Licenciou-se em Gestão e Marketing no Instituto Politécnico de Setúbal, mas logo nas suas primeiras experiências, Sara Rechena descobriu que esta carreira não era para si. Atualmente é redatora e apresentadora do IGN Portugal, na área de videojogos, mas também é streamer na Twitch onde joga títulos narrativas com a sua comunidade. Mas para chegar ao ponto onde está hoje, diz que foi proactiva e investiu muito do seu tempo a preparar-se para as oportunidades que surgissem.
“Sabia que estava a trabalhar porque precisava de pagar contas, mas não era ali que queria ficar”, refere Sara Rechena sobre o seu início de carreira. Diz que durante muito tempo escrevia e lia os seus textos, frente a uma câmara ou mesmo do espelho, gravando a sua voz para aumentar a sua experiência como apresentadora, para se preparar para alguma oportunidade. E foi exatamente isso que fez, tendo visto um anúncio de casting para o IGN, acabando por ser escolhida.
Sara Rechena, com 29 anos, não foge aos “clichés” e diz que joga desde “pequenina”, embora fosse mesmo o seu pai que jogava, enquanto assistia. E diz que o seu trabalho no Twitch acaba por ser um reflexo disso mesmo, das pessoas envolverem-se nas histórias que escolhe jogar, tal como fazia com o seu pai quando era jovem. “O meu pai escolhia jogos como o Tomb Raider e passava-me o comando para as mãos tinha eu uns cinco anos”.
A primeira PlayStation e depois a PS2 foram as consolas onde mais jogou, mas o seu pai depois introduziu-a ao mundo do PC, e logo com o MMO Guild Wars. Depois passou para o League of Legends, jogo que diz que vive uma relação de amor-ódio. “Todas as pessoas falam mal do jogo, mas gostam de o jogar. É assim comigo também, posso estar uma temporada ou mesmo um ano sem jogar, mas volto sempre”.
Afirma que nas suas streams apenas joga consolas, nomeadamente na sua Xbox Series X, onde vê o Game Pass como uma mais-valia, onde pode propor os títulos que deseja jogar à sua comunidade e são os espetadores que escolhem. Depois começa e acaba em direto as aventuras: “Faço na Twitch o que o RicFazeres faz no seu canal de YouTube”.
Falando do seu pai, ligado ao mundo da música, Sara Rechena diz que adora cantar e também canta desde muito nova, chegando a fazer parte do coro do colégio que frequentou. “Mas nunca passou disso, é um bichinho que tenho dentro, que vou partilhando nas redes sociais, mas nunca pensei em investir na música”. Afirma que quando investe em alguma coisa, não pensa se vai conseguir vingar, mas sim se é isso que a torna feliz. E a música faz parte de algo que ainda está a tentar descobrir se este pode fazer parte do seu caminho ou não. E dá o exemplo da forma como está focada na indústria dos jogos, afirmando-se como apresentadora ou redatora, coisas que lhe fazem sentido, mas sobretudo que a façam feliz. Considera que não quer apenas fazer uma coisa, mas experimentar outras ao longo do tempo.
Considera que através do seu gosto pelos videojogos, a sua paixão levou-a a descobrir que existe espaço para novas profissões, “e que para ser feliz, não tenho de seguir o padrão que a sociedade estipulou para mim”, lê-se no seu perfil do LinkedIn. E acrescenta que se considera uma das poucas mulheres em Portugal a trabalhar numa redação de videojogos e que tem “uma voz ativa na normalização da presença feminina no mundo do gaming”.
Pegando nesse ponto, o SAPO TEK perguntou como era trabalhar numa área onde normalmente é preenchido por homens. Sara diz que um dia, estando num palco a representar um grupo de mulheres, deseja que não lhe façam a pergunta no sentido pejorativo. “Sei que existe alguém que assiste expectante com a resposta, porque tem sonhos, alguém que desejava fazer o que faço, mas que não consegue essa oportunidade”.
Afirma que “já lá vai o tempo em que as coisas eram difíceis” e dá o exemplo de como outras mulheres como a Sara Lima (da RTP Arena) e outras “levaram por tabela”. Acredita que hoje não sofre nada por ser uma mulher, até pelo contrário. “As pessoas que leem as minhas análises na IGN nunca ninguém me criticou por ser mulher, mas sim se percebo ou não do assunto”. Diz que a aposta no seu trabalho, que vai falar por si, seja a escrever melhor ou apresentar bem, isso é que a deixa satisfeita. E que até agora o feedback é muito positivo, sem exemplos de “hate” ou de pessoas a questionar o seu trabalho ou por jogar videojogos.
