O investimento ou aquisição de pequenos estúdios por grupos maiores é um processo que poderá ser complexo, demorar tempo e ser um verdadeiro “choque” de culturas. Nesta sessão da BIG Festival, algumas dos estúdios de videojogos do Brasil que participaram em aquisições ou levantamentos de investimento explicaram à audiência todo o processo, muitas vezes moroso e desafiante. Uma sessão onde participou Ronaldo Cruz e Jeferson Valadares, da Fortis Games, este segundo que também é presidente da associação de produtores de videojogos em Portugal, Sandro Manfredini da Aquiris, Rafael Costa da Monomyto e Rodrigo Carneiro da PUGA Studios.
Nem sempre o investimento é uma coisa boa e começam os desafios, começou como provocação a pergunta lançada ao painel. Rodrigo Carneiro disse que a sua PUGA Studios está a ser adquirida por uma empresa ucraniana, uma negociação que dura desde o final de 2021. Salienta o trabalho intenso, sobretudo agora num cenário de invasão da Rússia ao país, mas que está a correr bem. Ronaldo Cruz diz que receber uma ronda de investimento não se trata de algo simples, porque pode haver um encaixe lógico entre as empresas, e o momento pode não ser ideal para o estúdio. Há momentos de frustração para encontrar a “tampa da panela" da certa.
Veja na galeria imagens do BIG Festival Brasil:
Jefferson Valadares, igualmente envolvido no processo de aquisição da Doppio pela Fortis, diz que hoje em dia é mais fácil a fusão de empresas, mas que é necessário tentar compreender o que quer fazer e onde chegar, assim como os seus objetivos. Depois é encontrar a empresa certa que preencha todos os requisitos do estúdio. Rafael Costa diz que a sua Monomyto percebeu, em meados de 2020, que era tempo de encontrar um parceiro, havendo vários pretendentes. Os seus produtos multijogador preenchiam os requisitos da empresa que acabou por a adquirir. Diz que o processo foi tranquilo, mas a burocracia demorou cerca de um ano a concluir, havendo um contacto muito próximo entre as partes para evitar “ruídos” exteriores desmoralizantes. A cultura do estúdio não foi alterado e aprendeu bastante com a empresa que a adquiriu.
Sandro Manfredini diz que participou num ciclo de investimentos em 2021, o que acabou por acontecer em abril deste ano o investimento de Epic Games na sua Aquiris. O reconhecimento dos videojogos como um produto a levar a sério e a receber interesse de investimento das empresas foi o trabalho conjunto e isso nota-se no próprio festival que já tem 10 anos a mostrar a qualidade do que se faz no Brasil. "Pode-se contar em duas mãos as venture capitals que investiram no país", destaca. Refere ainda que a última década foi bastante boa para os estúdios do Brasil, que começaram a mostrar a sua qualidade. Jefferson Valadares diz o desafio era elevado, com muita gente a trabalhar sozinha quando começou na indústria em 2000. “No começo não havia nada e ninguém sabia fazer nada. Falar com os investidores obrigava a aprender os processos”. Havia um fundo esporádico, mas nos últimos 10 anos há novas opções de financiamento e de forma mais organizada.
E qual é o ponto de ligação para todas as partes? A cultura, segundo o responsável da PUGA, foi o mais importante. Os investidores ficaram surpreendidos pela estrutura e cultura do pequeno estúdio, que no fundo, apesar de uma estar na Ucrânia e a outra no Brasil revelaram-se muito compatíveis. E isso foi muito importante, nas palavras do developer, a capacidade de enraizamento cultural entre as pessoas de dois mundos diferentes.
A independência dos estúdios adquiridos acaba por ser limitada. Ronaldo Cruz diz que o seu estúdio, quando recebeu o investimento, mantinha a importância da sua cultura, a estrutura e a equipa original. Foi preciso encontrar um modelo de negócio para gerar receitas para manter a equipa e o desejo de continuar a fazer as suas produções. Isso foi importante para fechar o negócio de aquisição com a Fortis. Rodrigo Carneiro diz que tem uma nova camada com a aquisição, mas também uma nova responsabilidade e integração com outras empresas do grupo. O seu último jogo tem elementos de Web 3.0 que foram introduzidos por outra empresa da mesma família.
