Tendo em conta a lacuna que se fazia sentir nessa área, a produtora de software Memória Persistente, de Gouveia, a poucos quilómetros da Praia das Maças, decidiu lançar-se num projecto audacioso e pioneiro em Portugal: o desenvolvimento de uma suite completa de aplicações
de gestão empresarial, baseada no modelo de software livre a pensar nas necessidades das Pequenas e Médias Empresas (PMEs). Denominada MP-Biz esta é capaz de correr em Windows, Mac OS, Linux e outros derivados do Unix
O primeiro módulo deste pacote, o Evaristo - inspirado no personagem de
António Ribeiro no clássico do cinema português Pátio dos Cantigas - foi lançado recentemente e consiste numa aplicação escrita em Java e XML destinada a tarefas tão básicas mas essenciais ao financiamento de uma PME como facturação, controle de stocks e tesouraria. Os outros módulos deverão ser lançados até ao final do ano. Mas esta não é a primeira aventura da empresa no mundo do software open source ou livre, conforme explicou ao TeK Carlos Correia, director técnico da Memória Persistente, produtora que até agora tem obtido mais sucesso internacionalmente do que em terras nacionais...
TeK: Em que é que consiste o Evaristo?
Carlos Correia: O Evaristo é um sistema de apoio à gestão, inteiramente desenvolvido pela Memória Persistente, baseado numa arquitectura cliente-servidor, do tipo 2nd tier, em que o servidor consiste numa base de dados, responsável pela salvaguarda e coerência da informação, contendo, igualmente, algumas das "regras do negócio", isto é, funções que, residindo na base de dados, proporcionam melhor tempo de processamento no tratamento da informação. O cliente é uma aplicação Java, que é responsável pelo resto do processamento dos dados, bem como pela interface com o utilizador, podendo funcionar tanto em rede como em monoposto.
TeK: O que é que vai ser o MP-biz?
C.C.: O MP-Biz, do qual o Evaristo é apenas o primeiro elemento, será um pacote de ferramentas constituído por essa aplicação Java que contém funcionalidades de facturação, controle de stocks e tesouraria; uma versão P.O.S do Evaristo com os ecrãs modificados para trabalhar sem rato, que deverá ser publicada durante o primeiro semestre deste ano; o MP-Show-Biz, que é uma extensão para gestão de eventos como espectáculos previsto para Abril ou Maio.
Outro elemento será o WebApps, um conjunto de aplicações Web que permitem ao utilizador gerir dinamicamente o seu site, colocando a sua tabela de preços online, enviando-a por email para os seus clientes, aceitando encomendas de clientes registados, automatizando o seu helpdesk, ou mesmo actualizando automaticamente as cotações de produtos no seu site ou junto dos seus clientes. Este componente Irá reaproveitar grande parte do código do Evaristo, contribuindo, assim, para a sua robustez. A arquitectura passará a ser n-tier, podendo os seus componentes estarem distribuídos pela Internet, estando previsto que esteja concluído para o início do Verão. O último módulo do MP-Biz a ser lançado será o DataAnalyst. Trata-se de um conjunto de aplicações Web para produção de relatórios sofisticados que deverá estar terminado até ao final do ano.
Apostando na fiabilidade do que é mais precioso para as Empresas, a
Informação, todas as aplicações do pacote que agora se inicia serão, tanto quanto possível, "agnósticas", tanto em relação às bases de dados com que irão trabalhar, como aos sistemas operativos onde serão instaladas, permitindo, assim, escolher a que melhor se adapta às necessidades de cada empresa.
O sistema foi pensado para simplificar as tarefas do dia-a-dia de uma pequena ou média empresa, proporcionando a possibilidade de ser expandido ou configurado para melhor se adaptar a cada empresa, em vez de obrigar a empresa a adaptar-se ao sistema - o que terá sempre de acontecer de alguma maneira, só que se pretende que seja um processo natural e "indolor".
TeK: Já desenvolveram anteriormente software open source?
C.C.: Já. Aliás, exceptuando os primeiros meses em que realizámos alguns trabalhos em regime de outsourcing para a empresa onde trabalhava anteriormente, o resto da nossa produção de aplicações foi publicado como software livre , no âmbito da General Public Licensing (GPL).
Começámos por publicar o Arauto versão 0.3, um gestor de mailing-lists, em Novembro de 2001, realizado para suprir uma necessidade de um cliente. Em Maio de 2002, publicámos o Gaudí, um editor visual de estruturas de bases de dados, que foi também registado no site FreshMeat. Conta já com um número muito razoável de utilizadores espalhados pelo mundo. Todas estas aplicações têm em comum terem sido desenvolvidas para a plataforma Java, garantindo, assim, a sua compatibilidade com a maior parte dos sistemas operativos.
