Vários utilizadores nos Estados Unidos começaram a perceber que a informação recolhida pelos seus veículos está a ser compilada por empresas especializadas e vendida a companhias de seguros, que usam esses dados para definir perfis de risco e estabelecer o valor dos prémios.
O tema dá o mote a uma reportagem do The New York Times que falou com clientes, identificou duas empresas que recolhem e vendem estes dados às seguradoras e vários fabricantes de automóveis com este tipo de práticas.
Nenhuma das empresas negou que os dados circulam entre si, a maior parte defende que os dados são cedidos com o consentimento dos clientes. O que também se verifica é que nem sempre o consentimento para partilha de dados com terceiros explica especificamente para que fim - na maior parte dos casos, aliás, isso é pouco claro. Noutras situações referem-se os nomes das empresas, na mesma sem especificar o fim para que estas usam os dados e em documentos com dezenas de páginas, que raramente alguém lê em detalhe.
Noutros casos ainda, os utilizadores garantem que não ativaram a opção de partilha de dados recolhidos pelo veículo e isso acontece, ou que nem foram consultados ou informados sobre essa opção.
Em comum, os veículos onde estes dados são recolhidos têm em comum o facto de estarem ligados à internet. Em muitos casos, os utilizadores são incentivados quando compram o carro a descarregar apps que ajudam a monitorizar o seu estilo de condução e a contribuir de alguma forma para a sua melhoria, com dicas ou relatórios que ajudem a perceber como conduzem.
Ninguém percebe, como mostra o artigo, que os dados recolhidos permitem fazer relatórios detalhados de tudo o que o condutor faz enquanto conduz, nos seis meses anteriores. Foi isso que verificou um dos entrevistados na reportagem, quando tentou perceber porque é que o preço do seu seguro do carro disparou, na companhia atual e em todas as outras que consultou a pedir propostas alternativas.
Percebeu que o motivo era o mesmo: o relatório de uma empresa de soluções de gestão de risco que compila dados de condutores, a LexisNexis. O homem pediu acesso ao documento e ali reviu todas suas viagens durante os últimos seis meses, com informação de hora de início e fim de cada viagem, distância percorrida, número de travagens e acelerações fora do comum e velocidade. No mesmo relatório, que a legislação americana obriga as empresas a partilharem com os visados por ter informação determinante para traçar perfis de crédito, a LexisNexis também informou quantas seguradoras tiveram acesso a estes dados nos meses anteriores.
Neste caso, os dados foram fornecidos pela General Motors (através do OnStar Smart Driver), mas a reportagem descobriu que várias marcas têm parcerias com esta e outras empresas. General Motors, Mitsubishi (Driving Score), Subaru (Starlink) e Kia são parceiras da LexisNexis. A Veisk, a outra empresa de soluções de gestão de risco referida no artigo, diz ter parcerias com os principais fabricantes de automóveis, incluindo com a Ford, Honda e Hyundai.
Nem todas as marcas assumem partilhar o mesmo tipo de informação com parceiros, mas a maioria reconhece que se a opção estiver ativa nas respectivas apps, os dados de condução são partilhados. No caso da Ford, por exemplo, a empresa garante que os dados de condução podem ser partilhados com a seguradora, mas apenas se o cliente autorizar.
Os seguros automóvel baseados no tipo de utilização do veículo começam a ser comuns e as parcerias das marcas para fornecerem informação dos veículos conectados para este fim também. Podem até ter um efeito pedagógico, defende Omri Ben-Shahar, professor de direito da Universidade de Chicago consultado no artigo. No entanto, se estas práticas acontecerem sem o conhecimento dos visados, não têm nenhuma utilidade para melhorar hábitos de condução e beneficiar os condutores, defende o mesmo responsável.
O NYT falou também para este artigo com uma investigadora da Mozilla que reviu as políticas de privacidade de 25 marcas de automóveis. Jen Caltrider concluiu que “é impossível para os consumidores tentarem perceber” aquilo que estão a decidir, nos documentos de consentimento associados ao tratamento de dados em carros conectados.
“Os fabricantes de automóveis são realmente bons a tentar ligar este tipo de funcionalidades à segurança”, é um “pesadelo para a privacidade” e uma nova forma de fazer dinheiro, acrescenta a investigadora.
As seguradoras também precisam de consentimento dos utilizadores para aceder a dados seus na posse de terceiros e obtêm-no, mas mais uma vez sem que o cliente perceba exatamente o que está em causa. O cliente assina um documento onde autoriza a companhia a aceder a relatórios de terceiros para validar dados importantes para traçar o seu perfil. Tanto pode estar em causa o número de acidentes nos últimos 10 anos, como quantas viagens fez no último mês e quantas vezes travou a fundo nessas viagens.
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