Os computadores desktop, nomeadamente as torres que utilizamos nas secretárias, são máquinas modulares, que permitem atualizações constantes em praticamente todos os componentes. Pode mudar-se a motherboard, sistemas de refrigeração, processadores, placas gráficas, memórias, unidades de leitura, por isso é possível construir de raiz um computador adaptado às nossas necessidades. Já o conceito não se aplica à maioria dos computadores portáteis, que quanto muito, na sua grande maioria, possibilita a atualização de memórias e discos.
A ideia de sistemas modelares é antiga, sobretudo nos smartphones, mas limitada a algumas propostas que nunca receberam muita tração. E, se antes praticamente qualquer modelo da Nokia permitia a substituição da bateria, na atualidade são muitos poucos os equipamentos que oferecem essa possibilidade. É preciso olhar para 2008 quando a startup Modu criou capas especiais para um smartphone que lhe adicionava novas funcionalidades, incluindo um teclado ou câmara, cujas patentes acabaram nas mãos da Google. A Motorola também introduziu algumas ideias de módulos na sua série Z, nomeadamente uma bateria extra, modem 5G, impressora de fotografia, etc.
Ainda no que diz respeito a smartphones, o mais popular equipamento modular é certamente o FairPhone 2, que tinha como filosofia a fácil reparação por parte dos utilizadores. Foi vendido entre 2015 e 2018, e utilizava materiais recicláveis. Foi provavelmente o único a receber um 10/10 na escala de reparabilidade da iFixit, e consistia em 7 partes removíveis, desde o chassis, bateria, ecrã, módulo de câmara traseira e frontal, entre outros.
Apesar do conceito da reparação e substituição dos seus componentes ser idealizado para durar mais anos que qualquer outro equipamento convencional, a rapidez com que os processadores são atualizados, praticamente numa base anual, tornam difícil a adaptação e rápida adoção. E claro, o custo dos módulos tornaram-no um equipamento caro, quase o dobro de um equivalente normal, e a margem de lucro para a fabricante era bastante baixa. E como tal, há algum tempo que não surgem propostas sonantes de smartphones modulares.
Depois dos smartphones há um computador portátil modular
A indústria dos computadores pretende recuperar esse conceito modular e a Framework tem um portátil prestes a chegar ao mercado que bebe dessa mesma filosofia, de que os produtos de eletrónica de consumo devem ser desenhados para durar. O SAPO TEK já tinha noticiado o projeto dessa startup de São Francisco, criada em 2019, que tem como objetivo permitir aos utilizadores personalizar os seus produtos. Mas tem como missão garantir que os computadores possam ser melhorados e reparados para uma maior longevidade na sua vida útil. Há um pensamento ecológico nas raízes da empresa, que pretende contribuir na redução de lixo eletrónico.
Para conhecer melhor o projeto do laptop modelar, o primeiro modelo com um ecrã de 13,5 polegadas, direcionado ao segmento da produtividade, o SAPO TEK falou com o fundador da Framework, Nirav Patel.
Questionado sobre a inspiração para um computador modular, Nirav Patel diz que tudo partiu da observação da quantidade, sem sentido, do lixo gerado pela eletrónica de consumo no decurso de uma década na Apple e a Oculus/Facebook. “A natureza da vida curta da eletrónica de consumo tanto é mau para os consumidores como para o ambiente, mas também não é bom para as empresas também. Estão presas numa constante corrida na produção de produtos descartáveis e a tentar não aumentar o volume”.
O líder da Framework considera que isto não pode ser o modelo de negócio para todos operarem, e que deveria de haver uma forma de alinhar os incentivos em torno da longevidade, e fazer isso funcionar para os consumidores, para o planeta e para as empresas. E isso incentivou-o a começar a Framework, de forma a provar o melhor modelo ao construir grandes produtos com isso.
A empresa conta com a parceria com diferentes fabricantes, “incluindo algumas das melhores produtoras de peças e sistemas para outras grandes marcas de notebooks”.
E o seu primeiro produto é o Framework Laptop, um modelo com um ecrã de 13,5 polegadas, direcionado à produtividade. O computador pretende ser leve e fino, procurando uma performance elevada, mas como referido, altamente personalizável e reparável, de uma forma original.
Antes das características que o distingue, no seu interior pode encontrar um processador Intel Core de 11ª geração e como é modelar pode optar por memória até 64 GB de RAM e SSD Gen4 NVMe de 4 TB ou mais, se necessário. A própria webcam procura distinguir-se, com um módulo capaz de debitar 60 FPS a uma resolução de 1080p. Suporta ainda ligações Wi-fi 6E.
O portátil Framework tem um chassis construído em alumínio, com 15,85 mm e um peso de 1,3 kg. O seu ecrã de 13,5 polegadas apresenta um rácio de 3:2 e uma resolução máxima de 2256x1504. Tem uma bateria de 55 Wh e um teclado com teclas de 1,5 mm.
