Por Rui Martins (*)
Durante muitos anos fui um dos maiores utilizadores da aplicação "Na Minha Rua" que a Câmara Municipal de Lisboa tendo aberto mais de três mil ocorrências. Perdi a conta na aplicação quando mudei de telemóvel e perdi o endereço de mail original com que tinha registado a conta. Poderia ter recomeçado do zero ou pedido para reactivarem a conta com um novo endereço de mail mas, francamente, não o fiz porque comecei a perceber que a resposta padrão dos nossos autarcas para qualquer ocorrência no espaço público era, invariavelmente, a mesma: "abra ocorrência na aplicação Na Minha Rua". Para mim - posso estar errado - a aplicação não foi pensada para ser a única ou até a principal forma de desencadear a intervenção das autoridades. Era uma forma complementar ou supletiva. Não devia substituir a normal intervenção das equipas municipais ou das juntas que, todos os dias, percorrem a pé ou de veículo as freguesias da cidade. Se o poder autárquico não é um poder de proximidade então não é um verdadeiro poder mas um simulacro e se a democracia se reduzir a formalismos vazios e a simulacros mediatizados então estamos numa democracia decadente que está a caminho de uma autocracia ou da total orbanização do regime.
E esse poder autárquico de proximidade deve ser exercido na rua, junto das pessoas e dos seus problemas e não viver de simulacros participativos como consultas públicas a quem ninguém atribui verdadeira importância (a não ser mediática e formal). Quanto à aplicação "Na Minha Rua" começou por uma boa (excelente) ideia que, com o tempo, se foi banalizando e perdendo credibilidade e eficiência.
1. A aplicação nunca foi capaz de lidar de forma decente com a repartição de competências entre Juntas de Freguesia e as da Câmara Municipal. Se uma ocorrência pertence a um tipo cuja resolução compete a uma Junta de Freguesia então deve ser esta quem lida com a resolução, de forma directa e activa e não ser apenas encerrada após encaminhamento (supõe-se que por mail) para essa autarquia por parte dos serviços da CML.
2. Nunca, mas nunca mesmo, uma ocorrência deve ser encerrada sem ter sido confirmada, pelo menos uma vez, o seu efectivo encerramento. O sistema está cheio de falsos encerramentos ou por encaminhamento para a Polícia Municipal, EMEL ou Juntas de Freguesia quando, de facto, essas entidades deveriam processar o pedido e resolver o mesmo informando então (e apenas então) o cidadão desse encerramento.
3. Autarquias locais, juntas de freguesias, Polícia Municipal e EMEL não deviam abrir ocorrências directamente no Na Minha Rua. Isso acontece actualmente e distorce as métricas gerando uma grande quantidade de pedidos duplicados e de falsos encerramentos. O sistema foi pensado e é eficaz se for usado por e para os cidadãos não como uma aplicação para uso "interno" dos serviços da CML ou das juntas de freguesia. É absolutamente inaceitável que uma parte da CML (EMEL ou Polícia Municipal) encerrem uma ocorrência alegando que "o assunto é com a CML" como já me sucedeu por diversas vezes.
4. Uma das pragas das resoluções falaciosas no Na Minha Rua são os encerramentos por "entidades externas". O seu número é cada vez maior dada a excessiva viciação em contratos de outsourcing por parte da CML. Este é um problema de custos e eficácia do investimento público mas também do Na Minha Rua já que a CML não consegue controlar de forma adequada estes operadores externos. Se não existem contratualizações para prazos de execução, encerramento e de com níveis médios de serviço: devem existir.
Estas quatro abordagens poderiam ser decisivas para devolver credibilidade à Na Minha Rua e para a tornar compatível com os prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo algo que, manifestamente, não está a acontecer de forma sistemática e generalizada nos pedidos abertos na aplicação.
(*) do CpC: Cidadãos pela Cibersegurança
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