Desde cedo que o estúdio britânico Media Molecule descobriu que dar aos jogadores as mesmas ferramentas que utiliza na criação dos seus jogos seria uma forma de fazer crescer a comunidade. LittleBigPlanet foi um sucesso devido à quantidade “infinita” de conteúdos criados pelos próprios jogadores, uma fórmula que a própria Nintendo também viria a introduzir com sucesso em Mario maker.
Enquanto que o jogo anterior oferecia ferramentas com grande liberdade de criação de géneros, era fácil identificar como “algo feito em torno do universo de Sackboy e amigos”, pela direção artística bem patente aos jogos de plataformas criados pelo estúdio. Já Dreams é a experiência, literalmente de sonho que o estúdio ofereceu aos jogadores, baseado na mesma filosofia: o estúdio apresenta as ferramentas, oferece a sua própria história como exemplo do que é possível criar, e a bola é passada à comunidade para criar tudo aquilo que alguma vez sonhou.
O resultado dos trabalhos é a criação de experiências únicas, e mesmo as inspirações e homenagens são tão bem recriadas, que se torna mais difícil distinguir o que é o original e o que foi feito em Dreams. E exemplo disso foi a replicação de parte dos cenários apresentados pela Epic Games na demo tecnológica para a PS5. Se procurar pela internet há uma versão de Dreams incrível. E o mesmo para o recente lançamento Ghost of Tsushima, já há quem produza a experiência do jogo em Dreams.
O que faltava mesmo era mostrar como adaptar o poderoso editor a um ambiente de realidade virtual, neste caso para o sistema PlayStation VR. David Smith, cofundador da Media Molecule e diretor técnico do estúdio, explicou ao SAPO TEK que o suporte VR estava planeado desde o lançamento inicial. “Lembro-me há cinco ou seis anos, quando fizemos os primeiros protótipos de Dreams, usámos os comandos do Move para esculpir os cenários em 3D. Usámos também televisões 3D para ver os efeitos, visto que ainda não havia óculos VR, mas sabíamos que a realidade virtual era a melhor forma de interagir”.
O facto das ferramentas do toolset serem tridimensionais ajudou a tornar algo natural na transição para o VR. “O suporte a realidade virtual estava planeado desde o lançamento do jogo, mas Dreams é tão grande e temos tantas ambições, e depois de tantos anos a produzi-lo, queremos esperar mais seis ou 12 meses para lançar o jogo, à espera de que terminássemos a componente VR? A comunidade estava pronta para receber o que tínhamos na altura, por isso deixamos o lançamento do suporte VR para mais tarde”.
Relativamente às mudanças que tiveram de ser feitas, o criador refere que a forma como as coisas aparecem no ecrã tiveram de ser arrumadas, nomeadamente a profundidade com que aparece o texto. “Pegámos nos níveis já lançados e fizemos algumas afinações para que trabalhem melhor em VR. Mas também queríamos garantir que não estávamos a começar do zero, sobretudo nos níveis com melhor performance de FPS, prepará-los para serem consumidos em VR”.
A introdução da componente realidade virtual será acompanhado de novo conteúdo, que o estúdio chamou de Inside the Box. Este engloba níveis para mostrar à comunidade como funciona o VR, assim como assegurar que as ferramentas disponíveis para as criações estão afinadas. O Inside the Box é um espaço virtual que os jogadores podem explorar, semelhante ao Art’s Gallery, um HUB de acesso a diferentes experiências e jogos. “Temos por exemplo, um campo de tiro, que no fundo tem diversas experiências semelhantes aos jogos de ação, um género que nunca foi fácil recriar em Dreams. Neste caso adicionámos uma funcionalidade que permite fazer tracking à cabeça e às mãos, possibilitando adicionar armas e outras coisas”.
Outras experiências contidas no Inside the Box passam por puzzles baseados em elementos físicos, interativos com os comandos, oferecendo maiores sensações tácteis. Há ainda um nível de plataformas para mostrar posicionamentos de câmara. No entanto, a maioria dos conteúdos poderão ser jogados também sem ser em VR. “Obviamente que em VR é a melhor forma de experienciar estes novos conteúdos. Poderíamos ir mais longe e criar apenas conteúdos para VR, mas preferimos ficar no meio, para que todos possam desfrutar das novidades”.
O estúdio está confiante de que a comunidade vai abraçar esta nova versão do jogo, “porque é algo que estão sempre a perguntar-nos”. A visão da Media Molecule para Dreams é que os utilizadores pensem numa ideia, ou literalmente num sonho, a retire da sua cabeça e envie para a nossa. Mas em Dreams VR, não quer que apareçam coisas giras no ecrã, deseja que os jogadores estejam mesmo lá. “Não é encontrar a próxima coisa para disparar, mas sim a beleza do espaço, dos visuais e do som”.
Infelizmente o modo campanha original do jogo, o Sonho do Art, não será jogável em realidade virtual. “Nos testes foi possível jogar sim, mas para ser honesto, estávamos a puxar pelos limites do framerate, por isso, como não oferecia a qualidade e performance que queríamos, deixamos de fora. Podíamos fazer um downgrade, mas isso era fazer batota. Porque as mesmas regras que se aplicam à comunidade, aplicam-se a nós, as ferramentas são as mesmas. E tudo o que lançamos tem de ter a maior qualidade possível”.
David Smith refere que muitas coisas construídas em VR funcionam também no modo normal, ou melhor, certas coisas funcionam melhor em normal depois de serem testadas e afinadas em VR, explica. “Há muitas ferramentas avançadas para os criadores que queiram mergulhar mesmo a fundo. Mas também temos de ter algo para aqueles produtores de conteúdo de nível médio que não se preocupam com tantos detalhes. O importante é ter ferramentas para todo o tipo de criações”.
E colocada a questão sobre se os trabalhos feitos pelos utilizadores seriam agora fáceis de converter ao VR, David Smith afirma que esse foi um foco especial do seu trabalho. “Durante os testes das ferramentas, pegámos nos 500 ou mil níveis do topo do ranking e jogámo-los em VR. Estes nunca foram desenhados para VR e fomos pensando em como mudar os defaults e atualizar as coisas? A maioria vai funcionar quase automaticamente. Alguns não vão estar perfeitos em VR e outros vão ser estranhos porque não foram pensados, por exemplo, nos movimentos da cabeça ou a sua escala está errada. Mas no geral, a maioria dos criadores não vai ter de alterar muito as suas criações para funcionarem em realidade virtual”.
David Smith destaca em termos de ferramentas, que não foram introduzidas coisas significantes para VR, a preocupação foi afinar as existentes para trabalhar em realidade virtual. “Mas algo interessante que descobrimos, é que algumas dessas ferramentas parecem terem sido feitos para VR. Por exemplo, esculpir ou a colocação de certos objetos num espaço tridimensional, apesar de serem organicamente ligados aos analógicos de um DualShock 4, quando entramos em VR, os Move é a melhor forma de os trabalhar”, salienta. Afirma ainda que a melhor maneira de trabalhar é ir alternando entre os dois sistemas de controlo, assim como de perspetivas, entre o VR e normal.
Com a introdução de conteúdos VR, o estúdio apresenta ainda um novo selo adicionado à classificação de níveis, para Conforto VR. Ou seja, para que os jogadores mais sensíveis classifiquem a sua experiência pessoal para outros utilizadores. “Os criadores não têm noção da sensibilidade de cada um, por isso estão sempre dependentes do feedback de terceiros”.
A atualização Dreams Inside the Box já se encontra disponível gratuitamente na PlayStation 4, para quem adquiriu o jogo original.
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