Como é que a tecnologia, assim como o rastreio de comportamento dos jogadores podem ser utilizados para identificar e prevenir o problema do vício nos jogos de apostas online? Esta é uma pergunta que serviu de tema a uma sessão internacional promovida pela SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências) do Serviço Nacional de Saúde.
A conferência teve como convidado o psicólogo e estatístico alemão Michael Auer, que apresentou os resultados de alguns estudos feitos ao comportamento dos jogadores nas plataformas de jogo online. O objetivo foi explicar como o rastreio dos jogadores pode ser utilizado pelas operadoras de jogo para melhorar as suas plataformas e incentivar a uma experiência mais segura e responsável. O académico salienta a responsabilidade de quem fornece as ferramentas de jogo de manter os jogadores informados sobre tudo o que fazem na plataforma e isso para responder à pergunta mais básica: “devo continuar a jogar ou não?”
No seu estudo, foram perguntados aos jogadores se tinham noção de quanto tempo tinham jogado ou quanto acreditavam que tinham jogado. Ou se sabiam quanto tinham investido, ganho ou perdido no período de tempo. Os dados foram depois cruzados com estatísticas reais do tempo e valores que os jogadores tinham realmente investido e observou-se uma correlação entre aquilo que se “pensa” e o que realmente aconteceu.
Uma das conclusões que o estudo registou foi que quanto mais se joga, mas tendenciosa e menos correta as respostas eram. Ou seja, o tempo e as perdas reportadas, com o que realmente aconteceu. “Este tipo de resultados mostra que se deve promover a informação aos jogadores sobre as suas perdas pessoais e o dinheiro que investiu no jogo”, salienta o investigador, destacando que as plataformas devem manter sempre essa informação disponível e acessível aos jogadores.
As estatísticas disponíveis ajudam ao autocontrolo dos jogadores
Foi mostrado um Safety Centre de uma plataforma de jogo online, onde são arrumadas todas as informações estatísticas dos jogadores, seja o dinheiro que o mesmo depositou, o que retirou, o tempo que jogou, o que perdeu e ganhou, com filtros para 7, 30, 90 ou 180 dias. Há ainda somas dos dias que jogou e a duração de cada sessão de jogo, fazendo-se ainda um rácio de ganhos e perdas.
E esses dados podem ser comparados com outros jogadores, sobre o seu comportamento geral contra o de outros utilizadores. Informações disponíveis aos jogadores para que haja um maior autocontrolo da sua experiência e consumo de jogo.
Essas ferramentas ajudam a mitigar aquilo que é chamado de dissonância cognitiva, o seja, um fenómeno em que o comportamento das pessoas não está alinhado com as suas expetativas. Por exemplo, quando se sente que está a fazer algo por mais tempo do que deveria, seja a jogar, seja numa rede social ou qualquer outro. Os resultados reais são cruzados com aquilo que neste caso os jogadores esperariam, como o dinheiro que acharam que investiram na plataforma, contra o que foi mesmo gasto. “Muitos jogadores ficam chocados com o resultado e acabam por adotar comportamentos mais saudáveis de jogo”, salienta Michael Auer, acrescentando que este é um resultado prático de como a simples informação prestada aos jogadores altera o seu comportamento.
O investigador diz que as estatísticas disponíveis aos jogadores acabam por ser ferramentas muito importantes e úteis para combater o vício. “Os jogadores devem ter acesso à possibilidade de autoavaliação, de tentarem perceber quanto tempo jogaram, quanto gastaram e serem confrontados com os resultados estatísticos registados para saberem o que realmente aconteceu”. Michael Auer diz que muitos jogadores não fazem ideia de quanto gastaram e têm um choque quando acedem aos resultados das suas estatísticas.
As plataformas também registam comportamentos em critérios de diagnostico pré-definidos no gambling problemático. Exemplos como os jogadores voltarem no dia seguinte para tentarem recuperar o que perdeu no dia anterior; os valores constantes depositados; ou aumentos anormais no valor investido são “red flags” que os sistemas devem ter capacidade de detetar. E essa informação deve ser devolvida aos jogadores, da forma mais simples e direta, em forma de gráficos e arrumado no seu histórico para consulta.
Por outro lado, os sistemas devem também ter sistemas de feedback personalizados, com estes elementos, como o dinheiro depositado, ganhos seguidos nas partidas, duração das sessões de jogo, etc. que devem estar na área de Safety Centre das páginas de jogos de apostas.
E existem pormenores que podem fazer toda a diferença na comunicação com os apostadores. Notificações em forma de envelope, com o número de mensagens por ler demonstra que a tendência é clicar para aceder a essa informação e registar quando são lidas pelo utilizador. O investigador diz que é crucial que seja fácil para os jogadores acederem à informação no menor número de cliques.
Bloqueios temporários atenua o vício de jogar?
