A Europa aprovou uma Declaração de Direitos e Princípios Digitais que passa a estar subjacente a todas as decisões políticas e estratégias europeias nos próximos anos, relacionadas com o universo digital. Os princípios aqui consagrados vão também orientar a abordagem da União Europeia às iniciativas de transformação digital, em qualquer parte do globo.

A proposta de criar uma declaração com os princípios na base do “ADN digital” europeu tinha sido apresentada pela Comissão Europeia no início do ano. O processo seguiu os procedimentos habituais e o texto final foi agora assinado no Conselho Europeu pela presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, pela presidente do Parlamento Europeu e pelo Primeiro Ministro da República Checa, que assegura a presidência rotativa da UE.

Como já se tinha referido, a Declaração, pretende refletir “o empenho da UE numa transformação digital segura e sustentável, que coloque as pessoas no centro, em consonância com os valores e os direitos fundamentais da UE”. Na nota divulgada pela CE, sublinha-se ainda que a Declaração pretende mostrar aos cidadãos que os valores europeus, bem como os direitos e liberdades consagrados no quadro jurídico da região, devem ser respeitados online tal como acontece no mundo “físico”.

Concretizando com exemplos concretos aquilo que a Declaração alinha em termos gerais, a CE sublinha que respeitar estas orientações, no contexto atual, é garantir conectividade digital acessível e de alta velocidade em todo o lado e para todos. É também assegurar a existência de salas de aula bem equipadas e professores digitalmente qualificados, acesso aos serviços públicos online, um ambiente digital seguro para as crianças, ou o direito ao desligamento, após o horário de trabalho.

Outros exemplos deixados na nota da CE, como garantias que os cidadãos europeus devem hoje ter num mundo digital são o acesso a informação fácil de compreender sobre o impacto ambiental dos produtos digitais que usam ou a possibilidade de controlar a forma como os seus dados pessoais são utilizados e partilhados.

A Declaração alinha princípios em seis áreas, que podem ver-se abaixo, e que não são mais do que os princípios que já vêm orientando as decisões europeias, nas mais diversas matérias relacionadas com a gestão do espaço digital. A Declaração é mais uma forma de dar visibilidade a este conjunto de princípios e reforçar o compromisso dos Estados membros com cada um deles.

Veja a declaração de Direitos e Princípios Digitais da UE na íntegra

Capítulo I: Dar prioridade às pessoas no processo de transformação digital

1. As pessoas estão no centro da transformação digital na União Europeia. A tecnologia deve servir e beneficiar todas as pessoas que vivem na UE e capacitá-las para prosseguirem as suas aspirações, em total segurança e no respeito dos seus direitos fundamentais.
Comprometemo-nos a:
a) Reforçar o quadro democrático para uma transformação digital que seja benéfica para todos e melhore a vida de todas as pessoas que vivem na UE;
b) Tomar as medidas necessárias para assegurar que os valores da UE e os direitos das pessoas, tal como reconhecidos pelo direito da UE, são respeitados tanto em linha como fora de linha;
c) Promover e garantir uma ação responsável e diligente por parte de todos os intervenientes, públicos e privados, presentes no ambiente digital;
d) Promover ativamente esta visão da transformação digital, incluindo nas nossas relações internacionais.

