A produção de videojogos em Portugal faz-se de empresas com centenas de pessoas, como uma Miniclip, até estúdios só com uma pessoa, passando por uma maioria com equipas fixas que variam entre 10 a 20 pessoas, de acordo com o Atlas do Sector dos Videojogos em Portugal. A maior parte dedica-se à produção de jogos próprios, admite a associação do sector, a APVP, muitas acumulam essa valência com o desenvolvimento para terceiros. Há também quem tire partido do know-how adquirido nos videojogos para entrar noutros mercados e quem esteja em momento de viragem, para novas plataformas, tipos de jogos ou modelos de negócio.
Voltando ao universo das empresas que desenvolvem jogos para terceiros, há vários exemplos para apontar. O modelo work-for-hire é altamente popular nesta indústria porque tem uma rentabilidade atraente e pode ser um porto seguro, para compensar a incerteza de sucesso dos projetos próprios, ou como trampolim para voos mais altos.
É precisamente aí que começa a história da Volt Games, exemplo de uma nova geração de estúdios nacionais, hábil na capacidade de se moldar ao que o mercado pede e de dar nas vistas a nível internacional. Os quatro co-fundadores da empresa começaram a criar jogos por diversão e foi com isso que atraíram a atenção de editores internacionais de referência.
Em 2020 montaram a empresa e focaram-se no desenvolvimento de jogos hyper casual - jogos simples com experiências curtas, para grandes publishers internacionais, como a Voodoo Games ou a Supersonic Studios. O cliente encomenda os jogos que pretende, a equipa é paga por cada título e recebe parte das receitas geradas pelo jogo, neste caso, nas lojas para Android ou na App Store, já que a empresa só desenvolve para mobile.
Como explica Pedro Cabaço, co-fundador e CEO da Volt, os ciclos de desenvolvimento destes jogos são simples e curtos, podem demorar entre uma a duas semanas. Em pouco tempo é possível produzir muitos jogos, o que permitiu escalar rapidamente a operação, mas também perceber que o modelo não era muito entusiasmante para a equipa.
Instalações da Volt Games, em Lisboa
A startup avançou então para o passo seguinte, sem abandonar completamente esta vertente, e lançou o seu primeiro jogo em nome próprio, um casual game de futebol - Football Clash - Mobile Soccer - para jogar online, que desafia o jogador a marcar golos de livre e que usa um sistema de cartas ao estilo FIFA. Foi lançado em abril e neste momento tem mais de 200 mil utilizadores ativos, sucesso que ditou mais um ajuste no posicionamento da empresa, agora assumidamente um Casual Sport Games Studio, já a pensar no próximo jogo. O futuro passa por explorar um mercado em franco crescimento, o dos jogos PlaytoEarn, baseados em NFTs e na blockchain.
O objetivo dos PlaytoEarn é permitir que o jogador ganhe dinheiro enquanto joga, ou valorizando um ativo (NFT), ou pela remuneração de conquistas com o token do jogo. O jogo que a Volt está a começar a desenvolver, novamente de futebol, vai ter as duas componentes. Com o NFT jogável é possível ir melhorando os atributos do jogador e elevar o valor da sua carta. Por outro lado, cada vitória num jogo será remunerada na moeda oficial do título.
A ideia da equipa, para já com 10 pessoas, quase todos sub-30, é lançar o título ainda este ano. Pedro Cabaço, que aos 13 anos criou o seu primeiro jogo para telemóvel e aos 21 o popular Super Crossbar Challenge, que alcançou um milhão e meio de downloads, não antecipa para já uma aposta noutras plataformas que não o mobile.
O mobile é uma paixão antiga e para além disso é a plataforma que hoje reúne mais jogadores e, na sua opinião, o ponto de partida mais acessível para quem se lança nos videojogos. “Do ponto de vista de negócio é muito mais fácil entrar neste mercado porque há muitas empresas a contratar quem desenvolva para isso”, refere. “O mercado de PCs é muito mais competitivo, exige mais mãos e mais tempo para desenvolver jogos”.
Toda a polémica em torno das taxas e regras fechadas das plataformas de distribuição de jogos mobile (Apple e Google), Pedro Cabaço desvaloriza-a e lembra que “todas as plataformas onde se podem comercializar jogos têm as suas taxas e os custos de operação”. Há uma segunda via para fazer dinheiro com os jogos móveis, que não é taxada pelas lojas, a publicidade. Vêm daí 80% das receitas de jogos da Volt.
