Fazer chegar humanos a Marte é um desejo cada vez mais próximo de ser concretizado, mas a viagem ao planeta vermelho que a NASA e a ESA ambicionam há muito, e que Elon Musk com a sua SpaceX está a concretizar, é precedida de uma série de testes em Terra. Entre eles as chamadas missões análogas, que projetam "por cá" as condições marcianas, para conduzir uma série de experiências em diferentes áreas e com diferentes objetivos. Nas missões análogas há “astronautas análogos” e João Lousada é um deles.

Selecionado entre 100 candidatos, e depois de ter feito mais de 600 testes, o português de 29 anos que trabalha para a GMV como controlador de situações de emergência do módulo Columbus, da Estação Espacial Internacional, ainda não chegou a sair do planeta azul (embora não se importasse), mas é dos poucos que já vestiu o fato que pesará cerca de 50Kg aos primeiros astronautas que irão pisar o planeta vermelho. Tudo aconteceu na missão AMADEE-18, que decorreu em fevereiro no deserto de Dhofar, em Omã.

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Este género de missões de simulação acontece, normalmente, com um intervalo de dois anos, com o objetivo de testar vários procedimentos em áreas diversas, como a engenharia, astrobiologia, geofísica e geologia, ciências da vida e outras disciplinas, para preparar as futuras missões humanas a Marte. Para 2020 já está em preparação uma nova, que em principio irá realizar-se na Península Arábica.

Nesta, no “terreno” e em isolamento, estavam mais cinco astronautas análogos além de João Lousada, munidos de "ferramentas" como um drone, rovers e um viveiro insuflável - onde existia uma impressora 3D que muito jeito deu para construir peças de substituição onde as partículas de pó fino teimaram em entrar. Outra equipa trabalhava no Centro de Suporte da Missão (MSC), a partir de Innsbruck, na Áustria, com um atraso de sinal de comunicação de 10 minutos, simulando assim aquilo que será real entre Marte e a Terra.

A rotina estava pré-definida, com tarefas e horários para cumprir. O dia de trabalho tinha normalmente 12 horas: das nove da manhã, às nove da noite, ficando oito horas reservadas para dormir. Mas isso era quando corria tudo como previsto. “Tivemos temperaturas muito mais altas do que é habitual para aquela altura do ano naquela região então fomos obrigados a adiar determinadas atividades mais para o final da tarde”, contou João Lousada ao SAPO TEK.

“Usava sempre óculos de sol, mas por vezes as tarefas resvalavam para o fim do dia e usar óculos de sol quando escurece já não dá tanto jeito, certo? Só que não podia tirá-los porque tinha o capacete…”

As tempestades de areia, embora esperadas - e até necessárias para testar as reais condições marcianas - também não facilitaram. “As tempestades de areia impossibilitavam as tarefas no exterior, então no último dia tínhamos o trabalho de três dias para fazer. Não foi fácil, mas no fim conseguimos os dados que queríamos”.

Tecnicamente, o engenheiro aeroespacial diz que o mais complicado de estar um mês isolado como astronauta numa “Marte em Terra” foi lidar com o pó fino, que também existe na superfície marciana, “que entra em todo o lado, por muito cuidado que tenhamos: dentro do fato, nas juntas mecânicas dos robots... É algo que vai ser preciso muita atenção em Marte”. Pessoalmente é estar longe da família e dos amigos, com os tais 10 minutos de delay. Por outro lado, são eles com o seu apoio que também contribuem para que tudo seja mais suportável.

“O mais difícil para os primeiros humanos que forem a Marte será, provavelmente, a viagem de regresso. São seis a oito meses em que as tarefas são mais de monitorização e manutenção e poderá haver algum aborrecimento e perda de motivação”

João Lousada ainda não saiu do planeta azul, mas gostava, não escondendo que ser astronauta é um sonho de menino. O título de astronauta análogo e os conhecimentos adquiridos para, nem que seja, prestar apoio a quem vá até Marte, já ninguém lhe tira. “Se depender de mim, concorro e espero ser selecionado”, referiu quanto à hipótese da ESA abrir concurso para uma nova turma de astronautas, “mas não é nada que defina a minha vida”.

Além de mais missões AMADEE, se não for astronauta "a sério" João Lousada tem sempre a hipótese de fazer turismo espacial. “É uma nova área com muito potencial e, com as melhorias da tecnologia, vai ficar mais económica”. O engenheiro aeroespacial da GMV acredita que, à medida que o tempo for avançando, os preços vão baixar e será no futuro uma experiência “mais como quem salta de paraquedas ou desce um rio de caiaque”.

Ir a Marte, mas com cuidado

Existem diferentes conceitos para chegar a Marte: enviar o habitat e restante material antes, numa órbita mais demorada, mas traz algumas dificuldades porque a aterragem não será propriamente fácil e pode não acontecer no local planeado. Quando os humanos forem, poderá haver um “desencontro” e ficarem demasiado longe dos recursos, o que dificultaria a missão.

Do ponto de vista da engenharia também é possível ir tudo ao mesmo tempo, “mas aí a missão será mais pesada, mais complexa, mais difícil”. E também há a hipótese de se poupar no combustível, se a viagem for só de ida…

“A partir do momento em que nasça a primeira pessoa em Marte vamos passar a ter o planeta no passaporte. Acho que surgirá uma sociedade com uma cultura própria. Será interessante ter esta dualidade entre Marte e a Terra”

Para João Lousada, há que avaliar o risco e ver qual o melhor conceito. Enviar o equipamento antes e depois tentar encontrar esse equipamento na superfície e verificar as suas condições é algo que ainda não foi testado, por isso defende que a hipótese mais viável poderá ser um sistema semelhante ao que foi feito com a Lua, “uma parte que ficará em órbitra de Marte, uma parte que aterrará e que depois descolará”.

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