Capítulo II: Solidariedade e inclusão

2. A tecnologia deve ser utilizada para unir as pessoas, não para as dividir. A transformação digital deve contribuir para uma sociedade e uma economia justas e inclusivas na UE.
Comprometemo-nos a:
a) Garantir que a conceção, o desenvolvimento, a implantação e a utilização das soluções tecnológicas respeitam os direitos fundamentais, permitem o respetivo exercício e promovem a solidariedade e a inclusão;
b) Levar a cabo uma transformação digital que não deixe ninguém para trás. A transformação digital deve beneficiar todas as pessoas, alcançar o equilíbrio entre os géneros e incluir, nomeadamente, os idosos, as pessoas que vivem em zonas rurais, as pessoas com
deficiência ou as pessoas marginalizadas, vulneráveis ou excluídas dos processos de decisão, bem como as pessoas que agem em nome destas. Deve igualmente promover a diversidade cultural e linguística;
c) Desenvolver quadros adequados para que todos os intervenientes no mercado que beneficiam da transformação digital assumam as suas responsabilidades sociais e contribuam de forma justa e proporcionada para os custos dos bens, serviços e infraestruturas públicos, em benefício de todas as pessoas que vivem na UE.
Conectividade
3. Todas as pessoas, em toda a UE, devem ter acesso a conectividade digital de alta velocidade e a preços acessíveis.
Comprometemo-nos a:
a) Garantir o acesso a uma conectividade de alta qualidade, com disponibilidade de acesso à Internet, para todas as pessoas e em todo o lado na UE, incluindo para as pessoas com baixos rendimentos;
b) Proteger e promover uma Internet neutra e aberta em que os conteúdos, serviços e aplicações não sejam bloqueados ou degradados injustificadamente.
Educação, formação e competências digitais
4. Todas as pessoas têm direito à educação, à formação e à aprendizagem ao longo da vida e devem poder adquirir todas as competências digitais básicas e avançadas.
Comprometemo-nos a:
a) Promover uma educação e uma formação digitais de elevada qualidade, nomeadamente com vista a colmatar o fosso digital entre homens e mulheres;
b) Apoiar esforços que permitam a todos os aprendentes e professores adquirir e partilhar as aptidões e competências digitais necessárias, incluindo a literacia mediática e o pensamento crítico, para participar ativamente na economia, na sociedade e em processos democráticos;
c) Promover e apoiar os esforços para dotar todas as instituições de ensino e formação de conectividade, infraestruturas e ferramentas digitais;
d) Dar a todos a possibilidade de se adaptarem às mudanças introduzidas pela digitalização do trabalho através da melhoria das competências e da requalificação.
Condições de trabalho justas e equitativas
5. Todas as pessoas têm direito a condições de trabalho justas, saudáveis e seguras e a uma proteção adequada no ambiente digital como no local de trabalho físico, independentemente do estatuto, da modalidade ou da duração do seu emprego.
6. As organizações sindicais e patronais desempenham um papel importante na transformação digital, em especial relativamente à definição de condições de trabalho justas e equitativas, inclusive no que diz respeito à utilização de ferramentas digitais no trabalho.
Comprometemo-nos a:
a) Assegurar que todas as pessoas possam desligar-se e beneficiar de salvaguardas para a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar num ambiente digital;
b) Assegurar que, no ambiente de trabalho, as ferramentas digitais não ponham em risco, de nenhuma forma, a saúde física e mental dos trabalhadores;
c) Assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos trabalhadores no ambiente digital, nomeadamente o direito à privacidade e o direito de associação, o direito de negociação e de ação coletiva, bem como a proteção contra a vigilância ilegal e injustificada;
d) Assegurar que a utilização da inteligência artificial no local de trabalho é transparente e segue uma abordagem baseada no risco e que são tomadas as medidas de prevenção correspondentes para manter um ambiente de trabalho seguro e saudável;
e) Assegurar, em especial, a garantia de supervisão humana em decisões importantes que afetam os trabalhadores e que os trabalhadores são geralmente informados de que estão a interagir com sistemas de inteligência artificial.
Serviços públicos digitais em linha
7. Todas as pessoas devem ter acesso em linha a serviços públicos essenciais na UE. Ninguém deve ser instado a fornecer dados mais frequentemente do que o necessário aquando do acesso e da utilização de serviços públicos digitais.
Comprometemo-nos a:
a) Garantir a todas as pessoas que vivem na UE a possibilidade de utilizarem uma identidade digital acessível, voluntária, segura e de confiança que dê acesso a uma vasta gama de serviços em linha;
b) Assegurar uma ampla acessibilidade e reutilização da informação do setor público;
c) Facilitar e apoiar o acesso sem descontinuidades, seguro e interoperável, em toda a UE, a serviços públicos digitais concebidos para satisfazer as necessidades das pessoas de forma eficaz, inclusive, em especial, aos serviços digitais de saúde e de prestação de cuidados, e nomeadamente o acesso aos registos de saúde eletrónicos.

