A chegada da carrinha da equipa da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central (CIMAC) à Associação de Proteção Social à população de Santiago do Escoural gerou uma animação que não será fácil esquecer e dará motivo a muitas conversas ao longo das próximas semanas.

Na semana dedicada à iniciação à Internet e competências digitais, que a nível europeu recebeu o nome de Get Online Week, a iniciativa é uma das muitas que promovem a sensibilização de quem se mantém à margem do mundo digital, por falta de interesse ou de recursos. E segundo os números mais recentes em Portugal os infoexcluídos ainda correspondem a mais de 33% da população, sendo que do total mais de 50% tem baixos níveis de literacia digital.

A visita do Posto Móvel a Santiago do Escoural estava agendada pelos técnicos que nas próximas semanas vão deslocar-se à associação para algumas sessões de sensibilização à utilização das Tecnologias da informação e Comunicação, mas o mau tempo e a dificuldade de mobilidade dos destinatários fez com que a carrinha ficasse estacionada à porta e os computadores fossem transportados para dentro da sala de convívio, onde os mais entusiastas se juntaram à volta da mesa principal.

Eram só senhoras, com idades entre os 60 e muitos anos e os 90 e poucos, a maioria das quais nunca tinha tido qualquer contacto com o computador, mas a nova experiência trouxe animação e alternativa às tarefas habituais e à omnipresente televisão.

A associação integra mais de 50 idosos, residentes ou em centro de dia, mas muitos ficaram à margem da experiência, por desinteresse ou vergonha, mostrando as mulheres maior iniciativa e desembaraço, embora depois de algum tempo também José Martinho tenha decidido experimentar.

Entre queixas de que “já não vale a pena aprender”, dificuldades em encontrar as letras certas, e as limitações da visão, os animadores do CIMAC lá vão conseguindo ultrapassar os principais medos, promovendo a escrita de nomes, primeiro no papel e depois no processador de texto do computador. E letra a letra vão-se reunindo alguns dos nomes próprios e apelidos no ecrã, com letra maior ou menor consoante a dificuldade de visão, alguns risos e lamentos sobre a rapidez de resposta das teclas.

E afinal para que serve o computador? A D. Francisca lá explica que serve “para fazer muitas coisas” e que a neta, que tem 22 anos e é técnica de fisioterapia, usa muito e está sempre a mexer no computador, onde escreve muito depressa. Mas na verdade ninguém sabe muito bem o que fazer com a máquina.

Margarida Almeida, técnica do CIMAC, explica ao TeK que com este perfil de grupo normalmente as experiências não vão além da escrita de texto, podendo em visitas posteriores explorar-se mais algumas ferramentas de pesquisa, como a visualização de mapas, a descobertas de modelos de crochet, ou até a comunicação com familiares que estão longe por videoconferência.

A identificação de poetas populares num grupo pode ajudar a dinamizar a escrita de textos que depois se partilham, mas com juízo, como avisam a funcionárias da Associação à D. Agostinha que gosta de versos com algum “picante”.

“Com facilidade conseguimos criar alguma animação e ter esta alegria”, adianta Margarida Almeida, embora admita que o objetivo nestes grupos se limita ao lazer e não está tão ligado ao desenvolvimento da literacia digital nem à descoberta da Internet, o que acontece noutro tipo de perfis onde se promove até a obtenção do diploma de competências básicas.

Interesse que é preciso consolidar
Ao fim de uma hora já havia muitos nomes escritos nos vários computadores, dos nomes das participantes aos dos filhos, em alguns casos também da vila do Escoural e dos cuidadores, mas pouco mais se conseguiu deste grupo, que muitas vezes se esquecia do computador para voltar à conversa e à partilha de histórias antigas, anedotas e adivinhas.

As próximas visitas já estão marcadas, logo após o almoço para não atrapalhar a rotina, e os animadores deixaram até alguns “trabalhos de casa” para que o grupo possa desenvolver outras atividade na próxima ação.

Margarida Almeida explica que tem de se avançar devagar, por fases, e fazer visitas regulares durante o período de dois meses. E depois? O mais certo é que esta experiência acabe por aqui, até porque a carrinha tem muitos outros locais semelhantes a visitar no distrito de Évora, ao qual está ligado.

E para que o entusiasmo que alguns dos utilizadores mostraram se concretizasse numa verdadeira infoinclusão haveria que dar continuidade dentro da instituição, só que isso envolveria investimento em equipamentos e formadores, para o qual muitas vezes não existe disponibilidade.

Do lado da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central o projeto de Inclusão e Literacia Digital tem vindo a receber uma atenção especial que já mereceu um prémio de mérito da Rede TIC e Sociedade. A comunidade mantém desde 2006 um posto móvel de acesso à Internet que já levou as atividades a mais de 5 mil cidadãos do Distrito de Évora.

Hortênsia Menino, presidente do CIMAC, explicou ao TeK que para este ano o objetivo é ainda alargar as atividades, muito focadas em cidadãos institucionalizados e com necessidades especiais. O plano para 2015 envolve quatro áreas de intervenção, onde o desenvolvimento de competências TIC e atribuição dos diplomas de competências básicas e a sensibilização de seniores com baixos níveis de literacia surgem a par das iniciativas destinadas a utilizadores com deficiência.

“Temos recebido um feedback muito positivo e temos grupos que acabam por se envolver mais”, justifica, embora admita que estas primeiras experiências estão limitadas à disponibilidade da carrinha e aos perfis dos próprios grupos, com muita disparidade de competências e motivação.

Para dar continuidade ao trabalho que é feito pela equipa do Posto Móvel era necessário o desenvolvimento de uma estratégia integrada com intervenção complementar das instituições que acolhem os idosos e podiam estender os cuidados também a esta componente de literacia e integração no mundo digital. Mas Hortênsia Menino lembra que para isso e necessário a capacitação com recursos que muitas vezes não existem ou estão canalizados para necessidades mais básicas e imediatas.

Fátima Caçador


Escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico