O Movimento Partido Pirata Português não desistiu da intenção de se tornar um partido político e mantém as suas "bandeiras", que já tinha explicado numa entrevista ao TeK no ano passado.

Perante as novas queixas da ACAPOR, o protocolo entre o IGAC e a AFP e iniciativas internacionais que apertam o cerco à partilha de ficheiros online, o movimento voltou a responder a questões do TeK, mais uma vez em formato "colectivo".

TeK: Mantêm a intenção de se tornar um partido político à semelhança das iniciativas de outros países?

Movimento Partido Pirata Português: A intenção mantém-se. Vivemos, quer queiramos quer não, numa “partidocracia”, se queremos que importantes temas como a liberdade de expressão, o acesso à cultura ou a privacidade sejam realmente discutidos temos de ir mais além do que um movimento na Web.

TeK: Como tem decorrido a campanha e o que falta para concretizar o vosso objectivo? Com quantos “apoiantes” contam?
PPP:
Julgamos ter cumprido o nosso papel como denunciadores de situações que na nossa ausência correriam o risco de passar despercebidas a alguns Portugueses e também como fonte de divulgação de ideais que parecem esquecidos. Não é possível especificar o número de pessoas, mas os comentários e feedback das pessoas tem sido esmagadoramente positivos. Mais do que o número de apoiantes importa defender sempre as pessoas e o nosso trabalho positivo em defesa dos direitos de todos nós é o que nos vem trazendo apoiantes. O próximo passo é a formalização do partido e a campanha de rua que iniciamos recentemente com esse propósito teve até agora um balanço positivo.

TeK: Acredita que ainda vão conseguir alavancar este movimento?
PPP:
A ideia do movimento foi sempre a de se conseguir criar a estrutura para a fundação de um partido político à semelhança dos partidos piratas espalhados na Europa e continua a ser essa a razão da nossa existência enquanto movimento. É neste momento necessário que todos os que acreditam nestas bandeiras se possam unir e a partir daí se possa alavancar este movimento para a criação de um partido. O sonho é um Partido Pirata de todos e este sonho mais do que assinado precisa de ser construído por todos.

TeK: Sentem que têm conseguido fazer passar a vossa mensagem junto do público?
PPP:
Todas as nossas iniciativas foram feitas acima de tudo com esse propósito em mente e porque sabemos que como um grupo isolado não conseguiremos fazer as mudanças que pretendemos. A mensagem tem vindo a passar principalmente, para quem já e de alguma forma se identifica com as nossas bandeiras, que são bastante específicas - partilha cultural, privacidade pessoal, liberdade de expressão e transparência política - e não estão, infelizmente, na ordem do dia no Portugal de hoje. No entanto, acreditamos ter conseguido, ao longo do tempo e através das nossas iniciativas, alertar um conjunto mais diversificado de pessoas.

TeK: Nos últimos meses têm-se intensificado as acções de algumas entidades contra a cópia ilegal. Como vêm este movimento e o que têm feito em defesa das vossas “bandeiras”?
PPP:
Estas acções não se restringem apenas a entidades nacionais, aparecem também nas suas homólogas europeias, numa acção concertada para que se altere toda a realidade europeia nesta matéria. Para além disto, este lobby está a preparar a aprovação do tratado ACTA ainda este Verão. Uma vez aprovado as directivas terão de ser aplicadas, mais cedo ou mais tarde, por todos os estados membros.
No pacote do ACTA estão medidas tão arbitrárias como a política dos três avisos com o corte de acesso à Internet pela denúncia de meras suspeitas e sem apreciação prévia por um juiz. Esta última, por exemplo, é uma medida apoiada publicamente pelo CDS-PP. Sendo que o PSD já defendeu publicamente na Assembleia da República a introdução de Cavalos de Tróia nos PC de suspeitos de ilícitos criminais (incluindo portanto as suspeitas de violação de direitos de autor), de modo a os espiar.
Infelizmente, não podemos ainda defender politicamente as nossas bandeiras mas não abdicamos de o fazer no âmbito da cidadania, como aliás, já temos feito com: petições, denúncias, apelos ao activismo, apresentações públicas e saída às ruas, tentando levar estas e outras situações ao conhecimento do maior número possível de portugueses.

TeK: Vão continuar a apelar à denúncia de violação de privacidade face às queixas da ACAPOR? De que forma?
PPP:
Sim. É nosso dever denunciar o que entendemos como errado e ilegal, a ACAPOR não está acima da lei.

TeK: Acreditam que é possível chegar ao reconhecimento legal de todos os tipos de downloads, assim como à descriminalização e despenalização dos uploads sem fins comerciais ou lucrativos, ou essa é uma meta dificilmente alcançável?
PPP:
Ninguém pode oferecer uma obra sem fazer um upload tal como ninguém pode receber uma obra sem fazer um download, a partilha é isso mesmo: dar e receber. Esses termos são portanto, para nós, meramente técnicos e indissociáveis no nosso contexto, a legalidade deve abranger ambos de igual modo.
Este é provavelmente o único ponto que temos em comum com os lobbies das indústrias, visto que também elas pretendem intervir nestas áreas da mesma forma mas com propósitos contrários. Quanto à dificuldade, tudo dependerá do respeito que os partidos políticos tenham para com os cidadãos e os seus direitos e na resistência que demonstrem face a estes lobbies que neste momento e tendo em conta as recentes notícias não parece ser muita. Quanto a nós, tudo faremos para que o direito de acesso à cultura seja protegido.