Desbloquear novos níveis para fazer crescer o negócio
Quase na ponta oposta (cronologicamente falando) da curta história da indústria “moderna” de videojogos em Portugal estão a Nerd Monkeys e a Ground Control, dois exemplos - raros - de longevidade e capacidade de adaptação entre os estúdios portugueses. A primeira nasceu em 2013 e a segunda, com a designação atual, um ano mais tarde.
A Ground Control usou o know-how dos videojogos para montar um negócio B2B paralelo. A Nerd Monkeys é citada como bom exemplo por vários concorrentes pela “elasticidade” para se ajustar às mudanças do mercado e das plataformas de distribuição ao longo do tempo.
É também um dos poucos estúdios nacionais a publicar jogos de terceiros. Lançou esta área de negócio no ano passado, embora a ideia já acompanhasse Diogo Vasconcelos, co-fundador e diretor-geral do estúdio, desde 2018. As motivações para a decisão foram várias, mas a maior terá sido a vontade de “fazer porque sinto que posso ter um impacto positivo em estúdios pequenos a começar".
A estratégia está agora orientada para a colaboração com estúdios, indies e outras publishers. “Conforme vamos crescendo e aprendendo, vamos adaptando a estratégia. Ter a capacidade de adaptar e crescer é mais importante para uma startup sem investidores externos, do que um plano bem definido para ser seguido rigorosamente a 5 anos”, compara Diogo Vasconcelos.
Como um todo, a Nerd Monkeys assume-se hoje como “um estúdio de videojogos independente que procura experimentação, envolvimento autoral, identidade artística e intenção narrativa” nos projetos que desenvolve. Trabalha-se para que os IPs do estúdio atinjam públicos diferentes e como tal o foco não está num género único de jogo ou mecânica, mas em explorar vários estilos.
“É um dos nossos pontos fortes no que toca a trabalho com os nossos clientes, também porque além do nosso trabalho interno, quando trabalhamos com outros estúdios, marcas e empresas, procuramos sempre levar este sentido de criatividade e descoberta”, destaca Diogo Vasconcelos.
Atualmente com uma equipa 15 pessoas e planos para reforçar. O grande foco vai para as parcerias que tem vindo a desenvolver com outros estúdios e para as consolas. Quer passar por 2022 com novos lançamentos todos os trimestres, seja com projetos próprios, como indie publisher, ou co-desenvolvedora, e espera que, tudo somado, permita duplicar resultados.
Nesta área da colaboração, uma das novidades recentes é a Short Games Collection, uma compilação de minijogos para a Nintendo Switch, que Diogo Vasconcelos descreve como “um primeiro passo para um novo caminho que abriu portas a novas oportunidades, colaborações e públicos”.
Os louros que resultam da capacidade de ir reinventando o negócio, seguem lado a lado com os que perduram dos primeiros trabalhos do estúdio. O primeiro jogo da Nerd Monkeys foi Inspetor Zé e Robot Palhaço em: Crime no Hotel Lisboa (2014), que continua a gerar vendas na Steam. Under Siege, lançado pela já extinta Seed Studios - a Nerd Monkeys adquiriu a propriedade intelectual - também continua a gerar vendas na PSN da Playstation 3.
Levar a realidade virtual dos jogos para soluções empresariais
Os jogos desenvolvidos pela Ground Control já impactaram cerca de 3,5 milhões de jogadores. Nestas contas, estão jogos próprios e jogos desenvolvidos para terceiros. Nos títulos em nome próprio, o puzzle game Zhed foi aquele que conseguiu melhor tração, com cerca de 500 mil cópias, entre todas as plataformas (Mobile, PC, Consolas).
O estúdio do Porto, que foi pioneiro no desenvolvimento para realidade virtual, desdobra hoje a atividade em colaborações com outros estúdios (nacionais e internacionais), desenvolvimento de jogos próprios e “pelo meio há os projetos especiais B2B”, que já pesam tanto em termos de faturação como a área de jogos.
Como explica Rui Guedes, fundador e CEO da Groubd Control, "o nosso B2B acaba por ser bastante sui-generis porque usamos tecnologia de videojogos para resolver problemas do mundo-real”. Há uma espécie de “sinergia bi-direccional” entre o que acontece nos ditos "projetos especiais" e na produção de jogos, que faz com que “não sejam áreas fechadas e estanques, mas sim trabalhos que partilham o mesmo stack tecnológico, com ônus diferente”.