Os sistemas de pop up de mensagens é outra forma útil de manter os jogadores alertados sobre a sua experiência. Num estudo de 2012, foi analisada uma plataforma que tem um aviso para quem atinge os 1.000 jogos de slots, acompanhado com a pergunta se quer continuar a jogar ou não. O estudo diz que em 1.000 jogadores, apenas 67 pararam de jogar após essa mensagem, os restantes continuaram. Ao longo dos anos, essa mensagem foi melhorada, com a adição de elementos psicológicos e outras informações ao comportamento do jogador, tais como pausas regulares e informações de que aumentar o tempo de jogo não aumentava a probabilidade de ganhar. Isso ajudou a mudar as mentalidades e a percentagem dos jogadores que pararam de jogar depois do aviso aumentou.
Na sua análise, salienta que nos últimos anos, sobretudo desde 2018, os operadores estão mais disponíveis para introduzir os instrumentos de ajuda às apostas responsáveis, muitas vezes obrigados pelas leis dos países. Dá o exemplo do Reino Unido que é muito específico e exigente nas regras, no que diz respeito aos problemas de apostas. Mas por outro lado, países em que há falta de legislação, os instrumentos também não são muito utilizados.
Questionado pelo SAPO TEK se este tipo de ferramentas poderia ser utilizado noutros contextos, como o simples vício dos jogadores jovens nos diversos títulos online, Michael Auer diz que sim, que este tipo de relatórios pode ser utilizado em qualquer situação onde se registam estatísticas de utilização: seja o tempo a mexer no smartphone, a utilizar as redes sociais, a jogar videojogos ou assistir filmes e séries. No entanto, desconhece se outros meios estão realmente a utilizar ou não e a disponibilizar aos seus utilizadores este tipo de análises.
Além das mensagens de pop up, foram adicionados mecanismos de bloqueio para jogadores que demonstram comportamentos extremos de vício. O sistema deteta se o jogador aparece 10 vezes para jogar no mesmo dia e bloquei-o durante uma hora. O mesmo para depósitos feitos 10 vezes no mesmo dia. O estudo registou que houve cerca de 50 jogadores diários, entre julho a setembro de 2021 que foram bloqueados por depósitos excessivos de dinheiro na sua conta, da plataforma analisada.
E o que acontece a esses jogadores quando acaba a hora de “castigo”? Michael Auer diz que antes de introduzir o bloqueio, ficando-se apenas com o pop up, cerca de 80% continuavam a jogar. Depois da pausa de uma hora, apenas 40% dos jogadores regressaram para continuar a jogar. Registou-se uma redução significativa de jogadores que regressaram após a introdução da mecânica de bloqueio por hora.
E foram testados diversos períodos temporais para o bloqueio, desde 90 segundos a cinco minutos. Neste caso, 95% dos jogadores voltavam, muitos deles simplesmente ficavam frente ao computador à espera que o tempo de inatividade chegasse ao fim. “Mas a hora de pausa diminui bastante o regresso”, afirma o especialista.
Seria possível às plataformas limitarem o tempo ou dinheiro investido pelos utilizadores, mas Michael Auer afirma que existem questões éticas, além de que o limite de cada jogador é sempre relativo. Uma pessoa rica, que possa “alimentar” o seu vício de jogo, certamente não terá problemas financeiros para o sustentar. Mas isso não significa que não tenha problemas, uma vez que o vício não se mete apenas pelo dinheiro gasto, mas também o tempo dedicado, ou porque simplesmente não está com a família, etc.
De recordar que empresas como a Kaizen Gaming têm refinado os seus sistemas de segurança de proteção aos jogadores. No seu caso, a tecnologia RG-AID (Artificial Intelligence Detection system for Responsible Gaming) deteta padrões de jogo e gera diferentes alertas, que são enviados aos agentes especializados da Kaizen Gaming alocados ao jogo responsável, que fazem uma avaliação e assistência ao jogador quando necessário. É referido que o sistema registou uma taxa de sucesso muito elevada na deteção dos casos problemáticos, registando menos de 1% de utilizadores com problemas de jogo.
A sua tecnologia e promoção de jogo responsável, juntamente com o foco no regulamento respetivo de cada país, levou a empresa a ser distinguida com três prémios nos EGR Awards para Marketing e Inovação no ano passado.
O confinamento devido à pandemia alterou os hábitos dos portugueses no que diz respeito aos jogos de fortuna e azar. Em dados de maio de 2021, o jogo online registou um crescimento de 25% do volume apostas, em relação ao trimestre anterior. A 888.pt também lançou uma nova plataforma que pretende ser um espaço digital a incentivar o Jogo responsável e consciente. A 888responsavel.pt comunica as ferramentas disponíveis para evitar comportamentos de vício no jogo, assim como mecanismos para afastar os jogadores menores de idade.
Mas a prevenção dos comportamentos aditivos são também uma prioridade e revela a ferramenta de monitorização Observer. Este utiliza informações do banco de dados de utilizadores da plataforma e mede as mudanças no comportamento de jogo, tais como aumentos inesperados no tempo a jogar ou o dinheiro investido no website de jogo.
Este sistema está programado para identificar e sinalizar muitas variantes de comportamento principais, que quando combinadas podem identificar possíveis problemas dos utilizadores, abrindo uma investigação pela equipa. A empresa diz que muitos dos casos são resolvidos automaticamente através de mensagens em pop-ups ou mesmo bloqueando o acesso ao jogo. Elementos que vão ao encontro dos resultados do estudo apresentado por Michael Auer.
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