Verdades inconvenientes - post scriptum

Por Gustavo Homem (*)

[caption]Gustavo Homem[/caption]
Quando se escreve um artigo a analisar um tema complexo é importante ser-se exaustivo na pesquisa, para se poder apresentar uma opinião fundamentada. É um objectivo difícil e por vezes não atingível a 100%.

Um leitor do artigo anterior fez-me saber que à minha pesquisa tinha escapado um clube de video web que funciona em Portugal. Quero reconhecer este facto. Grato pelo contributo, rectifico a situação analisando o funcionamento do Video Clube Online Optimus Clix e partilhando com os leitores as minhas conclusões.

Como primeiro passo, há que fazer o registo de um utilizador em http://videoclubeonline.clix.pt.

Mesmo não sendo cliente Optimus foi-me possível efectuar o registo porque este vídeo clube opera na Internet e não apenas no universo de clientes da empresa. Findo o registo, já se pode iniciar sessão, consultar o catálogo, carregar crédito na conta e começar a alugar filmes. Visto ser possível o pagamento por referência multibanco,o processo pode ser todo feito online, tornando-se bastante rápido e isento dos riscos associados ao uso de cartões de crédito.

Passaram, no total, cerca de 5 minutos entre o início de registo e o aluguer de um filme. Não foi exigido o browser X ou o sistema operativo Y. Não apareceram popups, anúncios de casinos ou de anti-virus, nem sponsored links. Não foi preciso ir "catar" legendas em parte nenhuma. E, naturalmente, não senti que estivesse a lesar qualquer artista ou empresa. Os filmes funcionam sem problemas em fullscreen e ficam disponíveis por 48h.

Há que abordar a questão do preço: os alugueres custam entre 2 e 4 EUR, para 48h de disponibilidade. Surge a inevitável comparação destes valores, com o preço de compra de um DVD o qual se situa geralmente entre 10 e 20 EUR. Se por um lado a relação entre o preço e o tempo de disponibilidade do conteúdo parece desfavorecer o aluguer online, há que ter em conta a comodidade e flexibilidade que esta oferta possibilita. Feita esta ponderação, não considero os valores de aluguer desajustados.

Portanto, tudo está bem quando acaba bem.

Afinal de contas existe um vídeo clube web em Portugal a funcionar sem problemas. Podemos arquivar o antigo anterior, começar a pagar por conteúdos digitais online e juntar a nossa voz ao coro anti-pirataria... ?

Longe disso.

O Video Clube Online Optimus Clix vem precisamente reforçar a certeza de que existe um problema. Neste clube de video web, estão disponíveis cerca de 300 filmes, na sua maioria de qualidade B ou C. A oferta disponível, para além de pequena, é largamente baseada em filmes americanos não muito bem sucedidos.

Não estão lá os êxitos recentes. Não estão lá os clássicos incontornáveis. A sensação de navegar no catálogo de filmes é a de olhar para as prateleiras de um dos antigos clubes de vídeo dos anos 90. É inconcebível que esta oferta de conteúdos possa sequer ser levada a sério.

[caption]Video Clube Online Optimus Clix[/caption]
Vídeo clube online da Optimus: uma boa plataforma, com uma notória falta de conteúdo

Levanta-se então a questão principal. A Optimus foi capaz de implementar uma solução técnica perfeitamente funcional e teve visão suficiente para não se fechar sobre o universo dos seus clientes. Podia então garantir-se como detentora da primeira plataforma deste género a operar em Portugal e reclamar para si os primeiros milhares de clientes nacionais, de vídeo digital na web. Porque razão não consegue que a oferta de conteúdos seja suficientemente interessante?

Não tenho uma resposta definitiva. Aliás, obter este tipo de respostas junto de quem as pode dar é algo que compete aos jornalistas. Os media deveriam fazer as perguntas difíceis e tratar este assunto com profundidade.

Mas é bom de ver que se uma empresa do grupo SONAE é incapaz de negociar eficazmente direitos de autor, talvez o problema não tenha solução. Não será fácil encontrar empresas de ainda maior envergadura, para bater o pé em negociações destas... Talvez os direitos de autor da maioria dos conteúdos estejam na mão de um cartel de teimosos, que preferem perder dinheiro a ganhá-lo de forma inovadora. Quiçá seja conhecido que os oligopólios são (quase) impermeáveis à inovação, ou que as grandes estruturas sejam avessas ao risco. Ou talvez a lentidão dos processos de negociação "manuais", feitas com caneta de tinta permanente, seja incompatível com a agilidade que o mercado actual exige.

Mesmo não sabendo ao certo de quem é a culpa, não podemos deixar de notar o que a situação representa. Isto representa todo o avanço tecnológico dos últimos anos e a disponibilidade dos consumidores que ainda possa existir, simultaneamente derrotados por um problema de secretaria.

Por muito ruído que se faça sobre os downloads ilegais, é nesta "secretaria" que está a morrer o direito de autor.

(*) director técnico da Angulo Sólido