Slots disponíveis para os módulos
Relativamente aos módulos que pode trocar facilmente, o portátil oferece um sistema de expansão de cartões, anulando desta forma a necessidade de utilizar adaptadores. Ou seja, os utilizadores escolhem exatamente as portas que desejam e em que lado lhes dá mais jeito. Tem quatro espaços para estes módulos, permitindo escolher entre USB-C, USB-A, HDMI, DisplayPort, MicroSD, armazenamento ultrarrápido ou amplificador de headphones.
Nirav Patel explica que todas as placas de expansão são basicamente plug and play, mas para os módulos internos, os utilizadores devem desligar obviamente o sistema, antes de aceder ao seu interior. E para garantir os componentes, a empresa conta com a parceria com diferentes fabricantes, “incluindo algumas das melhores produtoras de peças e sistemas para outras grandes marcas de notebooks”. Refere ainda que a motherboard e o chassis são personalizados, mas a empresa teve oportunidade de utilizar alguns dos módulos comuns do mercado, tais como memórias e armazenamento.
O Framework terá dois conceitos: um sistema pré-construído, e uma DIY Edition, que passa por um kit de módulos que os utilizadores podem simplesmente montar. E a empresa tem já um longo planeamento para novos módulos, a serem introduzidos no futuro, a serem desenvolvidos para o portátil Framework, tais como novas expansões para placas, teclados de diferentes línguas, molduras com tons distintos.
Para já, os planos da empresa passam por começar a enviar os computadores para os seus clientes nos Estados Unidos e Canadá, a começar no verão, esperando adicionar outros países no final do ano. A Framework está interessada em saber a opinião dos utilizadores e até já abriu um espaço para a comunidade discutir ideias.
O seu fundador garante que “não vai pedir aos utilizadores para pagar um valor premium pela longevidade”.
E apesar de pensar que este conceito de computadores é do agrado dos consumidores, resultando em bons produtos, outras empresas podem também querer entrar no conceito. Mas ao mesmo tempo, consegue compreender que grandes marcas de portáteis podem não querer que os seus produtos durem assim tanto tempo…
Apesar da Framework ainda não ter dado a conhecer os preços ou a forma de monetização dos seus componentes, o seu fundador garante que “não vai pedir aos utilizadores para pagar um valor premium pela longevidade”. A empresa está focada em alinhar os incentivos em torno da longevidade entre os consumidores e o seu modelo de negócio. “Estamos a trabalhar para que as pessoas fiquem no produto o tempo que quiserem através do sistema de atualizações e acesso aos componentes de substituição para o seu portátil, em vez de necessitarem comprar outro novo”, explica Nirav Patel.
Abertura à comunidade e Marketplace disponível
Se o consumidor beneficia dessa longevidade, também a startup, porque estabelece uma relação económica a longo termo, em vez de vender apenas um aparelho ao mesmo. “Isso leva, em última análise, a um ecossistema onde temos não apenas nós e os nossos consumidores, como também outras empresas externas que queiram participar. Gerir um ecossistema saudável com uma network funcional é um grande lugar para estarmos, como uma empresa”.
Apesar de estar a explorar os benéficos de uma composição modular e focada na construção do respetivo ecossistema em torno do portátil Framework, a empresa acredita que este modelo de negócio possa ser interessante para outras categorias de produtos eletrónicos, nomeadamente os smartphones e os tablets. “São áreas que vamos explorar e anunciar no futuro”, salienta o fundador da empresa.
Explicando melhor a sua comunidade aberta de parceiros, que têm a porta aberta para contribuir com novos módulos para o seu Marketplace, mesmo que não tenham sido pensados pela Framework, a empresa está a publicar referências abertas a terceiros. Estes vão poder desenvolver os seus próprios cartões de expansão. Os utilizadores podem procurar no Marketplace novos componentes para os seus computadores. Ainda assim, Nirav Patel disse que não podia ainda anunciar nenhum parceiro, deixando essa questão para mais próximo do lançamento.
Para terminar, Nirav Patel deixa uma mensagem ecológica sobre os seus produtos, aspeto que fica cada vez melhor na estratégia das empresas tecnológicas. “Acreditamos que estender a vida dos produtos eletrónicos é a melhor maneira de reduzir o seu impacto ambiental. Utilizamos materiais reciclados e recicláveis sempre que podemos”, diz o dono da empresa, acrescentando que o seu alumínio é 50% reciclado de produtos de consumo, e os seus plásticos são de 30%. As embalagens foram construídas totalmente com materiais reciclados.
Não deixa de ser curioso o sistema modular do portátil Framework e abertura à introdução de módulos a terceiros pode incentivar à criação de ideias interessantes, provavelmente “fora da caixa”. Tudo vai depender do preço do computador e módulos, e se a empresa terá a capacidade para manter o produto ao longo dos anos, de forma a alicerçar o conceito. Certamente que os legisladores ambientais vão agradecer a iniciativa e visão ecológica.
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