Por José-Manuel Diogo (*)


[caption]Jose-Manuel Diogo[/caption]

Como o próprio Steve Jobs o seu primeiro filme biográfico - já está outro a caminho - nasce, como convém, envolto em polémica. Nada melhor para aumentar a audiência. E tão poderosa é a marca do fundador da Apple que o primeiro filme da sua vida, este "JOBS" é provavelmente o mais rápido filme biográfico da história do cinema.

Ainda nada estabilizou, nada arrefeceu; nem sequer as últimas criações tecnológicas de Steven saíram para o mercado (o que revela o seu verdadeiro génio criativo) e já existe em cinema, o mais global de todos os meios de comunicação, a primeira tentativa de lhe fixar uma história. Ou será apenas uma oportunidade para fazer dinheiro?

Vamos ao filme. Ao objeto em si. Há mais preocupação em mimetizar a morfologia das personagens, fazê-las parecidas com o que verdadeiramente são do que cuidar de uma história que respeite integralmente os factos. E nem podia ser de outra forma. Quase todos estão vivos, se não mesmo todos, (à exceção do próprio Jobs) e a lógica do cinema precisa de histórias simples - tudo o que não foi a vida deste homem.

O fio condutor da narrativa deste JOBS é muito mais o aparecimento da Apple e dos seus produtos - da primeira placa ao primeiro iPod - do que a essência deste homem que efetivamente mudou a forma como o ser humano se relaciona com a criatividade. O filme começa com uma prolepse, em outubro de 2001 - o lançamento do iPod - e tudo o resto se passa antes desta data. Se pensarmos que o que é mais inovador em Jobs é precisamente a tecnologia que revoluciona o negócio da música então podemos dizer que este não é mais do que um pré-filme: o Jobs que interessa não vem aqui.

A caracterização do ambiente e dos espaços, Silicon Valley e os anos 70, os carros e as garagens, o amor livre, as drogas e Dylan estão bem representados, como seria de esperar numa produção desta dimensão. Os erros são mínimos - há uma cena na universidade onde aparece um carro que será lançado apenas 10 anos mais tarde (um Chevy Cavalier azul); e na loja onde tenta pela primeira vez vender o seu computador aparecem monitores IBM que não existiam ainda em 1976 - mas, por outro lado, as cenas onde aparecem os "pais" e a garagem são feitas na verdadeira garagem da adolescência de Jobs.

Mas à personalidade atormentada - em minha opinião a mais importante marca da sua capacidade criativa - no filme, infelizmente, é dado papel secundário. Uma única referência ao facto de ter sido entregue para adoção e uma ou outra cena familiar de circunstância são muito pouco para ajudar a conhecer um homem cuja grandeza resulta precisamente dos elementos da sua súmula criativa: multiplicidade cultural, espacial e histórica que com violência impactam a sua vida. O sangue, alemão e sírio; a adoção, os seus pais americanos; a educação, nas melhores universidades num momento de rutura epistemológica; o momento histórico; drogas e rock & rol, a geografia, Silicon Valley, onde e quando acontece a última revolução tecnológica da humanidade.

Steve Jobs, o homem, é um resultado quase alquímico de raiva, criatividade, emoções, empreendorismo e sorte. Jobs, este filme, pode ser uma oportunidade de negócio para a Hollywood, mas, infelizmente, é uma perda de tempo para o espectador.

(*) Autor do livro iMe - The Life of Steve Jobs