As campanhas eleitorais seguem para a reta final e o burburinho nas redes sociais segue com elas. Um estudo da Obercom divulgado no ano passado revelava um conjunto de dados sobre a presença dos portugueses nas redes sociais. Mostrava, por exemplo, que o reinado do Facebook ainda não acabou, mas o Instagram é cada vez mais popular entre quem usa redes sociais.

Nesta campanha eleitoral essa transferência também se nota e é precisamente no Instagram que os candidatos têm apostado mais fichas para chegar aos eleitores e criar o tal burburinho. No Instagram e no TikTok, embora nesta última sejam menos os partidos a explorar o potencial da rede social da chinesa ByteDance para chegar ao eleitor.

O MediaLab do ISCTE-IUL tem acompanhado de perto a campanha nas redes sociais, como já fez em eleições anteriores, e José Moreno, um dos investigadores responsáveis pelo projeto, explica que dos sete candidatos e partidos seguidos, os que têm assento parlamentar, só três estão no TikTok e só um domina o formato como nenhum outro: o Chega. O partido é o único que usa tanto este canal de comunicação com os eleitores para passar mensagens, como as restantes redes sociais.

“Quem está no TikTok tem conseguido níveis de interação maiores aí do que no Facebook ou no Twitter e quase ao nível do que se consegue no Instagram, estão é poucos lá”.

O único político que está a usar esta rede social de forma recorrente e significativa é mesmo André Ventura, segundo os investigadores. “O Facebook continua a proporcionar muitas interações, mas não necessariamente com conteúdos políticos e noticiosos. Parece ter havido de facto um interesse em reduzir a componente política dentro da rede social, porque é polémica, e isso foi conseguido através do algoritmo. Não nos podemos esquecer que tudo isto é influenciado pelo algoritmo”, sublinha o investigador.

Facebook perde terreno para o Instagram e TikTok na cena política

Em campanhas anteriores, os investigadores do MediaLab, que integra o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, verificaram que o Facebook era um meio muito importante em termos de interações. “É uma rede social que tem muitos utilizadores e que suscitava por isso muitas interações com os conteúdos. Neste momento, o que vemos é que a plataforma que proporciona mais interações e onde os candidatos captam mais a atenção dos utilizadores é mesmo o Instagram e em parte no TikTok”.

O trabalho do MediaLab passa por analisar o discurso político de todos os partidos com assento parlamentar e respetivos líderes: o que publicam, o que se publica sobre eles e por ir à procura de casos de campanha. Procuram-se casos de campanha que nascem noutros canais de divulgação e acabam por ganhar uma sobrevida nas redes sociais, como o caso das rendas e a avó de Mariana Mortágua. E casos que nascem nas redes sociais e se propagam para outros meios, como o dos supostos tiros que ameaçaram a caravana do Chega em Famalicão e que eram afinal rateres de uma mota integrada na comitiva.

Neste caso, por exemplo, os investigadores verificaram que a primeira nota do partido sobre o tema foi feita numa rede social, através de uma publicação que mais tarde foi apagada, e disseminada por várias outras contas afetas ao partido ou a simpatizantes. O desmentido chegou quatro horas mais tarde, já a publicação de André Ventura, que entretanto também comentou o tema, tinha mais de um milhão de visualizações.

“Muita da nossa análise é feita com base nas interações porque esse é claramente um indicador de atenção. A quantidade de interações geradas por determinado conteúdo dá-nos informação sobre o nível de atenção que o conteúdo suscitou nas redes sociais. A uma visualização o utilizador pode ou não prestar atenção, já uma interação implica uma maior atenção ao conteúdo”, explica José Moreno.

É precisamente graças a este tipo de análise que os investigadores também podem atestar que o desmentido do caso dos tiros já não teve o mesmo impacto e alcance da publicação original, um fenómeno recorrente nas publicações que difundem mentiras ou imprecisões.

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Nesta avaliação do impacto da ação de cada partido e respetivo líder nas redes sociais, os investigadores garantem que estão atentos aos fenómenos dos perfis falsos e dos bots, que ajudam a viralizar algumas publicações. Existem, não são fáceis de identificar, mas também não são vistos como a principal razão para que algumas publicações ganhem mais destaque que outras. A tendência que mais se destaca, refere Moreno, é o “militantismo digital” associado a alguns partidos. “Notamos muito que há militantes que sistematicamente comentam, partilham ou fazem likes nas publicações do seu partido ou do adversário”. Serão os apoiantes mais fervorosos dos partidos a dar o contributo mais direto para a disseminação dos temas da campanha nas redes sociais.

Discurso e “militantismo digital”: a combinação perfeita para dar nas vistas

O partido de André Ventura volta a ser o que mais se destaca a este nível, embora não seja o único e o fenómeno também não seja novo destas eleições. “Sistematicamente é o partido que tem mais interações, mais pessoas a comentar, mais pessoas a partilhar e a seguir as contas do partido, o que tem muito a ver com o desinteresse que a população em geral tem com a política e com o interesse muito mais acutilante pelo acompanhar do seu partido que têm os apoiantes do Chega”.

Porque é que é assim? O tipo de comunicação é determinante nestes canais e uns partidos usam mais essa receita para dar nas vistas do que outros. “O tipo de comunicação que detetamos nestes partidos de direita populista, não só em Portugal, é muito idêntico”. Não só porque, como classificaria um cientista político, são partidos populistas, refere José Moreno, mas também porque aprenderam a lidar com as redes sociais e com estas novas formas de comunicação “da forma que as redes pedem”. Emoção, polémica, conteúdos acutilantes e agressivos fazem quase sempre parte da tal receita para dar nas vistas nas redes sociais.

