Por Gonçalo Caseiro *
Decorreram já mais de 70 anos desde que Zweig intitulou uma das suas obras: "Brasil, o país do futuro". Zweig exilava-se da insanidade que já alastrava pela Europa e descobria um país construído sobre uma fenomenal miscigenação provavelmente apenas comparável aos Estados Unidos.
Hoje, em Brasília, na belíssima Esplanada dos Ministérios, o controlo das compras públicas e governamentais faz do Brasil o país do presente. As compras públicas brasileiras representam, frequentemente, 40% do PIB. A sua importância na economia é tal, que as compras públicas são utilizadas muitas vezes para controlo da inflação. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a principal componente do PIB brasileiro de 2012 foi o consumo do próprio governo, que ficou à frente do consumo das famílias e dos investimentos. A necessidade de acompanhamento destes gastos impôs a existência de mecanismos de controlo interno eficazes, utilizando massivamente tecnologias de informação para detecção de irregularidades, fraude e corrupção.
Esta utilização massiva de tecnologia será melhor entendida se compararmos a organização pública a uma cidade. Podemos conhecer as ruas da cidade utilizando um GPS ou podemos fazê-lo sem mapa, sem bússola, sem compasso, apenas com o conhecimento empírico do que é suposto ser essa cidade. É esta a diferença entre uma auditoria informada, focada em informações preparadas ex-ante, e a auditoria tradicional, que não sabe ainda bem a que parte da cidade se quer mesmo deslocar e se dedica, na verdade, a encontrar "uma agulha num palheiro".
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O GPS, no caso de uma organização e das suas compras públicas implica, por exemplo, a comparação do seu gasto na compra de bens e serviços por funcionário com outras organizações semelhantes (v.g. consultoria externa) ou a deteção de ligações entre empresas por meios pouco tradicionais (v.g. empresas com mesmo número de telefone ou a mesma morada) que possam estar a "ajudar" a utilização de ajustes diretos em oposição ao obrigatório concurso público. Muitos outros exemplos poderiam ser dados.
A Controladoria Geral da União, órgão central brasileiro de controlo interno dos gastos públicos, tem bons motivos para se orgulhar do seu trabalho. O exemplo mais mediático é o caso Aline Brazão, que implicou desvios de verba através de ONG, relatado em detalhe nos meios de comunicação social brasileiros. Em síntese, a análise de diversas fontes de dados permitiu encontrar fatores comuns no histórico de mais de 50 ONG que recebiam verbas do Estado (v.g. morada de Aline Brazão), evidenciando assim um esquema de compra e venda destas organizações.
Em termos europeus, os números relativos às compras públicas sugerem também a necessidade de fortes investimentos. As compras de bens, serviços e obras representam cerca de 19% do PIB europeu, em Portugal cerca 20% (1), o que significa, só no nosso país, cerca de 34 mil milhões de euros em compras governamentais. Apesar dos avultados valores envolvidos, o controlo das compras públicas é, em muitos dos Estados-Membros, tal como afirmado no (primeiro!) Relatório da Comissão Europeia sobre o tema "Anticorrupção da UE", de 3 de Fevereiro deste ano, insuficiente e descoordenado.
A esse respeito, o dito Relatório constata ainda que "custos da corrupção para a economia da UE se elevam a 120 mil milhões de EUR por ano, apenas um pouco menos do que o orçamento anual da União Europeia", ao que podemos acrescentar, bastante mais do que a recente ajuda externa de que necessitámos no nosso País. Na Europa podemos - leia-se, porque estamos a falar da coisa pública, devemos - aprender com o Brasil.
Em Portugal, o Tribunal de Contas reportou, no seu relatório de 2013, que com visto prévio tradicional, foi possível poupar mais de 200 milhões de euros e efetuar recomendações em compras públicas de mais de 1000 milhões de euros. Porém, o mecanismo de visto prévio nada tem a ver com um GPS. Se quisermos uma metáfora de idêntica natureza, é uma portagem, com respetiva fila de espera, onde são tratados da mesma forma veículos com fins distintos. E esse tempo de espera pode muitas vezes ser mais oneroso do que o próprio gasto previsto na aquisição.
Assim, quer ex-ante, para auxiliar a uma compra economicamente mais vantajosa (v.g. comparando com outras semelhantes), quer ex-post, para melhor monitorizar e inspeccionar as compras públicas (v.g. encontrando situações anómalas através de análise massiva de dados), fica a pergunta: e se em vez de portagens apostássemos em GPS?
* Senior expert responsável pelo estudo comparativo das metodologias de monitorização de compras governamentais, entre maio e junho de 2014, iniciativa no âmbito do programa "Diálogos Setoriais UE-Brasil".
Nota: (1) Public procurement indicators 2009. DG Markt, Comissão Europeia, novembro de 2010
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