Numa conferência sobre tecnologia, que agrega as maiores tecnológicas em Portugal, pode parecer um lugar comum dizer que a tecnologia muda tudo nos media, e que a velocidade é cada vez mais rápida, mas Ricardo Costa defendeu no painel “The Media of Power, The Power of Media” que esta é a palavra chave e quenão é possível olhar para o futuro dos media sem perceber como a tecnologia os impacta”.

“Altera tudo, como a rádio há alguns anos, o telex, a impressão a cores, que provocou revoluções e transformações culturais muito profundas”, referiu o diretor de informação da Impresa durante a sua intervenção na conferência Building the Future, organizada pela Microsoft.

Apesar de considerar que as principais transformações tecnológicas dos últimos anos nos media se terem dado ao lado daquilo que consideramos o sector, ou seja nas plataformas da Google e Facebook, que Ricardo Costa classifica como as Big Tech, a regulação desta atividade é apontada como fundamental para definir o futuro do sector, e do jornalismo, mas também da democracia.

Para o jornalista, e diretor de informação do grupo que detém a SIC e o Expresso, inicialmente tudo correu bem às Big Tech, mas estas empresas “acabaram por pisar duas áreas sensíveis do poder político e do poder que regula as atividades”, e isso vai obrigar a mudanças, numa maré que vai mudar. Ricardo Costa referia-se aos impostos e às eleições, mostrando a convicção de que mais cedo ou mais tarde o Google e Facebook terão de começar a pagar impostos nos países onde atuam, mas também ao desmontar da ideia de que a publicação de conteúdos não é neutral e que não pode escapar ao mesmo tipo de regulação a que estão sujeitos os outros publishers.

Depois da eleição de Trump e das várias eleições europeias “começou-se a perceber-se que a ideia de que eram absolutamente neutrais na forma como divulgavam informação era absolutamente falsa, puro bullshit”, e agora ninguém pode acreditar que a divulgação de informação da parte da Google e do Facebook é absolutamente neutral.

Ricardo Costa deu ainda “dois exemplos de temas que não têm a ver com manipulação de eleições e que devem fazer corar de vergonha os grandes responsáveis pelas grandes empresas tecnológicas”, referindo-se às vacinas e à mudança climática, afirmando que não há qualquer dúvida hoje que “foram altamente cavalgados, de forma altamente irresponsável, pelo Google, Facebook e Youtube”.

“A ideia de que as grandes empresas tecnológicas conseguiram, ainda no tempo de Obama, de que deviam ser consideradas plataformas agnóstica, sem nenhuma das responsabilidades a que estão obrigados os publishers […] tinha um lado de inovação importante  mas o facto de se ter dado um free ride total permitiu uma captura da publicidade, sem nenhuma ideia sequer de que é preciso haver alguma responsabilidade sobre os conteúdos, e acho que essa maré mudou”, sublinhou. Hoje o Google e o Facebook já assumem que não deviam dar o mesmo palco aos conteúdos que são claramente falsos e anticientíficos embora haja um espírito libertário dentro das Big Tech.

"Ninguém pode dizer que não tem responsabilidade quando monetizam com isso, ganham dinheiro, e é essa alteração que acho que vai acontecer", apontou, considerando que esta inversão irá beneficiar os media.

Por isso mesmo antecipa uma maré que vai mudar. “Os media não podem meter a cabeça na areia. Vivem num novo ecossistema, a indústria mudou radicalmente, foi transformada pela tecnologia e pelas Big Tech, e não vão ser salvos por isso, mas vão ter a favor deles, nos próximos tempos, uma ideia de que todos os que viveram à volta, sem terem nenhuma dose de responsabilidade, só capturando capturando receitas de conteúdos criados por outros, vão ter uma maré que vai mudar e condicionar grande parte das discussões que vamos ter nos próximos tempos”.

Pedro Ribeiro, diretor de programação da Rádio Comercial, lembrou que é importante termos a noção de que não vivemos num mundo a “preto e branco” e “interiorizar que a Google e o Facebook são o demo e que do outro lado estão os media tradicionais e que, coitadinhos, fazem tudo by the book, até porque há muitos agentes de media que jogam no lado mais perverso das não regras, dos clickbaites e é nessa complexidade que se move o sector de media e é também por isso que é tão difícil fazer regras”, lembrando ainda que este é um fenómeno global.

O jornalista e animador de rádio sublinhou igualmente os problemas da pirataria, e a dificuldade que é impedir a disseminação de um determinado vídeo, como as músicas do Vasco Palmeirim, mas defendeu que este é um problema de educação, passando informação desde cedo às pessoas para saber distinguir o trigo do joio.

Também Nuno Ferreira Pires, presidente executivo da Sport TV, falou de pirataria, defendendo que é uma questão de educação, e fez uma analogia entre o roubo de conteúdos e o roubo de um chocolate numa loja. “Não é só por serem digitais que os conteúdos podem ser roubados”, afirmou, lembrando que em muitos casos os espectadores que vêm a Sport TV sem pagar estão a pagar a outras entidades. “Já não há pirataria gratuita”, afirmou, explicando que para terem os “canais piratas” estão a sustentar um negócio que está a ser entregue a marginais que não pagam impostos e que estão a suportar redes de terrorismo e de pedofilia.

Um futuro optimista?

E há um futuro para os media? Apesar dos temas e dos desafios, o painel foi encerrado com um toque positivo, com os intervenientes a sublinharem a sua confiança de que os media vão manter o seu papel e relevância. “A prova disso é que os nossos conteúdos continuam a ter muita relevância, porque as pessoas querem consumi-los”, afirmou Nuno Ferreira Pires, explicando que o problema pode depois ser da monetização, mas que é um problema de gestão e não do sector, que está no bom caminho do core business.

Gonçalo Reis, presidente da RTP, defendeu também que há problemas para os operadores e para o sector, mas que para o cidadão o cenário é muito positivo porque nunca houve tanta diversidade e tantas opções de consumo de conteúdo e de informação.  E mesmo para as empresas há muito mais montras, com a tecnologia não linear, oferecendo muito mais e melhores experiências. “Hoje chegamos a qualquer lugar. Mais de 40% dos acessos são de fora do país”, explica, mas alerta que o jogo mudou e que os operadores têm de ter muito mais competências e que não se limitam ao jornalismo. “Temos todos de investir mais em tecnologia, em analytics, em data e qualquer um de nós que diga que se está a preparar muito bem tem de fazer muito mais”, justifica.

“Estou convencido que as pessoas pagarão para ver mais e melhores conteúdos”, afirmou Pedro Ribeiro, defendendo que as soluções que temos agora para criar melhor conteúdo são melhores do que nunca, e as tecnologias são um aliado e nunca um obstáculo.

Ficou ainda um desafio de agregação do sector, que se deveria unir para trabalhar em parceria para enfrentar os problemas que se colocam atualmente.

Nota da Redação: o painel foi moderado pela editora do SAPO TEK, Fátima Caçador