“O discurso populista casa bem com aquilo que os algoritmos pretendem para as redes sociais e isso explica a popularidade que estes partidos têm nestas plataformas”.

Um exemplo identificado pelos investigadores é o vídeo mais viral da pré-campanha até à primeira semana de fevereiro. Foi publicado pelo Chega e fala sobre caça às multas feita pela polícia que “nunca seria objeto de discussão política”. Foi visto quase 700 mil vezes, somou 30 mil ‘likes’ e mais de um milhar de comentários.

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Estes “tiros mais certeiros” na comunicação digital significam que as campanhas estão mais profissionalizadas? Os especialistas que contactámos em diferentes áreas dizem que sim e não estranham, mas também encontram ainda muito caminho para percorrer nas estratégias digitais de propaganda.

Nalguns casos o recurso a consultores e empresas especializadas é assumido, noutros nem por isso, noutros ainda os partidos asseguram que não o fazem mas reconhecem que têm vindo a adaptar a comunicação da campanha aos novos tempos. E como diz José Moreno não há nada de imprevisível nisso. “É algo que tanto acontece nas redes sociais como noutros canais de comunicação. Antes os candidatos já tinham quase personal trainers para uma série de áreas” onde a forma como se apresentavam era importante.

Com as redes sociais a tornarem-se cada vez mais importantes em termos de comunicação política, é natural que os partidos recorram a pessoas, software e outras ferramentas que os ajudem a comunicar melhor” nestes canais. Como por exemplo, ferramentas para analisar as redes, saber o que publicar e quando publicar, já com a ajuda de inteligência artificial e outros recursos que ajudam a identificar o melhor timing para ser eficaz.  Ainda assim, José Moreno defende que o tipo de discurso e a capacidade de criar uma narrativa, que é depois alimentada com diferentes publicações na mesma linha, é um critério com muito maior peso que qualquer outro para o sucesso nestes canais. “Fora da política também é assim”, lembra.

Precisamente pelos motivos referidos acima é fácil para os investigadores eleger um vencedor da campanha nas redes sociais. O Chega tem sido quem mais investe tempo, e eventualmente dinheiro, nestas plataformas. Tem sido também o partido que mais tem conseguido dar nas vistas com as publicações que faz, pelos temas e tom que escolhe e com a ajuda do tal “militantismo digital”.

Likes não são votos…ou será que podem ser?

Que impacto terá isso no dia das eleições? “Likes não são votos. As interações nas redes sociais não se refletem necessariamente em votos e não podem ser vistas como uma sondagem, não têm nenhuma representatividade”, sublinha José Moreno.

“Pode haver uma minoria ruidosa que alinha mais por um partido, como pode haver uma maioria silenciosa que no dia do voto tem um comportamento diferente daquilo que se deduz das redes sociais. Há por isso vários fatores que desaconselham esse tipo de análise, até porque nas redes sociais não está toda a gente e os que estão têm diferentes comportamentos”.

Depois das últimas legislativas um inquérito realizado pelo MediaLab concluiu aliás que apenas 14% dos eleitores em Portugal tinham usado as redes sociais para obter informação sobre as campanhas e tomarem as suas decisões de voto. Por outro lado, estudos mostram que “é notória uma correlação entre um certo crescimento da política nas redes sociais e um certo crescimento dos partidos populistas, neste momento de direita, mas podiam ser de esquerda. Aliás, o exemplo que muitas vezes damos na comparação com o Chega é o Podemos em Espanha, que teve uma evolução muito semelhante”, reconhece também o investigador.

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Voltando apenas à arena das redes sociais, a campanha segue com três “escalões” de concorrentes. “Um partido claramente dominante que potencia as redes como nenhum outro”, o Chega. “Num segundo nível estão um conjunto de partidos que em algumas alturas e temas conseguem ter alguma eficácia, como a Iniciativa Liberal, Livre, Bloco de Esquerda ou PAN - os partidos mais aos extremos”. Os partidos tradicionais, mais ao centro, estão no escalão menos destacado, essencialmente por opção. “São partidos mais institucionais, com uma postura mais cuidada que é exatamente o que as redes não gostam”, refere José Moreno.

Um estudo do Iberifier, o Observatório Ibérico de Media Digitais e da Desinformação, publicado no ano passado, também apontava conclusões idênticas, ao verificar que a representatividade dos partidos nas redes sociais em Portugal tinha pouca coincidência com a sua representação parlamentar. Indicava-se também aqui que os partidos de menor dimensão e mais radicalizados eram os mais ativos e os que motivaram mais interações.

A pesquisa apurou que em agosto de 2022 o PSD era o partido com mais seguidores, mas era o Chega o partido com maior nível de engajamento (gostos, partilhas e comentários) nas redes sociais. Esta “Análise do impacto da desinformação na política, economia, sociedade e questões de segurança, modelos de governança e boas práticas: o caso de Espanha e Portugal” ordenava da seguinte forma o resto do ranking do engajamento: Iniciativa Liberal, PSD, PCP, PAN, BE, Ergue-te, PS, CDS, ADN, PEV, LIVRE, Volt Portugal, Nós Cidadãos e Aliança. O ISCTE também tem representação neste observatório.

Este artigo integra um especial sobre as eleições nos canais digitais que o SAPO TEK publica ao longo desta semana