No final deste ano, 40% da população deve gastar parte do tempo que reserva ao entretenimento com videojogos e cerca de 3,3% farão uma utilização abusiva deste tipo de jogos o que, considerando o números atual de jogadores, representará mais de 105 milhões de pessoas, pelas contas do Instituto Nacional de Saúde dos EUA.

Embora os estudos mostrem que não é entre os menores de 18 que se concentra a maior fatia de entusiastas dos videojogos, esta é uma preocupação para muitos pais de pré-adolescentes e adolescentes: perceber qual a medida certa para estas experiências. O que permitir ou proibir, tanto no contacto com os jogos de computador e de telemóvel como, na experiência dos mais novos com ecrãs, de um modo geral.

Passar tempo excessivo online tem os riscos que se conhecem. Mas, não estar online e não jogar os mesmos jogos que os amigos jogam, hoje também pode ser um fator de exclusão. “A cultura de pares tem um grande peso entre os jovens. Estar online é hoje uma forma de desenvolver competências de colaboração e por isso estar fora é complicado. Não jogar é estar fora de um universo onde os amigos estão”, sublinha Eduarda Ferreira, psicóloga educacional e investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa.

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Monitorizar o tempo que os filhos passam online e a jogar passou a ser ainda mais difícil desde que a internet móvel trouxe todas as experiências digitais para a palma da mão mas, para a investigadora, o caminho para promover uma utilização saudável destes recursos não tem de passar necessariamente pelo controlo total e absoluto das atividades dos mais novos.

Limites só para jogar não vão funcionar

“O que nos diz a investigação, e que é importante as pessoas terem presente, é que esta questão de controlar o tempo do jogo está inserida num contexto mais alargado que é o das relações familiares”. Será que os pais que não conseguem controlar o tempo que os filhos passam a jogar, conseguem definir regras para os jovens noutras áreas da vida? Se não há regras noutras áreas, também não vão funcionar nesta.

A relação com o jogo e com os ecrãs vai-se moldando aos limites que os pais conseguem definir, num âmbito muito mais alargado, como destaca a investigadora da Nova. E como se definem essas regras?

“O importante é que sejam regras justas e consistentes, com ênfase na consistência. Não podemos dizer uma coisa hoje e outra amanhã”, defende Eduarda Ferreira.

À medida que os filhos crescem, é importante que as regras comecem a ser negociadas, para que os jovens possam ir desenvolvendo algum controlo sobre o seu mundo digital. É importante haver uma autorregulação”.

Nem os pais conseguem monitorizar as atividades dos filhos online durante 24 horas, nem é desejável que o façam, porque estes precisam de desenvolver resiliência digital para viver e fazer escolhas num mundo que já hoje, e mais ainda no futuro, passará pela internet. Substituir o estilo “big brother” por uma abordagem mais propensa à criação desta capacidade de autorregulação pode fazer a diferença.

A Entertainment Software Association compilou os principais números do mercado de videojogos em 2022, nos EUA, que pode ver nesta galeria

“Existe um conceito fundamental quando falamos em desenvolver competências sociais nas interações presenciais – a resiliência”, lembra Eduarda Ferreira. “Estamos a falar de capacidade para lidar com problemas de adaptação a mudanças, de superar obstáculos, de ser capaz de resistir à pressão de situações adversas e de encontrar soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades”. No mundo digital também precisamos de resiliência e a capacidade de autorregulação está inerente.

Construir este caminho passará por manter uma visão positiva sobre os jogos e as atividades online dos jovens, que funcionará como um facilitador de abertura para o diálogo, quando alguma coisa não correr bem. Mostrar interesse nos jogos, disponibilizar-se para jogar com os filhos e partilhar experiências são formas de estar mais perto, de criar confiança e perceber o que acontece. “A crítica constante vai fechar a porta daquele mundo aos adultos”, alerta a investigadora.

Loot boxes aguçam o apelo para os jogos

Isto, sem ignorar que há práticas online com maior potencial que outras, para experiências onde a capacidade de moderação vai ser fundamental. Pedro Hubert, fundador e responsável pelo Instituto de Apoio ao Jogador, aponta o fenómeno das loot boxes (caixas de recompensas ou itens valiosos, que podem ser adquiridos dentro dos jogos) ou dos jogos de demonstração. Hoje estão acessíveis em todas as plataformas e tipos de jogos e normalmente têm prémios e recompensas mais atraentes que o jogo que promovem ou onde se inserem. “São muitas vezes um primeiro contacto com o mundo dos jogo [gambling]”, admite o especialista em adição ao jogo, que recebe no IAJ cada vez mais casos de jovens com uma utilização excessiva dos videojogos.