Os chamados projetos especiais acabaram por ser a forma encontrada pela empresa para mitigar o risco de desenvolver videojogos que “do dia em que começa a produção até ao dia em que são lançados têm rentabilidade bastante negativa, que pode vir a tornar-se imensamente positiva (ou não)”. Por oposição, os projetos paralelos “são altamente controlados em termos de custo e timeline, portanto a rentabilidade é sempre previsível e gerível para ser boa (ou pelo menos estar dentro de uma determinada margem)”.
Nos jogos, Rui Guedes admite que a preferência da equipa vai para o desenvolvimento para PC, seguido de perto por Android. “São sem dúvida as que menos entropia criam durante todo o processo de criar, testar e lançar algo”. A equipa fixa da Ground Control tem 13 pessoas, que em altura de pico de projetos mais que duplicam, com o apoio de colaboradores externos.
Para este ano o plano passa por ter um jogo em produção, um em pré-produção e um em conceito, a complementar com trabalho para clientes.
Uma paixão que fez nascer uma empresa
A história da Infinity Games é um pouco diferente das três anteriores. Não foi da empresa que nasceu um jogo, mas de um jogo que nasceu a empresa. O projeto arrancou em 2016, do entusiasmo do fundador por um jogo que encontrou numa loja de aplicações, o Infinity Loop. “Era o oposto da maioria das experiências de jogo que havia experimentado até então, obtendo popularidade através do minimalismo e simplicidade”. Muhammad Satar acabou por conhecer os criadores do jogo e decidiu investir todas as poupanças - cerca de 100 mil euros - para ficar com a propriedade intelectual do jogo e a presença no Google Play e App Store.
Infinity Games, instalações, equipa e fundador
Nos dois anos seguintes, o empreendedor trabalhou com freelancers para criar sequelas para o jogo. Em 2018 percebeu que o projeto só podia crescer com uma equipa residente e com diferentes valências e começou a formá-la, sem alterar a missão: desenvolver e publicar jogos que contribuam para “reduzir o stress dos jogadores através do minimalismo e de imersão providenciados pela arte, música e design dos ambientes de jogo”. Agora trabalham para isso 22 pessoas, que até final do ano devem passar a 40.
Até à data, a Infinity Games desenvolveu e lançou 33 jogos, que geraram mais de 140 milhões de downloads e que somam mais de 2 milhões de jogadores ativos mensalmente. Entre os títulos mais recentes, destaque para Railways, que integrou o Top 20 Indie Games da Google, ou Energy, que soma mais de 20 mil novos utilizadores todos os dias.
“Planeamos ter 40 jogos no nosso portfólio até final de 2022. Contudo, nem todos os jogos têm igual sucesso. Jogos como o Energy, Loop, Traffix ou Maze, são dos mais rentáveis e que têm avaliações mais elevadas pelos jogadores”, explica Muhammad Satar.
A faturação é para duplicar, face aos 1,5 milhões de euros do ano passado, aumentando não só o número de jogos, mas também a qualidade dos jogos publicados, apostando em novos mercados (China é um exemplo) e em novas plataformas. Este é um caminho que está a ser percorrido em colaboração com a Nerd Monkeys, portando alguns jogos para a Nintendo Switch, exemplo, o Traffix.
“Continuaremos a lançar jogos na área de relaxamento: através de puzzles e jogos de simulação, mas também iremos atualizar os jogos no nosso portfólio de forma a melhorar a performance e permitir um enriquecimento do conteúdo de cada jogo”, explica Muhammad Satar.
A equipa chega a 2022 animada, depois de no ano passado ter recebido um convite para integrar o programa de aceleração da Google na área de jogos e para outro programa idêntico da Apple, que ajudam a promover o crescimento do negócio.
A maior parte das receitas dos jogos produzidos pela Infinity Games ainda vêm da publicidade, mas o estúdio tem vindo a aprofundar caminhos alternativos, onde pesa o facto de ser um dos parceiros do programa Google Play Pass, que Muhammad descreve como uma espécie de Netflix dos jogos. Em troca de uma subscrição mensal, o jogador tem acesso a uma coleção de jogos ou apps sem anúncios e sem compras in-app.
Este artigo faz parte do especial Desenvolver jogos em Portugal: Quem, como e para onde?
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