Ao longo dos próximos dias o TeK publica um conjunto de artigos de opinião sobre o processo de análise da proposta de norma para os documentos estruturados que a Microsoft está a submeter ao organismo internacional de normalização (ISO).



Estes artigos antecedem a votação portuguesa que decorre na próxima segunda-feira, 16 de Julho e que definirá o sentido de voto português sobre a matéria. O voto de Portugal será analisado pela ISO juntamente com o de outros 103 países.



Num artigo que publicámos também esta semana pode perceber a polémica que tem envolvido o processo e os argumentos da Microsoft, que também foi convidada a participar neste espaço de opinião, e da comunidade open source, que se opõe firmemente à normalização do standard.





Opinião: Microsoft 1 - Interesse Nacional 0

Gustavo Homem, director técnico da Angulo Sólido (*)

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Senhoras e Senhores, estamos cá todos para o derby da temporada. Do lado direito a dream team da Microsoft. Uma selecção de jogadores de renome, com inúmeras internacionalizações, prontos a dar o tudo por tudo na hora M. Do lado esquerdo a equipa do Interesse Nacional, com quase falta de comparência, escassez de jogadores e baliza aberta. O apito dourado fica a cargo do Instituto de Informática. E... atenção! É o pooooooontapé de saída... prepara-se a Microsoft para decidir o jogo logo nos primeiros 10 minutos.



A nova norma documental proposta pela Microsoft, está a gerar polémica a nível mundial. Após anos a fio de utilização de formatos não-documentados, prática impeditiva de concorrência efectiva [Dado que o software concorrente é forçado a recorrer a reverse-engineering para implementar
compatibilidade], a multinacional fez a sua primeira incursão no mundo das normas abertas.



Seriam boas notícias, não tivesse a empresa ignorado a existência da norma ODF, já aprovada pela ISO e adoptada em vários países, e introduzido definições de validade duvidosa na especificação do formato [veja OOXML objections e ainda formula-for-failure].

Face às múltiplas e subtis questões que se levantam, como garantir a aprovação da norma a nível mundial?



Em cada país com representação no ISO, tem havido diferentes movimentações. Em Portugal, a resposta a esta questão parece passar por uma situação no mínimo bizarra: o presidente da Comissão Técnica nomeada pelo Instituto de Informática é Miguel Sales Dias, um quadro da própria Microsoft.

Mas o óbvio problema de conflito de interesses não pára por aí. Igualmente na Comissão Técnica estão várias outras entidades, tidas como próximas da Microsoft.



A responsabilidade por esta situação é em última instância do IPQ (sob tutela do Ministério da Economia), que delega as competências desta matéria no Instituto de Informática.


Levanta-se assim a dúvida sobre se o grupo nomeado pelo Instituto de Informática representará efectivamente os interesses do país enquanto consumidor de TI e enquanto entidade participante do ISO. Ou representará os interesses da Microsoft? Não seria a primeira vez que o interesse público parece coincidir com a agenda desta multinacional.


Evidentemente, é função do IPQ salvaguardar as boas condições do processo, garantindo a completude e isenção da Comissão Técnica. Por outro lado, seria também sua função, averiguar que circunstâncias conduziram a esta situação.



O IPQ foi contactado no âmbito deste artigo e garantiu que a Comissão Técnica estar aberta à entrada de novos vogais, como forma de garantir a representatividade. Henrique Martins, Chefe de Divisão no IPQ, afirma que para tal bastará entrar em contacto com o Instituto de Informática, não se pronunciando no entanto sobre o actual problema de conflito de interesses.



Entretanto, a segunda reunião da comissão, onde ao que tudo indica se pretende tomar uma
decisão final sobre o voto português nesta matéria, está marcada já para dia 16 de Julho.



Será possível que em apenas uma reunião (dado que a primeira serviu unicamente para formação da comissão) se consiga decidir sobre uma especificação técnica mais de 6000 páginas?


Dado que o voto Português, só terá que ser formalizado a 2 de Setembro, qual será a razão de tanta pressa?



Irá o IPQ verificar a completude e isenção da Comissão Técnica?
Irá a Comissão Técnica decidir sem uma discussão profunda do problema?
Irá Portugal efectivamente votar favoravelmente à adopção desta norma, sem consulta de um painel equilibrado de especialistas?



Senhoras e Senhores, o espectáculo segue dentro de momentos.



* A Ângulo Sólido é uma empresa especializada em serviços profissionais de Open Source.



Veja também

2007-07-11 - Portugal vota segunda-feira norma proposta pela Microsoft para documentos Office