Capítulo III: Liberdade de escolha

Interações com algoritmos e sistemas de inteligência artificial
8. A inteligência artificial deve ser uma ferramenta ao serviço das pessoas e ter o objetivo último de aumentar o bem-estar dos seres humanos.
9. Todas as pessoas devem poder beneficiar das vantagens dos sistemas algorítmicos e dos sistemas de inteligência artificial, nomeadamente fazendo escolhas próprias e informadas no ambiente digital, estando simultaneamente protegidas contra os riscos e os danos para
a saúde, a segurança e os direitos fundamentais.
Comprometemo-nos a:
a) Promover sistemas de inteligência artificial centrados no ser humano, fiáveis e éticos ao longo do seu desenvolvimento, implantação e utilização, em consonância com os valores da UE;
b) Assegurar um nível adequado de transparência sobre a utilização de algoritmos e inteligência artificial e a garantir que as pessoas sejam capacitadas para a sua utilização e informadas quando interagem com eles;
c) Garantir que os sistemas algorítmicos se baseiam em conjuntos de dados adequados para evitar a discriminação e permitir a supervisão humana de todos os resultados que afetam a segurança e os direitos fundamentais das pessoas;
d) Assegurar que tecnologias como a inteligência artificial não são utilizadas para determinar previamente as escolhas das pessoas, por exemplo no que diz respeito à saúde, à educação, ao emprego e à sua vida privada;
e) Prever salvaguardas e tomar medidas adequadas, nomeadamente através da promoção de normas fiáveis, para assegurar que a inteligência artificial e os sistemas digitais são sempre seguros e utilizados no pleno respeito dos direitos fundamentais;
f) Tomar medidas para assegurar que a investigação no domínio da inteligência artificial respeita as mais elevadas normas éticas e o direito pertinente da UE.
Um ambiente digital justo
10. Todas as pessoas devem poder escolher efetivamente e livremente os serviços em linha a utilizar, com base em informações objetivas, transparentes, facilmente acessíveis e fiáveis.
11. Todos devem ter a possibilidade de competir de forma justa e de inovar no ambiente digital, o que deverá também beneficiar as empresas, nomeadamente as PME.
Comprometemo-nos a:
a) Garantir um ambiente digital seguro e protegido, baseado na concorrência leal, em que os direitos fundamentais sejam protegidos, os direitos dos utilizadores e a proteção dos consumidores no mercado único digital sejam assegurados e as responsabilidades das
plataformas, especialmente dos grandes intervenientes e dos controladores de acesso, estejam bem definidas;
b) Promover a interoperabilidade, a transparência e as tecnologias e as normas abertas como forma de reforçar ainda mais a confiança na tecnologia, bem como a capacidade dos consumidores para fazerem escolhas autónomas e informadas.

Capítulo IV: Participação no espaço público digital

12. Todas as pessoas devem ter acesso a um ambiente digital fiável, diversificado e multilingue. O acesso a conteúdos diversificados contribui para um debate público pluralista e para uma participação efetiva na democracia de forma não discriminatória.
13. No ambiente digital, todos têm direito à liberdade de expressão e de informação, bem como à liberdade de reunião e de associação.
14. Todos devem dispor de acesso a informações sobre quem possui ou controla os serviços de comunicação social que utilizam.
15. As plataformas em linha, em especial as plataformas em linha de muito grande dimensão, devem apoiar o debate democrático livre em linha. Tendo em conta o papel dos seus serviços na formação da opinião e do discurso públicos, as plataformas em linha de muito grande dimensão devem atenuar os riscos decorrentes do funcionamento e da utilização dos seus serviços, nomeadamente no que diz respeito a campanhas de informação errada e de desinformação, e proteger a liberdade de expressão.
Comprometemo-nos a:
a) Continuar a salvaguardar todos os direitos fundamentais em linha, nomeadamente a liberdade de expressão e de informação, incluindo a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social;
b) Apoiar o desenvolvimento e a melhor utilização das tecnologias digitais para estimular a participação das pessoas e a participação democrática;
c) Tomar medidas proporcionadas para combater todas as formas de conteúdos ilegais, no pleno respeito dos direitos fundamentais, incluindo o direito à liberdade de expressão e de informação, e sem estabelecer quaisquer obrigações gerais de vigilância ou censura;
d) Criar um ambiente digital em que as pessoas estejam protegidas contra a desinformação e a manipulação de informações e outras formas de conteúdos nocivos, incluindo o assédio e a violência baseada no género;
e) Apoiar o acesso efetivo a conteúdos digitais que reflitam a diversidade cultural e linguística na UE;
f) Capacitar as pessoas para fazerem escolhas livres e específicas, e a limitar a exploração de vulnerabilidades e preconceitos, nomeadamente através de publicidade direcionada.

