Desinformação e manipulação, utilização abusiva de dados e o controle da Internet por regimes autocráticos são algumas das preocupações que dominam a agenda do Web Summit e é fácil encontrar tópicos comuns entre as várias apresentações e debates na agenda.
O tema não é novo e tem vindo a ser destacado nas várias edições do Web Summit, mas é um dos tópicos que atrai mais pessoas aos palcos. E este ano não é diferente, com uma série de apresentações e debates que propõem a possibilidade da Internet “atravessar o vale” para um novo futuro, e a construção de uma “internet melhor para um mundo melhor”. Serão utopias ou há propostas concretas?
A regulação e os seus riscos, mas também a definição de novos protocolos, que ultrapassem falhas identificadas, fazem parte das propostas que subiram esta manhã ao palco, onde não faltaram avisos sobre os perigos que a Internet e a Inteligência Artificial trazem para o futuro da humanidade, pelo menos se continuarem a desenvolver-se sem critérios éticos. Há quem defenda que a arquitetura base tem um defeito crónico e está desatualizada, mas a regulação excessiva não é a solução.
Sally Costerton, CEO do ICANN, é uma das vozes que mais se faz ouvir na defesa de uma aproximação regulatória que não ponha em risco a integridade da Internet. “Se partirmos a Internet é difícil voltar a ‘colar’. É um risco”, avisa a responsável pelo organismo que assumiu a missão de manter uma internet estável, segura e unificada.
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Se cada governo tomar as suas opções de regular o que quer, seja spam ou abuso sexual de crianças online, há efeitos colaterais que podem ser graves, porque não têm impacto apenas ao nível desse país. “Há um processo de educação que temos de fazer para que os reguladores entendam de forma correta como funciona [a Internet]”, refere.
Na mesma linha, Andrew Sullivan, CEO e Presidente da Internet Society, lembra que não há uma “ficha” de regulação da Internet. “As pessoas falam nas camadas da Internet mas isso não existe, está tudo misturado”, afirma. Para o especialista as tentações para regular a Internet, como a Inteligência Artificial, podem limitar as oportunidades que existem de usar as ferramentas para o bem da humanidade. “As pessoas mentem umas às outras desde que existe linguagem […] é estranho culpar a internet por essa manipulação”, defende.
Mais do que problemas, ambos veem no horizonte oportunidades de melhoria, e também de negócio, afastando a tentação de demonizar a tecnologia. Ainda assim, com o cuidado de não tomar como garantida a Internet como a conhecemos, porque os riscos não podem ser minimizados.
Mais humana, com espaço para relacionamentos e recuperando valores universais
A olhar para o futuro da Internet, Ramesh Srinivasan, professor da Universidade da Califórnia (UCLA) e autor de vários livros, quer recuperar o valor da humanidade na tecnologia, numa altura em que todas as empresas se apresentam como empresas de Inteligência Artificial.
“Temos de nos questionar sobre quem somos e quem podemos ser. Somos representados por uma série de data points, recolhidos por empresas sem nos dizerem que estão a ser recolhidos? […] Os dados que recolhem quando temos 18 anos ainda nos representa aos 40?”, questiona na sua apresentação.
A questão sobre se googlamos ou se estamos a ser googlados, se usamos as redes sociais para socializar ou se estamos a ser socializados é relevante para o autor que admite que ambas as hipóteses são verdade, mas que é importante existir transparência.
“O que nos interessa é que tipo de humanos somos e que vidas queremos ter”, destaca Ramesh Srinivasan
Numa visão que diz ser mais filosófica, o professor fala de um modelo económico e de sociedade que suporte financeiramente as pessoas, sem diferenças sociais nem ameaças à democracia, mesmo quando os empregos humanos forem substituídos pelos robots ou a Inteligência Artificial.
“É importante recuperarmos o nosso sentido de cuidado, as nossas práticas de meditação e até religiosas, que permitem ligação humana”, refere, usando exemplos de iniciativas que estão a ser desenvolvidas em várias partes do mundo que apostam em reparar, partilhar e cuidar. “É uma missão que devíamos assumir”.
Desenvolvimento responsável da internet para o bem comum
Este é o mote do Projet Liberty, mais um dos projetos que tem como objetivo salvar a Internet, cuja arquitetura admitem que tem falhas fundamentais, está desatualizada e desumanizada. “Foi pensada para ligar máquinas entre si e não pessoas e está a causar um mal real”, defende Frank McCourt, fundador da iniciativa.
A ideia é desenvolver uma nova arquitetura cívica, como está definido no manifesto que o projeto publicou, porque só com uma nova fundação técnica é possível reclamar os diretos digitais e recuperar os dados. “Temos de construir a próxima geração da Internet […] não vamos conseguir resolver os problemas com um “penso rápido”, alerta.
Na base está um protocolo open source, o DSNP (Decentralized Social Networking Protocol) que estabelece uma forma de partilha de dados que não está dependente de uma plataforma centralizada e funciona em cima do TCP/IP e do HTTPS e que os fundadores da iniciativa admitem ser essencial para facilitar a terceira geração da Web.
“Esta nova infraestrutura tem o potencial para libertar a atividade social humana na Web do controle de empresas privadas e abrir caminho para a inovação”, defende. “Para ‘reparar’ a Internet temos de ter identidade, proveniência, atributos verificáveis”, sublinha Frank McCourt, avisando que é preciso dar aos utilizadores mais liberdade de decisão sobre quem tem acesso aos seus dados, e para o que são usados.
“Não vejo como decisões autocráticas sobre a Internet podem ser compatíveis com a democracia”, justifica.
O SAPO TEK mudou a redação para o Web Summit e até 16 de novembro está a acompanhar tudo o que se passa na conferência e nos eventos paralelos que sempre decorrem em Lisboa. A agenda é longa e há muito para descobrir dentro e fora dos palcos.
Pode acompanhar tudo no nosso especial do Web Summit 2023 e também ver a transmissão em direto do palco principal com o SAPO.
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