http://imgs.sapo.pt/gfx/424350.gifEnvolvido no projecto de migração da infra-estrutura do conselho de Munique desde 2003, altura em que foi tomada a decisão de adoptar software open source nas ferramentas de produtividade e nos desktops, Florian Schießl, Director de Informática do Munich Council, é uma das pessoas que mais sabe sobre a estratégia do LiMux e o seu impacto na cidade alemã.

O TeK aproveitou a sua presença no V Encontro Nacional de Software Aberto para conversar com este responsável, percebendo melhor a génese do projecto e o seu desenvolvimento.

O facto de ao fim de cinco anos menos de 3 por cento das 14 mil estações de trabalho (cerca de 350) estarem a utilizar Linux esteve naturalmente no centro das perguntas, assim como os próximos passos previstos no projecto que deve estar finalizado em 2010 e tem estimado um custo de 35 milhões de euros.

TeK: O projecto de Munique já está a ser desenvolvido desde 2003, sendo desde o início apontado como um dos exemplos de migração de software proprietário para open source, especialmente no Governo. Qual foi vossa experiência nos últimos 4 a 5 anos?
Florian Schießl:
Desde o início o nosso objectivo estratégico foi de nos libertarmos da dependência de um único fornecedor de software. O projecto LiMux não teria sido iniciado se a Microsoft não tivesse decidido que não ia manter o suporte ao Windows NT 4, obrigando-nos a migrar para o Windows Server 2000. Nessa altura decidimos que não podíamos manter-nos tão dependentes de uma empresa que por decisões que eram externas à nossa organização obrigavam a mudanças relevantes de software e hardware.
A decisão abarcava dois níveis: a mudança do sistema operativo dos computadores e dos servidores, assim como a migração das ferramentas de produtividade para OpenOffice.org. Ao desenvolvermos o projecto fomos percebendo a necessidade de realinhamento de toda a infra-estrutura de IT, que é bastante complexa, envolvendo 12 departamentos e 17 unidades que geriam internamente a sua própria estrutura.


TeK: Cinco anos depois da decisão de mudar para software open source o projecto só conseguiu começar a fazer mudanças efectivas nos desktops dos funcionários da administração de Munique no final do ano passado. A que se deve este atraso?
F.S.:
Nos primeiros anos, depois da decisão de migração, perdemos muito tempo a trabalhar com a Comissão Europeia na definição dos padrões de software aberto a utilizar. Seguiu-se uma fase de procurement longa e difícil, que se iniciou ainda em 2004, e que nos permitiu identificar o melhor vendor de software open source para utilizar no projecto de Munique. Só na Primavera de 2005 iniciámos o desenvolvimento do software cliente, cuja versão de teste ficou pronta em 2006 e que começámos a implementar em desktops em Setembro desse ano.

Também a migração para OpenOffice foi muito exigente. Durante a fase de avaliação percebemos que existiam templates, macros e formulários que estavam duplicados e triplicados em vários departamentos e que ao todo teríamos de mudar cerca de 13 mil objectos. Esta foi por isso considerada também uma oportunidade de consolidar experiências entre todos os departamentos.

Por outro lado, ao longo do processo, também houve muita pressão externa. Na Alemanha há grandes empresas de software e a Microsoft tem muito peso. Estas empresas gastam muito dinheiro em lobby e foi necessário trabalhar contra muitas ideias feitas sobre o open source e a favor do software proprietário.

TeK: Fizeram estudos sobre os custos de manter o Windows versus a mudança para open source? Eram mais elevados do que os 35 milhões de euros que o projecto vai custar?
F.S.:
Sim, fizemos estudos. Mas não era uma questão só de custos mas de nos tornarmos mais independentes. Considerámos também o facto de que se mantivéssemos o Windows poderíamos ter de mudar o sistema operativo novamente em três a cinco anos, com todos os custos que isso envolveria.
No fundo foi fácil de explicar aos políticos: podemos ter custos mais baixos agora mantendo o Windows, mas termos custos mais elevados a médio longo prazo. Se mudarmos para open source temos agora um investimento maior mas a médio prazo os custos vão diminuir.