Os dados da Entertainment Software Association mostram que 36% dos americanos com idades entre os 18 e os 34 anos são adeptos do gaming e abaixo dos 18 anos há uma prevalência das mesmas práticas num quarto dos adolescentes, sendo que 8,5% terão problemas de jogo.

Em Portugal também há alguns dados apurados sobre práticas de jogo. O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) verificou que, em 2021, 60% dos jovens com 18 anos jogavam online, mais durante a semana (57,1%) que ao fim-de-semana. Os rapazes jogam mais (83,7%) que as raparigas (35,9%) e todos os anos a prevalência do jogo tem aumentado desde que estes inquéritos começaram a ser feitos aos jovens que participam no Dia da Defesa Nacional.

Os mesmos dados mostram que quase um terço dos jovens usa a internet para jogar 2 ou mais horas por dia, durante a semana. A percentagem de jovens que joga 4 ou mais horas por dia online passou de 13,7% em 2015, para 16,2%, durante a semana. Ao fim-de-semana é maior. Já os inquéritos realizados nas escolas (entre os 13 e os 18 anos) mostram que mais de metade dos alunos, em todas as idades, usam jogos eletrónicos. Nada nestes números permite tirar conclusões rigorosas sobre a relação dos jovens com o jogo, mas fica claro que a exposição aumentou.

Sinais de alerta que devem ser vigiados

Estar atento aos sinais que podem indicar um tempo excessivo passado em frente aos ecrãs, nomeadamente a jogar, passa por perceber em que medidas estas atividades estão a afetar outras. Nos jogos a dinheiro, o sinal vermelho estará no descontrolo e rutura financeira.

“Enquanto os filhos e os pais dos filhos conseguirem jogar e divertir-se mas parar quando têm de parar o problema será menor, se é que existe um problema. A partir do momento em que aquele prazer perturba os restantes temos um problema”, refere Manuel Cardoso, subdiretor geral do SICAD.

Resultados escolares a descer, desinteresse por atividades físicas ou hobbies que até certo momento eram muito valorizados, isolamento social, ou sono desregulado, “que pode ser sinal de muitas horas a jogar durante a noite”, como aponta Pedro Hubert, são sinais a valorizar. E na esmagadora maioria dos casos são mesmo os pais que percebem que há linhas vermelhas ultrapassadas. Ao IAJ mais de 90% dos pedidos de ajuda relacionados com adição aos videojogos são feitos pelos pais.

Preparar os mais jovens para este e outros potenciais riscos do mundo digital passa por casa, mas deve passar também pela escola. “Uma das funções da escola, que está longe de ser cumprida, é desenvolver competências digitais que passam pelo pensamento crítico ou por saber avaliar o que é correto e o que não é”, sublinha Eduarda Ferreira.

Faz sentido, na opinião da investigadora, mais do que olhar com desconfiança para a presença de ecrãs nas escolas, aproveitar esse espaço para “introduzi-los de uma forma significativa e que permita aprender a fazer outras coisas”.

“As práticas dos jovens online são muito limitadas ver vídeos, jogar, partilhar fotografias, ir às redes sociais e pouco mais. Há muitas outras coisas que podem fazer e a escola aí pode ajudar a desenvolver essas competências”. É um local privilegiado para o fazer por conseguir chegar a toda a população jovem e as mecânicas de jogo até podem, e já estão, a ter um papel aí. A gamificação faz cada vez mais parte das estratégias de criação de conteúdos e atividades escolares, por trazer dinâmicas de competição e recompensa que cativam os alunos.

“Os jogos podem contribuir para desenvolver um conjunto de competências de colaboração, planeamento, pensamento estratégico e outros. Como em tudo na vida, o problema é o excesso”, que se pode tentar evitar com as tais regras justas e consistentes, remata Eduarda Ferreira. Estar atento não deixa de ser importante. Promover um ambiente familiar saudável e canais de comunicação abertos, para que o isolamento não se mostre a melhor opção quando existem problemas, é ainda mais importante, garantem os especialistas.

Este artigo integra um especial que o SAPO TeK está apublicar ao longo da semana e que aborda o peso do jogo online ilegal, as ferramentas de jogo responsável à disposição de quem joga e a visão de especialistas sobre sinais de alerta e formas de lidar com a exposição dos mais jovens aos ecrã.