A regulamentação destinada a proteger a privacidade tem vindo a crescer em todo o mundo, mas especialmente na Europa onde a proteção de dados é vista como um valor a proteger, que foi reforçado com o Regulamento Geral de Proteção de Dados que entrou em efeito em 2018. Mas, ao mesmo tempo, multiplicam-se os serviços que usamos e que precisam de dados para gerir as nossas preferências, com os quais partilhamos a nossa localização, os gostos de compra de refeições de take away, as medidas e cores escolhidas nas compras de vestuário, já para não falar das nossas opiniões, relações de amizade e amorosas, fotografias e outras informações que ajudam a definir um perfil cada vez mais específico do nosso “eu digital”.
É uma nova realidade e uma pegada cada vez mais alargada que deixamos no mundo digital, através das páginas onde navegamos, os serviços que usamos, as apps que instalamos, as nossas comunicações em redes sociais e em sistemas de messaging e videoconferência. E mesmo que tudo pareça muito transparente nem sempre o é, como vamos sabendo por alguns escândalos de partilha de dados entre empresas, algumas integrando os mesmos grupos económicos mas não só.
Hoje é o Dia Internacional da Proteção de Dados e por isso é ainda mais importante pensarmos qual é a nossa pegada digital, e se podemos limitar essa partilha de informação que em alguns casos torna os serviços muito mais cómodos e fáceis de usar, mas da qual perdemos facilmente o rasto. Ler todos os termos de serviço de todos os sites e aplicações que usamos torna-se quase impossível, dada a complexidade e dimensão que estes apresentam, e também é improvável que pense em tornar-se um “ermita digital”, fechando-se a todos os contactos coma as redes onde os dados são captados de forma pouco (ou nada) transparente.
"É notório há muito a existência de um fosso crescente entre a perceção de privacidade e a real carência da mesma, o qual é “escavado” diariamente por todos nós, quando de forma inocente potenciamos a monetização dos nossos dados pessoais", explica Miguel Gonçalves da Axians Portugal, defendendo que devemos, mais do que nunca, proteger o direito à nossa privacidade.
É por esses direitos que se bate também a D3, Defesa dos Direitos Digitais, e Ricardo Lafuente, vice presidente da associação, avisa que "está a ganhar terreno de doutrina que quer abdicar da privacidade em nome da segurança", que já se vê na prática em países como a China e Taiwan. A pandemia da COVID-19 está a ser usada para impor a utilização de mecanismos, e tecnologias, que na prática acabam por limitar a privacidade e até a liberdade das pessoas. O processo, designado por doutrina do choque, é usado para descrever os fenómenos que nos abalam e que são usados como forma de aumentar a securitzação da sociedade, o que aconteceu também no 11 de setembro.
"Preocupa-nos a fé cega na tecnologia que é usada como forma de resolver os problemas complexos e que é usada para levantar dieitos sagrados como a privacidade em nome disso". afirma Ricardo Lafuente.
A aplicação StayAway Covid foi um dos exemplos apontados pelo vice presidente da D3, recordando as muitas falhas apontadas à aplicação, mas também a utilização de bases de dados massivas de reconhecimento facial que estão a ser criadas em França.
Saber quais os direitos dos cidadãos é um primeiro caminho para poder tomar consciência e maior controle sobre esta pegada digital e a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), que é a autoridade de proteção de dados mantém no seu site informação detalhada sobre direito de acesso, retificação e portabilidade dos dados e também indicação sobre como é que os cidadãos podem exercer os seus direitos.
Pandemia com novos desafios na proteção de dados
Em Portugal, no último ano, a CNPD registou um aumento dos processos de averiguação, que incluem queixas, denúncias de outras entidades e averiguações, que somaram mais de 1.100 processos, como adiantou ao SAPO TEK Clara Guerra, consultora coordenadora da CNPD.
“O ano foi definitivamente marcado pela pandemia, também em termos de proteção de dados, com novos tratamentos de dados pessoais, legislação específica, projetos como as contact tracing apps, videovigilância em zonas públicas para controlo da movimentação das pessoas, enfim, desafios novos para dar resposta aos problemas que iam surgindo (teletrabalho, ensino à distância, etc..)”, explica.
“A privacidade é um valor universal a defender”, lembra Clara Guerra, que explica que a atividade da CNPD foi muito focada na elaboração de orientações na interpretação correta da lei, para corrigir práticas ilícitas ou para chamar a atenção para a necessidade de garantir que eram adotadas as medidas adequadas e necessárias para o cumprimento das exigências legais.
Clara Guerra admite que “neste contexto tão especial em que as circunstâncias foram ditando a restrição de direitos fundamentais, foi essencial a intervenção da CNPD no sentido de promover o equilíbrio entre o interesse público e a defesa dos direitos, liberdades e garantias, alertando para o imperativo de respeitar o princípio da adequação, da necessidade e da proporcionalidade”.
Os problemas são comuns a outras autoridade internacionais em todo o mundo, que tiveram de lidar com problemas semelhantes e que “tentaram que a pressão de uma crise com a gravidade desta não levasse a uma falta total de discernimento, com atropelo das mais elementares garantias”, adianta ainda a consultora coordenadora da CNPD.
Nota da Redação: a notícia foi atualizada com mais informação. Última atualização 20h02
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