TeK: Porque é que optaram por produzir software open source?
C.C.: O mercado está literalmente saturado de programas a preços
acessíveis para a área de gestão. Têm todos em comum os factos de funcionarem exclusivamente em Windows e de os seus dados serem guardados em ficheiros indexados, mascarados, ou não de bases de dados. São soluções que, apesar de normalmente funcionarem bem, não oferecem o mesmo grau de fiabilidade que as que estão assentes em bases de dados e sistemas Unix.
Não fora o Linux e o FreeBSD, assim como bases de dados como a PostgreSQL e a MySQL e seria impensável a uma pequena ou média empresa adoptar uma solução assente em software e sistemas Unix. Por outro lado, temos as soluções para as grandes empresas, feitas pela SAP, BANN e IBM, entre outras. Uma pequena empresa que se pretendesse informatizar enfrentava sempre um custo inicial em licenças muitas vezes incomportável, quando não desproporcionado em função da qualidade e estabilidade dos produtos.
Por outro lado, nunca acreditámos nas vantagens de esconder o código, nem na propriedade intelectual tal como a vêem as grandes software houses que agora se degladiam pelas patentes de algoritmos comuns. Imagine-se só que o inventor da roda - que não é mais que um conceito e, portanto, uma abstracção - a tinha patenteado. Os seus descendentes governariam agora o mundo.
Publicar o código, permite-nos, por exemplo, contar com a ajuda de terceiros para melhorá-lo ou oferecer a garantia aos nossos clientes que nunca ficarão prisioneiros de outras empresas. Este é, aliás, um dos conceitos principais que estão na base do software livre.
TeK : Qual o nível de adesão que os vossos produtos licenciados no âmbito da GPL tiveram até agora?
C.C.: O Evaristo ainda está muito fresco, poucos o conhecem. Porém, o Gaudí - embora direccionado a programadores e administradores de bases de dados, portanto um universo reduzido - tem obtido um considerável sucesso desde a sua publicação na FreshMeat, gerando entre 20 e 30 visitas diárias ao nosso site. A avaliar pelos emails que recebemos, irá ter uma brilhante carreira.
Infelizmente, também a avaliar pelos mails recebidos, essa carreira deverá ser somente internacional, o que levou a que tanto a secção portuguesa do nosso site dedicada ao Gaudí, como a versão portuguesa do manual do utilizador tenham sido suspensas na versão 0.3, sendo que, de momento, só existem as versões inglesas tanto da página, como do manual para a release 0.4.
Obviamente que serão retomadas assim que houver interesse manifesto da parte dos programadores e administradores de dados nacionais. Estamos, neste momento, a ultimar a versão 0.5 que será publicada em breve.
TeK: O Evaristo baseia-se em Java e XML, tecnologias que estão bastante em voga hoje em dia. Porque é que optaram por elas no processo de desenvolvimento desta aplicação?
C.C: Não é apenas por acaso que estão em voga. Cada uma à sua maneira contribui para facilitar a vida a muita gente, se bem que o utilizador comum muito raramente se aperceba. Ao poder ser programado para quase todos os sistemas operativos, o Java resolve o pesadelo das infindáveis compilações e sessões de teste e mais compilações, seguidas de mais sessões de teste - num algoritmo que frequentemente é recursivo. Por outro lado, dadas as características da linguagem, demora-se muito menos tempo a desenvolver um sistema em Java de que em C, por exemplo, o que abrevia consideravelmente os ciclos de desenvolvimento e de testes.
Sendo uma especificação aberta e permitindo separar os dados das aplicações que os tratam, o XML poderá tornar-se no "abre-te sésamo" que possibilitará que todas as aplicações dialoguem facilmente entre si. Por enquanto, é a maneira mais fácil de trocar informação entre aplicações ou sistemas, desde que os programadores o utilizem de acordo com o espírito com que foi criado e não introduzam melhoramentos que só funcionam nos seus sistemas.
TeK: Qual é a sua opinião sobre o panorama deste tipo de soluções em
Portugal? O open source está a crescer em Portugal?
C.C.: Está a crescer, sem dúvida, e não é só em Portugal. O nosso país será, talvez, um daqueles onde o seu crescimento estará mais retardado. No entanto, com a entrada das grandes empresas - Sun, IBM, HP - no mercado de soluções Linux é previsível que venhamos a assistir a um crescimento significativo nos próximos tempos, mesmo ao nível dos desktops.
