Nick Bostrom falou à Lusa a propósito do seu último livro Utopia Profunda ("Deep Utopia"), publicado em português, no qual aborda a ideia de um futuro hipotético onde tecnologias avançadas como a inteligência artificial (IA) resolveram todos os principais problemas da humanidade.

Questionado como definiria o mundo neste momento, já que se assiste a tensões geopolíticas e uma crescente tendência para a autocracia, polarização e aumento da desinformação, o professor na Universidade de Oxford responde recorrendo à imagética.

"Diria que a humanidade está de certa maneira nas costas de um touro, que está a contorcer-se a pular, e estamos a tentar segurar-nos para salvar as nossas vidas e é como se o ritmo disso estivesse a intensificar-se", ilustra Bostrom.

"Temos armas nucleares, temos a Internet, temos as redes sociais e temos avanços na biologia sintética que podem democratizar a destruição em massa (...), é como se estivéssemos a chegar a algum tipo de clímax onde algo será resolvido ou seremos jogados fora ou chegaremos onde podemos entregar as rédeas, talvez alinhar superinteligência que, esperançosamente, possa resolver" as coisas, reflete.

Mas a atual situação "em que estamos não me parece muito estável, é como se não pudesse continuar por muito mais tempo assim, algo tem que ceder", refere o académico.

Além disso, é "um pouco triste" o mundo estar a viver "este período mais memorável de toda a história humana" e "nem queremos perceber o que está a acontecer", lamenta, considerando que é como se as pessoas estivessem presas as últimas coisas da política ou de celebridades, incapazes de ver o que está a acontecer à volta.

"Como se estivéssemos meio alheados a isso, vivemos nas nossas pequenas bolhas que estão apenas preocupadas com o trivial", aponta o académico e filósofo. "O meu ponto é que o que está a acontecer atualmente é invisível para a maioria das pessoas e essa é uma perspetiva filosófica", admite.

Questionado sobre qual a sua maior preocupação enquanto cidadão europeu, Bostrom aponta que "não é a maior", mas que em termos de IA, a Europa "não está tão desperta" para o seu desenvolvimento como os Estados Unidos e a China.

Os Estados Unidos tiveram, nos últimos anos, "uma série de iniciativas" e agora estão a ver isso "como uma chave para segurança nacional e prosperidade económica" querendo controlar a cadeia de fornecimento de chips de IA. Washington restringiu as exportações de chips de IA com o objetivo de limitar o acesso a esta tecnologia por países como a China e a Rússia.

"Isso levou a uma série de iniciativas para restringir a exportação de chips da Nvidia e outras tecnologias relacionadas para a China e agora estão a começar a limitar para a maioria de outros países também", ou seja, dividiram o mundo em três níveis de acesso limitado, prossegue Nick Bostrom.

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Por outro lado, a China está a investir fortemente "na tentativa de contornar esses planos sobre os chips e desenvolver os seus".

No caso da Europa, esta seguiu a ideia: "Talvez pudéssemos regular algumas coisas", apesar de não ter centros de dados massivos na região.

"A Europa ainda tem algumas moedas de troca como a ASML na Holanda, especializada no desenvolvimento e fabrico de máquinas de fotolitografia usadas para produzir chips de ponta", pelo que "há algum poder por ter um grande mercado".

"Não sei qual é a resposta certa para essas grandes coisas geopolíticas, de qualquer forma é impressionante como a Europa é passiva. Se olhar para todas as grandes empresas de tecnologia", estas estão nos Estados Unidos e China.

"É como se não houvesse nenhuma fome real, ambição, busca por glória ou determinação para permanecer no centro dos eventos, como se parecesse um pouco como se a Europa estivesse contente em ser uma espécie de 'vila de aposentados agradável', o que não é a pior coisa", pior "há muitas coisas piores como países que andam por aí a causar problemas para outros países", conclui.