitas iniciativas que pugnam pela sua manutenção, também estas linguagens merecem ser respeitadas, resgatadas e, em última análise, reinterpretadas em vez de simplesmente descartadas. Julgo que a Pedra de Roseta é um bom paralelo para ilustrar o papel da Inteligência Artificial (IA) neste processo - da mesma forma que este artefacto foi essencial para conseguirmos decifrar os hieróglifos, também a IA especializada o é, hoje, ao traduzir e adaptar código legado em novas linguagens de programação, criando uma ponte entre o passado e o futuro.

No setor da energia e, em particular, quando olhamos para plataformas petrolíferas, vemos infraestruturas digitais construídas em COBOL ou Fortran. Estas plataformas foram desenvolvidas para, durante décadas, responderem com sucesso a desafios operacionais e para atuarem de forma robusta e confiável. Mas o tempo passou e as linguagens em que foram desenvolvidas caíram em desuso – já poucos as ensinam, e são também poucos os programadores que conseguem, hoje em dia, escrevê-las ou manter código baseado nelas. E é aqui que somos confrontados com a questão: abandonamos sistemas funcionais e de sucesso para os substituir por sistemas novos, ou haverá uma terceira via, mais eficiente e sustentável? A resposta está no potencial de tecnologias emergentes, como a IA.

A IA pode analisar estes dialetos antigos de programação, traduzindo-os para linguagens mais novas, de uma forma que preserva a integralidade e a funcionalidade do código original. Pode imaginá-lo como uma tradução literal, em que as instruções COBOL ou Fortran são traduzidas para Python, Java ou outra linguagem. E é aqui que a IA nos leva um passo à frente: mais do que uma mera tradução, aprende com o código original, interpretando as nuances complexas das estruturas criadas para responder a questões específicas. Em muitos casos, tenho observado código antigo a ser otimizado e adaptado durante o processo de tradução, de forma a beneficiar dos avanços das linguagens de programação contemporâneas, enquanto é garantida a sua funcionalidade.

Este processo não nos assegura apenas uma vantagem técnica, é também uma escolha mais sustentável. Ao preservarmos e atualizarmos o código legado, estamos a evitar o desperdício e os custos associados com a total reconstrução destas estruturas digitais. Ao mantermos aquele trabalho, embora o adaptemos, modernizando a sua linguagem e melhorando a sua eficiência, estamos a evitar o desperdício de recursos e a estender o tempo de vida de plataformas complexas e vitais. Não se trata apenas de poupar tempo, ou sequer dinheiro – é também uma forma de honrar o trabalho e o conhecimento de programadores que criaram estas soluções. Fizeram-no com as ferramentas e os limites inerentes ao seus tempos e agora, com a ajuda da IA, podemos continuar esse trabalho, mantendo-o útil e relevante.

Para mim, acompanhar a programação de tradutores “inteligentes” para estes sistemas antigos tem sido mais do que um desafio técnico – é também um compromisso com a nossa herança tecnológica. Se os programadores do passado se dedicaram a criar sistemas sólidos que atendiam às necessidades do seu tempo, hoje a nossa missão é ajudar esses sistemas a evoluírem sem serem descartados, mantendo a sua essência enquanto os trazemos para a realidade de um mundo digital cada vez mais avançado e dinâmico.

Esta fusão entre passado e futuro é verdadeiramente simbiótica. E, tal como acontece com as línguas em risco de desaparecer, esta tarefa só é possível graças a ferramentas que estão a ser desenvolvidas especificamente para esse propósito. É um trabalho meticuloso, que exige inteligência e precisão, onde a IA atua como ponte entre gerações tecnológicas distintas. É uma forma de avançar sem deixar nada para trás – tal como prega a sustentabilidade, aproveitando ao máximo os recursos que temos, sem desperdícios.

(*) diretor na Hitachi Digital Services em Portugal