É sobretudo uma questão de coragem política ou, mais propriamente, da falta dela que se trata. Mais uma vez, a França e a Alemanha estão bastante à nossa frente nessa matéria, tendo já iniciado a substituição na Administração Pública e nas Forças Armadas de sistemas proprietários, aqueles em que o utilizador não tem acesso ao código das aplicações, por sistemas abertos. Convém não esquecer que o projecto Echelon poderá não ser o único - paranóia ou simples descuido dos administradores de redes, as queixas de espionagem industrial não param de surgir.
TeK: Acha que as empresas nacionais, tipicamente de pequena e média
dimensão, estão abertas a adoptarem o Linux e ferramentas como a suite de aplicações de escritório OpenOffice?
C.C.: Umas mais do que outras. É preciso não esquecer que para administrar um sistema Linux - ou Aix, BSD, Solaris, entre outros - não basta ter um caderno de apontamentos com dicas para os atalhos dos wizards - é de todo conveniente possuir alguns conhecimentos técnicos - e isso tem custos, mas também apresenta bastantes vantagens, não sendo de desprezar o controle total que poderemos ter sobre os sistemas. A prazo será sempre uma solução mais vantajosa ou, como dizia o outro: O barato, às vezes, sai caro.
E ainda está por provar que o custo total da aquisição de um sistema Linux é superior ao de um sistema Windows equivalente, se é que isso é possível. Por outro lado, embora só recentemente, tanto o Linux como pacotes do género OpenOffice ou Mozilla atingiram um nível de maturidade que os tornam francamente apetecíveis, e mesmo melhores, face a soluções proprietárias.
Falta apenas uma campanha de marketing que, de alguma maneira, sirva de contraponto às da Microsoft. O "camarada" Bill Gates interiorizou muito bem aquela velha máxima de Lenine que dizia que uma mentira repetida muitas vezes se transforma numa verdade. Assim haja dólares para as campanhas.
TeK: Acham que se pode gerar lucros produzindo software
livre?
C.C.: Produzindo só, é improvável - a menos que exista por aí algum mecenas que queira investir num projecto. No entanto, uma empresa que, mais do que produzir software, ofereça uma solução global - equipamento, aplicações, formação e uma eficaz assistência técnica - tem todas as hipóteses de crescer sustentadamente. Não temos, no entanto, ilusões. A resistência, talvez devido ao medo do desconhecido, ainda é muita e o caminho é longo e difícil. Mas, como já referi, a entrada das "grandes" no negócio deverá facilitar a sua aceitação junto do mercado, que na sua maior parte não sabe e nem quer saber o que se passa por detrás do monitor, ou melhor, dentro daquela caixa feia com uma ventoinha barulhenta.
A partir do momento em que o Linux e o conceito de software livre em que assenta deixe de ser um "bicho" desconhecido, será mais fácil a sua aceitação pelo comum dos mortais. Deverá tornar-se mesmo no sistema mais popular junto das PMEs, que passam a dispor de uma solução barata e fiável mas, acima de tudo, uma solução em que controlam efectivamente todo o software instalado e a maneira como se comporta. Não é à toa que os responsáveis da Microsoft não se cansam de emitir declarações colocando em causa o modelo do software livre, como se se tratasse de um "papão". Veja-se a IBM que arrecadou mais de mil milhões de dólares em soluções baseadas no Linux em 2002 - o dobro do ano anterior.
TeK: Têm recebido algum apoio da comunidade de programadores open
source?
C.C.: O Gaudí, que já está publicado há mais tempo, já beneficiou de muitos contributos, sobretudo ao nível da adaptação às várias bases de dados existentes no mercado. Graças a esses contributos, podemos assegurar que esta aplicação funciona com o BD2, MySQL, Pointbase, PostgreSQL, Sybase e SQL Server, entre outras.
TeK: Quais são os vossos objectivos de negócio a médio e longo
prazo?
C.C.: Até ao Verão pretendemos organizar uma rede de distribuidores e colaboradores. Pretendemos, igualmente, concluir o WebApps para alargar o leque das nossas soluções às empresas de maior dimensão. Uma vez concretizado esse objectivo, iremos internacionalizar o Evaristo e os restantes componentes do MP-Biz e tentar exportá-lo. Não há nada que o impeça de funcionar noutro país ou com outra moeda, basta traduzir os textos e configurá-lo adequadamente.
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