TeK: Na prática como se poderia fazer a distinção entre a utilização para fins comerciais e não comerciais?
PPP:
Se quem distribui é pago por isso, ou se quem quer receber tem de pagar por isso há uma óbvia utilização para fins comerciais. Se não há valores monetários envolvidos na partilha, obviamente não é um uso comercial. No entanto, todos os sites na Internet, sejam eles de partilha ou não, têm custos de funcionamento e para esse propósito específico não deve haver objecção pois isso significaria uma impossibilidade de funcionamento.
Na prática, um método aceitável para suportar estes custos seria a presença de publicidade. Por outro lado, um site que limite ou discrimine o acesso aos conteúdos baseando-se na disponibilidade financeira de quem pretende aceder a esses conteúdos, vai contra os princípios de uma cultura aberta que defendemos.

TeK: E, nesta situação, qual seria a forma que propunham de remuneração dos artistas e produtores de conteúdos para continuarem a criar obras originais?
PPP:
Na música, em todos os países europeus e mesmo antes de qualquer lei específica anti-pirataria como a HADOPI de França, o que se tem verificado é que a quebra de vendas em suporte físico tem sido compensada em boa medida pelas vendas de música em suporte digital, este facto apenas não se constatou em Portugal, onde a Associação Fonográfica Portuguesa e seus associados, ao invés de investir neste novo meio, parecem ter preferido, ao longo de todo este tempo, utilizar a totalidade dos seus recursos a processar cidadãos portugueses e montar todo o tipo de esquemas de intimidação.
É portanto errado concluir que a partilha significa o fim da venda de música, significa apenas que o modelo de negócio precisa de mudar e inovar. A verdade é que, quem o pode fazer, não se importa de pagar por música de artistas de que gosta, mesmo sabendo que na conjuntura actual apenas uma pequena percentagem do valor pago vai efectivamente para os artistas, muitas vezes com contratos que lhes são muito pouco favoráveis.
Por esta razão e não pela partilha, os músicos já estão, como sempre estiveram, a explorar activamente a sua principal forma de remuneração: a realização de espectáculos ao vivo para os seus fãs, onde a energia especial entre o artista e o seu público transforma o momento numa experiência impossível de replicar.
Fora de Portugal, alguns artistas, já financeiramente independentes das editoras, e vendo que estas estavam a desperdiçar as oportunidades que a Internet lhes proporcionou, dão exemplos à industria de como gerir esta nova realidade.
Percebem que a chave está na valorização do produto e no corte de alguns intermediários que com a Internet se tornaram desnecessários, criam os seus próprios meios de distribuição e divulgação pela Internet, fazendo valer pela diversificação de formatos, sejam eles rígidos como o vinil e CD ou digitais como os MP3, WAV ou FLAC e adicionando todo o tipo de bónus aos produtos, como artwork e edições de coleccionador. Com isto conseguem diversificar os preços da própria música consoante o formato e os vários acrescentos, optando inclusive em alguns casos, por oferecer a música quando em formato não bonificado.
O cinema, cujo verdadeiro espectáculo é a experiência insubstituível de um grande ecrã, já está a encontrar formas diferentes de apresentar o conteúdo, como o 3D. O merchandising tradicional, o embedded marketing, etc. A imaginação é o limite e os exemplos de sucesso, não só no mercado áudio mas também no de software, são de mais para os referirmos a todos sucintamente.
Caberá no entanto às próprias indústrias e não a nós, olhar para estes e outros exemplos e encontrar o seu caminho, a nós cabe-nos garantir que esse caminho não se sobrepõe aos direitos dos cidadãos. A única certeza é que o sucesso de qualquer modelo estará sempre e acima de tudo, na valorização e protecção de experiências pessoais e intransmissíveis baseadas na ligação especial entre a arte, os artistas e os seus fãs.

TeK: Em relação ao protocolo entre o IGAC e a AFP, que sugere a possibilidade de criação de “armadilhas” para quem faz downloads de conteúdos protegidos por direito de autor, têm conhecimento de casos específicos?
PPP:
Se de facto a IGAC der seguimento a esse procedimento tais casos serão conhecidos, uma vez que o protocolo assinado implica a sua divulgação ostensiva aos meios de comunicação social como que para servirem de exemplo e aviso, muito ao estilo dos Pelourinhos na idade média, onde se expunham os “condenados”.

TeK: Este tipo de acções são criticadas também a nível internacional. Que papel podem ter as entidades nacionais de defesa dos direitos e da privacidade para impedir este tipo de acções pouco transparentes?
PPP:
Basta que, perante uma qualquer acusação obtida por estes meios, se aplique a lei, que indiscutivelmente considera esta táctica um procedimento ilegal, e se declarem inválidas todas as informações obtidas dessa forma, condenando os responsáveis por estas acções de práticas ilegais lesivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Fátima Caçador