Por João Freire de Andrade (*)

Esta pergunta pode parecer estranha ou até ridícula, mas com o PSD2 (Payment Service Directive 2) isto poderá tornar-se uma realidade já a partir do início de 2018. E a pergunta é assim tão estranha tendo em conta que já dou a esta empresa os registos das minhas pesquisas, o conteúdo do meu e-mail, o registo da minha agenda pessoal ou um back-up de todas a minhas fotografias?

Talvez seja importante dar um passo atrás e começar por, de forma simples, explicar em que consiste a diretiva europeia do PSD2. A Payment Service Directive irá obrigar todos os bancos a ter Open API (protocolos abertos de troca de informação). Esta obrigação, além de quebrar muitos monopólios de pagamentos a nível europeu, poderá servir de mote para os bancos abrirem a sua infraestrutura de forma a co-criarem com quem quer desenvolver serviços financeiros em cima da sua infraestrutura. As principais figuras que serão criadas neste contexto e que ainda não existem hoje são os AISP (Account Information Service Provider), os PISP (Payments Initiation Service Provider) e a necessidade de SAC (Strong Customer Authentication). Uma vez que todas estas figuras terão espaço de negócio a nível europeu, por que não ter participantes portugueses a criar tecnologia integrante em sistemas de pagamentos de outros países com volumes superiores? Já está a acontecer.

É ainda mais fascinante pensar que muitos destes desenvolvimentos estão a ser levados a cabo por startups. Por isso é assinalável a iniciativa do Pay-Challenge, apoiada pelo Banco de Portugal, que mais do que falar sobre o tema, criou condições para acelerar produtos e serviços concretos neste ambiente. Este tópico ganha particular importância dado o potencial estratégico de exportação numa indústria financeira cada vez mais deprimida. Temos vários exemplos destas startups nacionais a realizar um trabalho notório dentro e fora de Portugal e a sua grande maioria poderá ser encontrada no Portuguese Fintechs Report 2017.

Poderão os GAFA (Google, Amazon, Facebook, Apple) substituir os bancos tradicionais na relação com o cliente final? Nesta fase não, mas aos poucos algumas peças começam a juntar-se e a tornar esta ameaça para o sector mais palpável e possível. Não é mais fácil à Amazon, que tem os registos atualizados ao segundo sobre registos de vendas de milhões de comerciantes, poder dar crédito a estas empresas? Já que todos temos um Iphone ou um telemóvel com sistema Android, não seria normal servirem como meio de pagamento através da Apple ou da Google Wallet? E ser possível transferir dinheiro no meio de uma conversa de Facebook ou o Whatsapp? Ou as inúmeras lojas que usam Instagram poderem ter um “carrinho de compras” integrado para fazer a compra e pagamento imediatamente? Tudo isto parece um pouco futurista mas se olharmos para a carteira de investimentos da Google Ventures (veículo de investimento em Capital de Risco da Google) em fintech é possível notar algum apetite especial por esta área, ou para o facto de o Facebook ter pedido licença bancária para operar Portugal.

Todos estes gigantes tecnológicos podem ser concorrência para a banca nacional mas, dada a uniformização do acesso às contas previsto pelo PSD2, também os bancos internacionais e fintechs terão ainda mais facilidade de vir buscar negócio a Portugal. Só a Revolut, neo banco (aplicação com funcionalidades de banco mas sem licença bancária) criado em 2015, levantou neste verão uma ronda de financiamento de 66M£, já tem 1 milhão de utilizadores e conta vir buscar alguns milhares a Portugal.

Como pode o sector defender-se deste efeito muitas vezes apelidado de “UBERização” da banca? Será capaz de ser melhor que os GAFA, ser mais relevante e conveniente por estar mais no contexto? Infelizmente não estamos bem encaminhados. Dada a falta de rentabilidade da maioria dos bancos, começaram a ser impostas comissões para todo o tipo de operações, foram fechadas agências e tentou-se privilegiar o contacto online sem reformular e adaptar estes canais. Isto faz sentido a nível económico mas coloca estes bancos na mesma arena que as empresas tecnológicas. Estas empresas são especialistas no contacto digital, criam soluções com ótimas experiencias de utilização e, na sua grande maioria, sem custos para o utilizador. Têm a vantagem do consumidor consultar diariamente os seus produtos e serviços e não precisam de capitalizar fundos para “resolver” concorrentes falidos.

Felizmente o PSD2 é muito mais que uma norma regulatória. É o início de uma era de banca aberta e uma tremenda oportunidade para os bancos começarem a colaborar com outras empresas de forma sistematizada. Como inspiração para o sector financeiro deveríamos ter as fintechs nacionais que, com capacidade de execução, foco e menos recursos para competir com os incumbentes nacionais e internacionais, vão avançando e conquistando clientes. Talvez com cooperação com estas fintech seja realmente possível criar produtos de valor acrescentado e reduzir os incentivos para autorizar a Google a aceder à nossa conta bancária.

(*) Head of Venture Capital da BiG Start Ventures
Nota: este artigo de opinião de João Freire de Andrade, Head of Venture Capital na BiG Start Ventures, foi escrito no contexto do evento “The Future of Payments and Fintech”, que decorreu hoje, 6 de novembro, no Museu do Dinheiro, em Lisboa.

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