Por Eduardo Freire Rodrigues (*)

Nos últimos anos, a tecnologia alterou radicalmente a forma como comunicamos, como compramos, como nos deslocamos, lemos, vemos ou utilizamos tantos outros serviços. A Saúde não é exceção, mas - por resistência tanto de quem cuida e de quem é cuidado - algumas transformações demoram mais tempo a efetivar-se. Por força das circunstâncias, 2020 abriu uma janela de oportunidade para a acelerar a transformação digital. E daqui para a frente como será? Que soluções já estão a ser implementadas e que empresas lideram o mercado neste âmbito?

Graças a soluções desenvolvidas por tecnológicas de software, alguns cuidados passaram a estar à distância de um clique. Empresas como as portuguesas SWORD Health, e Knok Healthcare, ou a norte-americana Current Health, levam sessões de fisioterapia, cuidados de saúde primários ou até mesmo serviços de hospitalização à casa de cada pessoa, através de dispositivos tão simples como um computador ou um tablet. Todas têm um denominador comum: serviços que podem ser realizados integralmente e com a mesma qualidade de forma remota.

Num passado muito recente, esta forma de cuidado médico estava ainda em fase embrionária. Em 2018, Portugal investia em média 2,42 euros por cidadão em serviços de telemedicina, entendidos como qualquer serviço de assistência médica prestado à distância – uma fatia muito pequena quando comparada com o valor total dedicado à saúde que, no mesmo ano, ascendia a cerca  1877 euros por habitante.

E afinal, o que mudou? Apenas o contexto. A necessidade faz o engenho: fomos obrigados a reequacionar o tipo de acompanhamento que é dado às pessoas.

Estima-se que, até ao final de 2020, 12,5 milhões de consultas presenciais não tenham sido realizadas. O prognóstico foi feito num estudo da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e da Ordem dos Médicos sobre o impacto da covid-19 no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A telemedicina ganhou, neste contexto, um novo fôlego e a verdade é que, enquanto alternativa em alguns casos ou como complemento da prestação de cuidados, as teleconsultas representaram uma poderosa via de acompanhamento à população, sobretudo para os doentes crónicos, quando os hospitais foram obrigados a interromper a atividade programada.

A atuar neste campo está a portuguesa Knok, que serve atualmente uma base de mais de 1,2 milhões de pacientes e é líder nacional na prestação de vídeo-consultas. Segundo esta tecnológica, 85% das consultas de vídeo resultam numa solução definitiva para os utilizadores. Em tempos de pandemia, a teleconsulta permitiu manter a relação médico-doente próxima, evitar deslocações desnecessárias e aliviar a pressão dos hospitais.

Também no campo da telereabilitação, ou seja, no acompanhamento de pessoas que se encontram em recuperação, de forma remota, são vários os exemplos de iniciativas a serem implementadas no país. O Hospital de São João, no Porto, anunciou um projeto para pessoas com AVC, o Centro Hospitalar do Oeste também divulgou um projeto de telereabilitação para os utentes com patologia crónica do ombro e o Hospital de Leiria fechou uma parceria precisamente com a Sword Health para levar a fisioterapia a casa. A metodologia permite, por um lado, monitorizar à distância os exercícios de cada paciente e, por outro, ensinar e adaptar os exercícios de fisioterapia num tablet instalado em casa de cada doente.

Por fim, e num contexto em que as camas de internamento em unidades hospitalares se tornaram um bem escasso, a hospitalização domiciliária ganhou também destaque neste leque de tendências de cuidados remotos. Em maio deste ano havia um total de 2.722 doentes internados em casa, um aumento de 396% relativamente ao mesmo período do ano anterior. Já o número de hospitais a recorrer a esta modalidade praticamente triplicou, de dez em maio de 2019 para 28 em maio deste ano. Recorde-se que os primeiros passos neste modelo assistencial alternativo foram dados no final de 2015 pelo Hospital Garcia de Orta e que as estimativas apontam para uma redução de 40% nos custos de internamento. Também aqui há soluções de software para apoiar os profissionais de saúde e os pacientes neste processo de transformação - a Current Health é uma plataforma que permite que qualquer pessoa seja hospitalizada em casa, monitoriza de forma contínua os seus sinais vitais e envia de alertas às equipas de triagem de enfermagem e de telemedicina integrada.

O presente já é tele, mas ainda baseado em soluções rudimentares para a potencialidade que o conceito de saúde digital inclui. É importante aproveitar a força motriz que a pandemia gerou para continuar um caminho que parecia estagnado. Porque em causa está uma oportunidade para promover a saúde, torná-la mais acessível, quebrar fronteiras, nivelar assimetrias, reduzir gastos desnecessários e libertar as unidades de Saúde para quem efetivamente precisa delas. Consequentemente, vamos ouvir falar dos pacientes digitais, dos desafios que representam e de como a tecnologia pode envolvê-los num processo de decisão clínica partilhada.

(*) CEO e cofundador da UpHill