Sobre o estigma de que “os videojogos é algo para rapazes”, acredita que nas competições, com uma pegada competitiva mais vincada, como o CS: GO ou FIFA, que sim. Sobretudo no jogo de futebol que está enraizado nos homens desde pequenos, enquanto as meninas são associadas às bonecas. Sara Rechena não se revê como alvo de estigmas, se é homem ou mulher, mas sim pelo seu conteúdo, embora haja sempre alguém que possa tecer um comentário menos próprio. Acredita que na sua comunidade, que considera ainda muito pequena, com dois anos de Twitch, acabar por ter seguidores que refletem aquilo que é. E da mesma forma que não raramente aparece alguém com intenções de prejudicar, diz que não dá importância quando há descriminação. Ao ignorar também afasta os mal-intencionados.
Mais que uma voz ativa, há que liderar pelo exemplo
Ainda no que diz respeito à questão de ser uma voz ativa naquela que é a desejada normalização da presença feminina no mundo do gaming, Sara Rechena diz que para mudar mentalidades é preciso dar o exemplo. “Não basta os discursos morais e debater o tema, convidar pessoas para uma ação de sensibilização. Isto tem o valor que tem. Mas quando o evento acaba, cada um vai para a sua casa e a rotina volta ao mesmo”. São os comportamentos a médio/longo prazo a maior forma de combater esse problema, que considera ainda existir, mas que não se reflete na sua comunidade.
E para si, estar sempre a falar no assunto acaba por normalizar o mesmo. Durante um tratamento psicológico que fez, davam-se os exemplos de que os pais diziam sempre para a criança não fazer isto ou aquilo, mas sem querer, faziam o mesmo em frente dela, acabando por ser o exemplo absorvido. “Podia ser proibido fazer porque era criança, mas acabava por fazer mais tarde, porque se tornava o normal para si”. O que pretende é contribuir para a normalidade, com o seu discurso normal durante o seu quotidiano.
E com isso acredita que ser influenciadora é realmente utilizar esse poder para o bem, de forma a incentivar as pessoas com bons exemplos, não ficar pelo falar, mas pelo exemplo. “Ajudar as pessoas a terem a sensação de não fazerem o que querem porque não conseguem, cortando o sonho. Tem de ser o contrário”.
Numa análise ao seu público, refere que as métricas dizem que no Instagram e Twitter tem mais público masculino do que feminino. E numa anterior agência lhe diziam que deveria fazer mais vídeos sobre maquilhagem para captar mais público feminino. “Mas não tenho jeito. Gosto de me arranjar, mas não consigo transformar isso em conteúdo”.
Por outro lado, na Twitch diz ter uma participação feminina muito grande. Muito disso deve-se à espontaneidade do direto, onde fala da sua vida, impressões e no fundo, da sua normalidade com as outras pessoas. “Todas as redes sociais têm conteúdo programado, logo não espontâneo, ao contrário da Twitch, onde o meu conteúdo é de gaming, mas com muita conversa da treta”.
Os jogos de terror são os seus favoritos e para quem assiste, devido às reações dos sustos. Mas é um género que acaba por ser a sua especialidade no seu trabalho de redação e tudo o que seja Xbox.
Desafiada a deixar sugestões a quem procura seguir uma carreira como jornalista de gaming ou na criação de conteúdo, afirma que não tem uma fórmula para ser bem-sucedida. Algo que funcionou consigo pode não dar para outros, devido à sua mentalidade, feitio, energia, coisas que diz impactarem as ações e acontecimentos. “Devem fazer algo que gostam e não fazer por fazer. Todos temos de pagar contas e não nos podemos despedir para ir viver o sonho. Mas temos de ter resiliência e pensar que este não deve ser o nosso trabalho para toda a vida”.
Com os anos que as pessoas têm pela frente e terem que trabalhar toda a vida em algo que não gostam, isso deixa-a pensativa. “Têm de ir procurar outra coisa enquanto trabalham, ou estudar”. No seu tempo não havia logística de tempo para estudar, por isso lia textos, gravava a sua voz, de forma a se preparar para oportunidades. E acredita que muitas oportunidades lhe passaram ao lado, simplesmente não estava preparada pela elas. “É o descortinar da expressão que a sorte dá trabalho, e depois de ter passado anos na luta, só se consegui porque estava preparada para garrar a oportunidade”, referindo-se ao anúncio de internet que respondeu para integrar o IGN. “Se não estivesse preparada, se calhar seria outra a passar-me ao lado”.
Nota de redação: Foi feita uma correção ao artigo. (Última atualização: 13h54)
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