http://imgs.sapo.pt/gfx/448369.gifAssumir uma posição de topo no sector das TI pode ser facilmente estereotipado como um acto tipicamente masculino. Consequência ou não da evolução social, a verdade é que cada vez mais assistimos à tentativa de mudar aquilo que, durante anos, marcou o mundo empresarial, onde os cargos de chefia pertenciam maioritariamente aos homens. Uma das mais recentes investidas partiu da Comissão Europeia, que alertou para a necessidade de chamar mais mulheres para o sector.



Estereótipos à parte, Maria Laurentina Gomes conseguiu vingar num mundo onde, à partida, jamais pensou poder vir a inserir-se e, aos 42 anos, conta com um vasto currículo na área das TI, onde já passou por diversas funções.



Depois de quatro anos como responsável de importação e de gestão de stocks na Hoechst Portuguesa, no departamento de Sistemas de Informação, Maria Laurentina Gomes coordenou o projecto de transferência do negócio por MBO da Hoechst Portuguesa para a Listopsis, empresa onde é administradora. A este cargo, a empresária soma ainda a administração da CVCIC - Sistemas de Informação e Comunicação -, adquirida no início deste ano pelo grupo Listopsis/Liscic.


TeK - Quando e como é que começou a trabalhar no segmento das TI?

Laurentina Gomes -
Foi um acaso vir parar ao negócio das TI's. Em 1993 quando se deu o managing buy out no Depsi-Hoechst, que originou a Listopsis, as minhas responsabilidades eram exclusivamente na área administrativa e financeira. Terei dado nas vistas em termos de capacidade de trabalho e empreendorismo, nomeadamente quando acumulei essas responsabilidades com a Direcção da Qualidade e obtivemos um rápido e imediato sucesso na certificação NP EN 9002: 1995.



Em resultado fui nomeada membro da Administração do grupo com o pelouro das novas oportunidades de negócio precisamente na altura em que a Listopsis decidiu por uma aposta forte na Informática e, em geral, nas Tecnologias de Informação.



TeK - Como é para uma mulher trabalhar num sector maioritariamente formado por homens e quais as principais dificuldades que sentiu?

L.G. - Inicialmente senti que o meu desempenho seria razoável se fosse igual ou superior ao bom desempenho de qualquer homem, e isso constitui uma espécie de duplo desafio às minhas capacidades. Encarei como tenho sempre encarado todos os desafios profissionais: uma oportunidade de nos superarmos, de atingir resultados acima das expectativas, de "contagiar" colaboradores e equipas de trabalho na vontade de concretizar planos e projectos que constituam motivo duma grande satisfação profissional e pessoal entre todos.



Sendo muito raras as mulheres no topo da pirâmide de empresas relevantes de TI, conforme observou, seriam de esperar algumas reacções de desconfiança. Com o passar do tempo, as coisas mudam e é até motivador para o ego olhar em volta e perceber que surpreendemos pela positiva. […] Neste negócio os homens são realmente tantos que, em termos profissionais, dificilmente conseguem surpreender ou mesmo surpreender-se mutuamente.



TeK - Existe algum tipo de descriminação ou falta de credibilidade relativamente ao sexo feminino nesta área?

L.G. - […] Nesta matéria como noutras é óbvio que a mulher continua a ser descriminada, porque se é frequente pensar-se nela para funções de menor responsabilidade, já para o topo a relação será de 1 para 10 ou talvez menos, e não apenas no negócio das TI's.



Esta situação é cultural, milenar em termos de ancestrais, pelo que não se muda apenas com leis igualitárias ou progressistas. Nas TI's ainda existe muito a ideia de que mulheres e tecnologias não se dão bem […].



Devo acrescentar porém, admitindo que seja excepção, que nunca me senti descriminada na minha empresa e que, da minha parte, tudo faço para que outras mulheres que lá trabalham tenham, em circunstâncias equivalentes, as mesmas oportunidades de progressão de carreira.



TeK - Que tipo de incentivos deveriam ser criados para contrariar a tendência actual?