TeK: Porque demoraram tanto tempo a desenvolver uma release própria para as estações de trabalho? As adaptações ao Debian eram mesmo necessárias?
F.S:
LiMux foi o nome do projecto desde o início e muita gente pensa por causa disso que desenvolvemos uma release própria de Linux, mas na verdade fizemos apenas alguns ajustamentos ao Debian para adaptarmos este sistema operativo às nossas necessidades.
Havia algumas especificações que considerámos importantes e por isso é que fizemos as alterações.

TeK: Entre os custos previstos para a migração de toda a infra-estrutura a maior fatia (38%) é dedicada à formação. Porquê este investimento?
F.S.:
Pensámos que todas as pessoas deviam ter oportunidade de ser formadas para se adaptarem ao novo sistema e ferramentas. Não basta distribuir papers com informação. Temos de motivar as pessoas e esse foi um dos grandes investimentos que fizemos, com acções de formação e mesmo marketing, que passaram pela criação de peças de merchandising, como pins e outros materiais que distribuímos às pessoas.

TeK: Apesar do investimento que fizeram na formação dos utilizadores finais, uma das falhas que tem referido é a aposta na motivação dos funcionários de TI de Munique, que têm mostrado grande resistência ao projecto. O que pensam fazer para resolver esta questão?
F.S. :
É verdade, esta foi uma das áreas a que não demos a atenção devida. Este funcionários receberam formação, adicional à que já tinham, mas ficaram com a ideia de que os conhecimentos que tinham adquirido antes iriam ser desperdiçados e não podiam ser usados no futuro. Tivemos que reforçar a ideia de que eles eram os especialistas do seu departamento e eles é que iriam ter sempre um papel importante na resolução dos problemas que surgissem.
Estamos agora a desenvolver um processo de envolvimento destes funcionários para conseguir deles maior participação e empenho no projecto.

TeK: Pensa que a experiência de Munique pode ser importante para outros departamentos governamentais que queiram mudar para open source? Isso está a acontecer na Alemanha?
F.S.:
Nós podemos partilhar a nossa experiência mas não vamos fornecer um “pacote” LiMux como algumas pessoas pensam, não vamos tornar-nos um fornecedor de serviços. Mas acho que a nossa experiência é importante, porque desenvolvemos um trabalho de normalização e também de interacção com os fornecedores de software.
A nossa experiência gerou imensa atenção desde o início, até de uma forma que considero exagerada, mas existem outros casos de migrações bem sucedidas para open souce, como Viena, onde estão envolvidos até mais computadores.

TeK: Apesar dos objectivos de garantir independência em relação ao software proprietário, especialmente em relação à Microsoft, o Conselho de Munique mantém ainda muitas máquinas com sistemas operativos Windows, servidores e também ferramentas Office. Continuam a gastar dinheiro com estas soluções?
F.S.:
Sim, somos obrigados a isso. Ainda mantemos muitos servidores Windows e máquinas que não podemos migrar para Linux ou que anda não conseguimos migrar. Nunca tivemos uma posição fundamentalista nesta área. Sabíamos que íamos ter de viver com a coexistência de software proprietário e open source. Mesmo os nossos objectivos iniciais não passavam por migrar 100 por cento dos desktops para Linux. As nossas previsões apontam para que cerca de 80 por cento dos 14 mil PCs venham a integrar sistema operativo Linux. O resto terá Windows, Mac ou outros sistemas mas queremos que comuniquem e que funcionem de forma eficiente.

TeK: Pelos números que mostrou na sua apresentação, os objectivos de migrar os 14 mil desktops ainda estão longe. Quais são os vossos objectivos para este ano?
F.S.:
Até Março tínhamos convertido 330 estações de trabalho para Linux e temos mais 200 em teste. Mais de mil PCs já têm ferramentas OpenOffice a trabalhar sobre Windows e 1.300 funcionários já receberam formação em software open source.
Vamos agora continuar o roll out dos clientes e a desenvolver mais o sistema operativo básico que implementámos no ano passado. Ao todo queremos converter cerca de 2000 estações de trabalho até final do ano e ainda ter mais computadores a usar OpenOffice, Firefox, Thunderbird e Gimp sobre Windows. Esta é uma das partes importantes do projecto.
A meta dos 80 por cento de desktops Linux deve ser atingida apenas em 2010.




Fátima Caçador