Capítulo V: Segurança, proteção e capacitação

Um ambiente digital protegido e seguro
16. Todas as pessoas devem ter acesso a tecnologias, produtos e serviços digitais que, desde a sua conceção, sejam seguros e protegidos e protejam a privacidade, resultando num elevado nível de confidencialidade, integridade, disponibilidade e autenticidade das informações tratadas.
Comprometemo-nos a:
a) Tomar novas medidas para promover a rastreabilidade dos produtos e garantir que apenas são oferecidos no mercado único digital produtos seguros e conformes com a legislação da UE;
b) Proteger os interesses das pessoas, das empresas e das instituições públicas contra os riscos de cibersegurança e a cibercriminalidade, incluindo violações de dados e usurpação ou manipulação da identidade, o que inclui requisitos de cibersegurança para os produtos
conectados colocados no mercado único;
c) Combater e responsabilizar aqueles que procuram comprometer a segurança em linha e a integridade do ambiente digital na UE ou que promovem a violência e o ódio através de meios digitais.
Privacidade e controlo individual dos dados
17. Todas as pessoas têm direito à privacidade e à proteção dos seus dados pessoais. Este último direito inclui o controlo, pelas pessoas, da forma como os seus dados pessoais são utilizados e com quem são partilhados.
18. Todas as pessoas têm direito à confidencialidade das suas comunicações e das informações nos seus dispositivos eletrónicos e a não serem sujeitas a vigilância ilegal em linha, rastreamento generalizado ilegal ou medidas de interceção.
19. Todas as pessoas devem poder determinar o seu legado digital e decidir o que acontece com as suas contas pessoais e as informações que lhes dizem respeito após a sua morte.
Comprometemo-nos a:
a) Assegurar que todas as pessoas têm um controlo efetivo sobre os seus dados pessoais e não pessoais, em conformidade com as regras da UE em matéria de proteção de dados e o direito pertinente da UE;
b) Assegurar de forma eficaz a possibilidade de as pessoas transferirem facilmente os seus dados pessoais e não pessoais entre diferentes serviços digitais, em consonância com os direitos de portabilidade dos dados;
c) Proteger eficazmente as comunicações contra o acesso não autorizado de terceiros;
d) Proibir a identificação ilegal, bem como a conservação ilegal de registos de atividade.
Proteção e capacitação das crianças e dos jovens no ambiente digital
20. As crianças e os jovens devem poder fazer escolhas seguras e informadas e expressar a sua criatividade no ambiente digital.
21. Materiais e serviços adaptados à idade devem melhorar as experiências, o bem-estar e a participação das crianças e dos jovens no ambiente digital.
22. Deve ser dada especial atenção ao direito das crianças e dos jovens de serem protegidos contra todos os crimes cometidos ou facilitados através de tecnologias digitais.
Comprometemo-nos a:
a) Proporcionar a todas as crianças e jovens oportunidades de adquirirem as aptidões e competências necessárias, incluindo a literacia mediática e o pensamento crítico, para navegar e participar ativamente e de forma segura no ambiente digital, e para fazer escolhas informadas;
b) Promover experiências positivas para as crianças e os jovens num ambiente digital adequado à idade e seguro;
c) Proteger todas as crianças e jovens contra conteúdos nocivos e ilegais, exploração, manipulação e abuso em linha, e a impedir que o espaço digital seja utilizado para cometer ou facilitar crimes;
d) Proteger todas as crianças e jovens contra o rastreio, a definição de perfis e o direcionamento ilegais, em especial para fins comerciais;
e) Envolver as crianças e os jovens no desenvolvimento de políticas digitais que lhes digam respeito.

Capítulo VI: Sustentabilidade

23. A fim de evitar danos significativos para o ambiente e promover uma economia circular, os produtos e serviços digitais devem ser concebidos, produzidos, utilizados, reparados, reciclados e eliminados de forma a atenuar o seu impacto negativo no ambiente e na
sociedade e a evitar a obsolescência prematura.
24. Todas as pessoas devem ter acesso a informações exatas e de fácil compreensão sobre o impacto ambiental e o consumo de energia dos produtos e serviços digitais, bem como sobre a sua reparabilidade e durabilidade, permitindo-lhes fazer escolhas responsáveis.
Comprometemo-nos a:
a) Apoiar o desenvolvimento e a utilização de tecnologias digitais sustentáveis que tenham um impacto negativo mínimo a nível ambiental e social;
b) Incentivar escolhas dos consumidores e modelos empresariais sustentáveis, e a promover um comportamento empresarial sustentável e responsável ao longo das cadeias de valor mundiais de produtos e serviços digitais, nomeadamente com vista a combater o trabalho forçado;
c) Promover o desenvolvimento, a implantação e a utilização ativa de tecnologias digitais inovadoras com um impacto positivo no ambiente e no clima, a fim de acelerar a transição ecológica;
d) Promover normas e rótulos de sustentabilidade para produtos e serviços digitais.