A aquisição de uma empresa é como começar a aprender com o irmão mais velho, com mais experiência, que tem muita coisa a dar ao estúdio. A sinergia de tecnologia é o exemplo mais claro, mas também o braço de publishing acabam por ser mais importantes que o próprio dinheiro encaixado na aquisição, salientou um dos produtores do painel.
“Quando se pede dinheiro é preciso dizer o que se vai fazer com ele”, disse Jeferson Valadares, adicionando assim mais responsabilidade aos estúdios. Acrescenta que os investidores estão sempre à procura de algo à boleia das tendências: seja a internet, depois o VR e no ano passado foram os criptoativos. “Na maior parte das reuniões de investimento, sempre me pediam algo de blockchain nos projetos que estávamos a desenvolver e se dissesse que sim, a probabilidade de levantar mais dinheiro era maior”. Explica que um investimento é receber dinheiro para ajudar no que estão a fazer, uma aquisição é tomar conta do negócio do estúdio.
Nas conversas que teve com os investidores, Rodrigo Carneiro diz que o treino de pessoas para expandir o estúdio foi também importante. “Sem pessoas não há clientes”, afirma o que o seu estúdio está a fazer.
Ronaldo Cruz disse que nos últimos anos as coisas têm acontecido com sucesso, mas desejaria que os processos fossem mais rápidos de concluir. Ainda se perde muito o foco, porque muitos investidores acabam por ficar dececionados com o potencial dos estúdios. As etapas de investimento são lentas, embora acabem por acontecer, mas com muito trabalho.
Para acelerar a evolução, Sandro Manfredini diz que nos próximos anos vai haver mais aquisições. “Quanto mais empresas chegarem, muitas outras vão abrir os olhos para o que está a acontecer”, refere o efeito de bola de neve. Jeferson Valadares chama o exemplo da Finlândia onde viveu muitos anos, afirmando que muitas empresas também começaram assim, até que uma Rovio descolou e alavancou toda a indústria de videojogos do país.
No Brasil, falou-se na cultura de entreajuda, “o inimigo está lá fora e não internamente”, e por isso, quando uma empresa ganha, todas acabam por beneficiar desse momento. A resiliência dos estúdios brasileiros, nos momentos mais difíceis da economia, é outro aspeto que chamou a atenção dos investidores. A análise dos parceiros, naquilo que conseguem fazer quando se coloca dinheiro na mesa, é um ponto considerado também. Por isso, a transparência é necessária na hora de fechar acordos.
O que não dá para “abrir a mão” na hora de fechar um negócio? Rafael Costa diz que o objetivo é vender o que estão a fazer, mas não se trata apenas do dinheiro e não prescinde a cultura do estúdio, assim como a forma como gostaria de estar com a sua empresa no mercado. Aceita opiniões, mas ter a capacidade de voltar às suas origens é importante para si. Jeferson Valadares diz que os investidores procuram produtos específicos e se não tiver um produto que encaixe, dificilmente vai obter fundos, nada é pessoal. Manter os princípios das empresas adquiridas é também um ponto fulcral, caso contrário, o “casamento não vai funcionar”. Quando um grupo de investimento decide comprar um estúdio, por norma, já tem as agulhas alinhadas.
A Puga Studios quando foi adquirida disse que a cultura tinha de se manter, porque as pessoas iam ficar na empresa e não podia haver um choque. Falar-se a mesma língua cultura é importante e é preciso prestar contas, há cobrança de objetivos, e nem sempre vai ser fácil superar os obstáculos. Assim, olhando para o futuro, é imprescindível falar a mesma língua e as empresas estarem alinhadas.
E se der errado, o que fazer? Muitas vezes não há encaixe, é necessário que se encontre as pessoas certas e tentar construir. A possibilidade de dizer “não” é o conselho final que muitas empresas precisam de aprender. Nem sempre o “sim” é o caminho certo para fechar os negócios. Também se devem aproveitar as frustrações para aprender a tomar as decisões certas no futuro.
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