Partilha ilegal de ficheiros na Internet: afinal onde está o negócio?

Manuel Cerqueira (*)

O caso Pirate Bay tem feito correr rios de tinta - física e digital, por esse mundo fora sobre a questão da partilha ilegal de ficheiros na Internet. Se o caso em si tem contornos muito preocupantes no que toca à pirataria de conteúdos e bens culturais na internet, por outro lado tem servido para que o tema se discuta como nunca antes em todo o mundo. Esta é uma das maiores lutas, até à data desigual, entre o valor da Propriedade Intelectual e da Cultura (que tantas batalhas tem travado desde o século XIX para se impor e conseguir criar condições para que a produção cultural possa evoluir e acontecer) e a Pirataria.

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Este é também um caso que nos obriga a repensar as leis vigentes e as próprias estruturas judiciais com que actualmente vivemos, e que terão que evoluir à luz dos tempos actuais, conformando-se às novas realidades que estamos vivendo. Não deixou de nos surpreender que após 6 anos de práticas reiteradas de pirataria no Pirate Bay, os tribunais tivesse decidido por uma sentença que condena os responsáveis a 1 ano de prisão e ao pagamento de uma multa de 2.7 milhões de euros, deixando o site em funcionamento. Aliás, os responsáveis do Pirate Bay, mesmo depois de terem sido constituídos arguidos num processo judicial, continuaram a acrescentar funcionalidades à sua operação e a viabilizar a partilha de torrentes de ficheiros ilegais no Facebook por parte dos seus cerca de 25 milhões de utilizadores.

Graças a uma condenação ligeira, e ao facto de ainda não lhes ter sido sequer aplicada nem a sentença, nem a indemnização correspondente de 2.7 milhões de euros - o que é estranho, dada a conhecida celeridade do sistema judicial sueco, os donos do Pirate Bay financiaram a criação de um novo partido (que defende a pirataria como uma prática legal e comummente aceite), e da campanha deste há eleições europeias tendo mesmo elegido um deputado com assento no Parlamento Europeu. O novo partido almeja agora criar movimentos semelhantes em mais de 20 países europeus. Há aqui além do mais um aspecto algo nebuloso, que me preocupa de sobremaneira e que deveria preocupar-nos a todos, porque sob a égide dos direitos e das liberdades individuais que passam pela utilização e partilha de ficheiros ilegais na internet, estas são práticas que estão a enriquecer, e muito, negócios também eles ilícitos.

Os mesmos responsáveis lançaram entretanto um novo produto designado de High Predator Global Anonimity Service. Este novo serviço garante por 7 euros por mês o anonimato dos seus utilizadores sempre que estes partilham ficheiros ilegais, e já tem mais de 180 mil inscritos em menos de um mês. O que não deixa de ser uma ironia, primeiro porque prova que a condenação do tribunal sueco não teve qualquer eficácia prática e não serviu para prevenir situações futuras. Em segundo lugar, porque sendo um serviço disponibilizado por quem advoga a filosofia do "free" absoluto, incita e protege às práticas de partilha ilegal de ficheiros na internet, o que faria sentido era que o mesmo gratuito e não sujeito a um custo mensal.

Na verdade, a face mais visível do movimento pró tem gerado uma onda de comunicação que manipula as mensagens de tal modo, que os utilizadores nem param para pensar que com a sua partilha ilegal de ficheiros geram tráfego e riqueza para outros que não são sequer os donos/autores desses conteúdos, podendo dessa forma estar a contribuir para financiar negócios e práticas ilegais. Importa agora continuar a seguir este caso de perto, e ver que implicações irá ter no panorama mais alargado do espaço europeu.

É urgente que os países da EU prossigam e aprofundem o trabalho que têm vindo a desenvolver para prevenir situações deste género, e que podem desde logo passar pela aplicação das directivas europeias sobre esta matéria nas suas legislações internas. Veja-se o exemplo da Suécia, pátria da Pirate Bay, que apenas recentemente adoptou a directiva europeia de 2004 relativa à lei anti-pirataria, tendo a partir desse momento, e segundo dados disponibilizados pela Vnunet, registado uma quebra de 33%.

Por outro lado, é urgente empreender uma ampla acção de sensibilização e formação, alertando os cidadãos para estas questões e para os diversos factores envolvidos, sobretudo para o enriquecimento ilícito de terceiros que é por si promovido de forma inconsciente. E este é um aspecto muito relevante, tanto mais que no limite os indivíduos que procedem à partilha ilegal de ficheiros não têm a noção de que irão estão a pagar por essa utilização, e que mais adiante voltarão a pagar mais pela mesma nas cargas fiscais que terão que ser alocadas à resolução e correcção destes problemas por parte de todos os Estados.

É legítimo que todos nós nos interroguemos sobre onde está o negócio? Porque grátis, grátis, à borla e de graça, será mesmo? Realmente parece que não, a avaliar pelo desfecho do caso Pirate Bay, verdadeiramente operático, digno dos melhores enredos das óperas de Mozart, ou porque não dos filmes de ladrões do Totó. Afinal, afinal sempre há negócio nestas coisas da partilha ilegal de ficheiros (aquela pela qual não se paga nada sobre os conteúdos que se traficam!) e parece que afinal é mesmo em benefício dos "rapazes" que defendem a pirataria como prática legal, que eram donos do Pirate Bay, que por acaso o acabam de vender por 5,500 milhões de euros à Global Gaming Factory, numa estranha manobra que faz lembrar o branqueamento das ilegalidades cometidas, gerando um lucro sujo pelas actividades criminosas que cometidas durante anos.

O significa também que, aqueles que fizeram através deste serviço os dowloads ilegais, que até eram à borla, andaram mas foi a trabalhar para valorizar este negócio, e encher os bolsos destes "bons rapazes", porque verdadeiramente é sempre isso que se está a fazer quando se envereda por esta prática.

Os autores donos dos conteúdos, que têm legítimo direito ao valor das suas produções são transformados em vilões da fita, que querem mesmo é viver "à conta do pessoal", e aqueles que lucram com o incitamento e a prática ilegal sobre aquilo a que não têm qualquer direito são os verdadeiros heróis da história, recompensados principescamente no final da história… Realmente, e como cantava a nossa Amália "que estranha forma de vida"!

Se a Europa quer verdadeiramente afirmar o seu maior valor, e que é o da Propriedade Intelectual e da produção dos bens culturais, então terá definitivamente que alinhar e implementar novas políticas concertadas que o permitam.

(*) Presidente da ASSOFT