L.G. - É difícil falar de incentivos para uma maior participação feminina no top management das empresas, em especial porque discordo de regimes obrigatórios, legislação proteccionista, quotas, etc.



Repito que antes de mais se trata de uma questão cultural com raízes muito antigas e profundas. Não é fácil ultrapassar todas estas barreiras em uma ou duas gerações e de repente aparecer a sociedade equilibrada entre homem e mulher por varinha de condão.



Obviamente a legislação produzida a este respeito em toda a Europa comunitária ao nível das relações na família e no âmbito do mercado de trabalho ajuda e muito. Mas suspeito que importantes centros de decisão ainda irão estar, por mais algum tempo, pouco acessíveis à mulher.



A liberdade de que hoje dispomos para decidir acerca da nossa vida e carreira profissional continua a ser o melhor estímulo para gerar mais e maior participação e envolvimento social e empresarial no futuro.


TeK - O mercado português de TI é demasiado estereotipado em relação aos restantes?


L.G. - O mercado português de TI não é muito diferente de outros mercados onde, por cultura e tradição, a mulher foi durante mais tempo descriminada. Não entrando por algumas ideologias mais polémicas, basta ver o que se passa em países tão tecnologicamente avançados como o Japão, onde entre tanta coisa inovadora e boa, a situação da mulher não constitui um exemplo.



Admitindo que as sociedades mais evoluídas se encontram a Norte da Europa, Portugal estará num meio termo entre as melhores e as menos más. Note-se que a forte presença universitária feminina dos últimos anos, e já com grande motivação para cursos técnicos e engenharias, reduzirá este gap e minimizará algum estereótipo ainda presente na nossa sociedade. Dominando o patamar intermédio de decisão em muitas empresas naturalmente serão crescentes as probabilidades de acesso aos níveis superiores, e julgo que isso está paulatinamente a acontecer.


TeK - As mulheres continuam a ser colocadas à margem quando estão em jogo altos cargos dentro das empresas?

L.G. - Sem dúvida que sim, basta olhar em volta e como não sou feminista admito até, com benevolência, que nem sequer seja deliberado ou intencional.



Estando os principais centros de decisão das empresas maioritariamente dominados por homens não seria natural que uma tal lógica de poder "masculino" produzisse um resultado final "feminino". Portanto a verdadeira questão está numa presença minoritária no topo, antes sequer de se falar em marginalização. Essa começa no dia a dia das relações de trabalho e nas estruturas de poder intermédio na sociedade e dentro das empresas […].



TeK - O que pensa da visão de Bruxelas, que acredita na necessidade de mudar a tendência actual de forma a mulheres acreditem mais na possibilidade de virem a obter uma carreira de sucesso se apostarem na área das TIC?

L.G. - Em primeiro lugar convém sublinhar que há aqui um problema social e de mercado que em última análise produz esta recente preocupação em atrair mulheres: a União Europeia tem hoje um défice de 300 mil profissionais de Tecnologias de Informação e Comunicação, mas a proporção de mulheres formadas em ciências da computação, que já era baixa, caiu 4 por cento nos últimos 10 anos.



Se não quiser recorrer à importação de mão-de-obra especializada de fora das suas fronteiras a U.E. tem de olhar atentamente a sua própria força de trabalho, onde por exemplo já existem 59 por cento de mulheres com algum tipo de formação superior entre as quais 19 por cento do total de licenciaturas em engenharias, incluindo Informática.



Mesmo admitindo um despertar por razões de força maior, é obviamente muito importante a nova perspectiva da Comissão Europeia - comissária Viviane Reding - acerca da presença das mulheres no mercado futuro das TI's. Tanto quanto sei, será assinado um protocolo com representantes de grandes empresas para a produção de um código europeu de melhores práticas com vista a atrair mais mulheres ao sector. Apesar de já cá estar, só me posso congratular com esta iniciativa e fazer votos para que, dentro de uns anos, casos como o meu sejam tão banais quanto hoje o são os de poder masculino em todas as áreas das TIC.



Patrícia Barreiros